Tema 24: O Matrimônio e a Ordem Sacerdotal

O matrimônio é uma sábia instituição do Criador para realizar na humanidade seu desígnio do amor. Nasce do consentimento pessoal e irrevogável dos esposos. Suas propriedades essenciais são a unidade e a indissolubilidade. Mediante o sacramento da ordem confere-se uma participação no sacerdócio de Cristo segundo a modalidade transmitida pela sucessão apostólica. Os sacramentos do matrimônio e da ordem conferem precisamente ao cristão uma vocação e missão específica na Igreja (cf. Catecismo, 1534).

O sacramento do Matrimônio

O matrimônio não é “efeito da causalidade ou produto da evolução de forças naturais inconscientes; é uma sábia instituição do Criador para realizar na humanidade seu desígnio de amor. Os esposos, mediante sua doação pessoal recíproca, própria e exclusiva deles, tendem à comunhão de seu ser com vistas a um mútuo aperfeiçoamento pessoal, para colaborar com Deus na geração e na educação de novas vidas. Nos batizados o matrimônio reveste-se, além disso, da dignidade de sinal sacramental da graça, na medida em que representa a união de Cristo e da Igreja”[1].

“Em sua realidade mais profunda, o amor é essencialmente dom e amor conjugal ao mesmo tempo que leva os esposos ao recíproco ‘conhecimento’ que os torna ‘uma só carne’ (cf. Gn 2, 24), não se esgota no casal, já que os torna capazes da máxima doação possível, pela qual convertem-se em cooperadores de Deus no dom da vida para uma nova pessoa humana”[2].

Este amor mútuo entre os esposos “se torna uma imagem do amor absoluto e indefectível de Deus pelo homem. Esse amor é bom, muito bom, aos olhos do Criador, que “é amor” (1Jo 4, 8.16). E esse amor abençoado por Deus é destinado a ser fecundo e a realizar-se na obra comum de preservação da criação: "Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a" (Gn 1,28)” (Catecismo, 1604).

O dom próprio, que caracteriza o amor como conjugal, são as pessoas na medida em que são reciprocamente sexuadas com vistas à geração. Nenhuma pessoa pode chegar a ser pai por si só ou com outra pessoa do mesmo sexo, porque a paternidade e a maternidade constituem um único princípio de geração. Por isso, no amor conjugal, a aceitação do dom possui um dinamismo próprio e peculiar com relação a outras linguagens do amor: somente no amor conjugal se dá a identidade entre o oferecimento e a aceitação do dom. Com efeito, a aceitação do dom da paternidade tem lugar mediante a entrega do dom da maternidade e vice-versa. Não cabe, portanto, uma comunhão de amor mais íntima entre duas pessoas que, com palavras da Sagrada Escritura, são uma só carne. (Gn 2, 24).

A dinâmica da doação conjugal descrita evidencia que o amor conjugal não nasce de modo espontâneo e sim de uma entrega livre de cada pessoa e, por a entrega ser mútua, é um amor devido. São Paulo o ensina assim ao escrever que “a mulher não é dona de seu próprio corpo, e sim o marido; do mesmo modo que o marido não é dono de seu próprio corpo e sim, a mulher” (1 Cor 7, 4), ou quando recorda aos esposos que “devem amar suas mulheres como a seu próprio corpo” (Ef. 5, 28). O matrimônio como instituição natural, corresponde à dimensão de justiça inerente ao amor conjugal: “a instituição matrimonial não é uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade nem a imposição extrínseca de uma forma, mas exigência interior do pacto do amor conjugal que se confirma publicamente como único e exclusivo, para que assim seja vivida a plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador”[3].

Pelo fato de a comunidade matrimonial ser fundamento natural da família, célula da sociedade, não se situa exclusivamente na esfera privada, mas trata-se de um bem de interesse público. A sociedade protege o matrimônio por meio de sua institucionalização legal: o matrimônio civil na sociedade civil e o matrimônio canônico na Igreja. Para que a legalização do matrimônio seja efetiva e realmente útil para o bem comum, deve ajustar-se à sua essência, ou seja, ao matrimônio como instituição natural e, no caso do matrimônio canônico, também como sacramento.

Em muitos países é frequente que as pessoas coabitem more uxorio sem nenhum vínculo institucional. As razões são várias: “a influência das ideologias que desvalorizam o matrimônio e a família, a experiência do fracasso de outros casais à qual eles não querem expor-se, o medo de algo que consideram muito grande e sagrado, as oportunidades sociais e as vantagens econômicas derivadas da convivência, uma concepção puramente emocional e romântica do amor, o medo de perder a liberdade própria e a independência, a rejeição de tudo que é visto como institucional e burocrático”[4]. Se o relacionamento estiver estabelecido sobre uma sincera vontade conjugal, será preciso mostrar-lhes a necessidade de legalizar sua situação. Se não há tal vontade, será preciso ajudá-los a descobrir a mentira de tal relacionamento, porque o amor conjugal “exige uma doação total e definitiva das pessoas entre si” (Catecismo, 2391). Esta mentira enfraquece a sinceridade e a fidelidade mútuas: o que se pode construir num relacionamento em que as pessoas “não se comprometem mutuamente e revelam, assim, falta de confiança na outra, em si mesma, ou no futuro?” (Catecismo, 2390).

Se olhamos a criação a partir de Cristo, descobrimos que ela “é o fundamento de ‘todos os desígnios salvíficos de Deus’, ‘o começo da história da salvação’, que culmina em Cristo” (Catecismo, 280). E o matrimônio das origens aparece revestido de uma nova dignidade: foi instituído por Deus como tipo da união entre Cristo e a Igreja (cf. Ef. 5, 31-32), em virtude do que o amor conjugal não apenas participa do amor criador de Deus, mas também de seu amor salvador, transmitindo junto com a vida humana a vida da graça em Cristo.

O pecado original introduziu a ruptura do homem com Deus e simultaneamente a ruptura da comunhão original entre o homem e a mulher. A instituição do casamento por sua vez debilita-se com o aparecimento da poligamia e do repúdio, e a paternidade carnal transmite o pecado original em vez da vida dos filhos de Deus.

A Lei antiga, de acordo com a pedagogia divina, não critica a poligamia dos patriarcas nem proíbe o divórcio; mas “contemplando a Aliança de Deus com Israel sob a imagem de um amor conjugal exclusivo e fiel (cf. Os 1-3; Is 54.62; Jr 2-3.31; Ez 16, 62; 23), os profetas foram preparando a consciência do Povo eleito para uma compreensão mais profunda da unidade e da indissolubilidade do matrimônio (cf. Ml 2, 13-17)” (Catecismo 1611). Além disso, a renovação da benção originária divina com Abraão, junto com a promessa de uma descendência inumerável à qual entregará a terra de Canaã (cf. Gn 12, 2.7; 13, 16; 22, 17), outorga ao matrimônio um papel fundamental na realização do desígnio de salvação: sem o matrimônio não se cumpriria a aliança feita por Deus com Abraão e sua descendência, que à luz do Novo Testamento, são Cristo e a Igreja (cf. Gl 3, 26-29).

“Jesus, que reconciliou cada coisa em si mesma, voltou a levar o matrimônio e a família à sua forma original (cf. Mc 10, 1-12). A família e o matrimônio foram redimidos por Cristo (cf. Ef. 5, 21-32), restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério do qual brota todo amor verdadeiro. A aliança esponsal, inaugurada na criação e revelada na história da salvação recebe a plena revelação do seu significado em Cristo e na sua Igreja. De Cristo, mediante a Igreja, o matrimônio e a família recebem a graça necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de comunhão. O Evangelho da família atravessa a história do mundo, desde a criação do homem à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-27) até o cumprimento do mistério da Aliança em Cristo no final dos séculos com as bodas do Cordeiro (cf. Ap. 19, 9)”[5].

A celebração do matrimônio

O matrimônio nasce do consentimento pessoal e irrevogável dos esposos (cf. Catecismo 1626). “O consentimento matrimonial é o ato da vontade, pelo qual o varão e a mulher se entregam e aceitam mutuamente em aliança irrevogável para constituir o matrimônio" (CIC, 1057 § 2).

“A Igreja exige normalmente para seus fiéis a forma eclesiástica para a celebração do matrimônio (Catecismo 1631). Por isso, “somente são válidos aqueles casamentos contraídos diante do Ordinário do lugar ou o pároco, ou um sacerdote ou diácono delegado por um deles para que assistam, e diante de duas testemunhas, de acordo com as regras estabelecidas” pelo Código de Direito Canônico (CIC 1108 § 1).

Várias razões concorrem para explicar esta determinação: o matrimônio sacramental cria direitos e deveres na comunidade da Igreja entre os esposos e para com os filhos. Sendo o matrimônio um estado de vida na Igreja, é preciso que haja certeza sobre ele (daí a obrigação de que haja testemunhas); e o caráter público do consentimento protege o “Sim” uma vez dado e ajuda a permanecer fiel a ele (cf. Catecismo, 1631).

“As propriedades essências do matrimônio são a unidade e a indissolubilidade, que no matrimônio cristão alcançam particular firmeza em virtude do sacramento” (CIC, 1056). O marido e a mulher “pelo pacto conjugal já não são dois, mas uma só carne (Mt 19, 6). Esta íntima união, como mútua entrega de duas pessoas assim como o bem dos filhos, exigem plena fidelidade conjugal e requerem sua indissolúvel unidade”[6].

“A unidade do matrimônio aparece amplamente confirmada pela mesma dignidade pessoal que se deve reconhecer na mulher e no varão no mútuo e pleno amor. A poligamia é contrária a esta igual dignidade de um e outro e ao amor conjugal que é único e exclusivo” (Catecismo, 1645).

“Em sua pregação, Jesus ensinou sem ambiguidade o sentido original da união do homem e da mulher, tal como o Criador a quis desde o começo: a autorização, dada por Moisés, de repudiar a mulher era uma concessão à dureza do coração (cf. Mt 19, 8); a união matrimonial do homem e da mulher é indissolúvel: o próprio Deus a estabeleceu: ‘o que Deus uniu, o homem não separe’ (Mt 19, 6)” (Catecismo, 1614). Em virtude do sacramento, pelo qual os esposos cristãos manifestam e participam do mistério da unidade e do fecundo amor entre Cristo e a Igreja (Ef 5, 32), a indissolubilidade adquire um sentido novo e mais profundo aumentando a solidez original do vínculo conjugal, de modo que “o matrimônio rato [isto é, celebrado entre batizados] e consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder humano, nem por causa alguma exceto a morte” (CIC 1141).

“O divórcio é uma ofensa grave à lei natural. Pretende romper o contrato, livremente aceito pelos esposos, de viver juntos até a morte. O divórcio atenta contra a Aliança de salvação da qual o matrimônio sacramental é um sinal” (Catecismo 2384). “Pode ocorrer que um dos cônjuges seja a vítima inocente do divórcio pronunciado pela lei civil; não contradiz neste caso o preceito moral. Existe uma diferença considerável entre o cônjuge que se esforçou sinceramente por ser fiel ao sacramento do Matrimônio e se vê injustamente abandonado e aquele que, por uma falta grave de sua parte, destrói um matrimônio canonicamente válido” (Catecismo2386).

“Existem, no entanto, situações em que a convivência matrimonial se torna praticamente impossível por razões muito diversas. Em tais casos, a Igreja admite a separação física dos esposos e que já não coabitem. Os esposos não deixam de ser marido e mulher diante de Deus; nem ficam livres para contrair uma nova união. Nesta difícil situação, a melhor solução seria, se possível, a reconciliação” (Catecismo 1649). Se depois da separação “o divórcio civil representa a única forma possível de garantir certos direitos legítimos, como o cuidado dos filhos ou a defesa do patrimônio, pode ser tolerado sem constituir falta moral” (Catecismo 2383).

Se depois do divórcio é contraída uma nova união, mesmo que reconhecida pela lei civil, “o cônjuge casado de novo acha-se então na situação de adultério público e permanente” (Catecismo 2384). Os divorciados, em situação de segundas núpcias, embora continuem pertencendo a Igreja, não podem comungar, porque seu estado e condição de vida contradizem objetivamente esta união de amor indissolúvel entre Cristo e a Igreja significada e atualizada na Eucaristia. “A reconciliação no sacramento da penitência – que lhes abriria o caminho para o sacramento eucarístico – pode dar-se unicamente aos que, arrependidos de ter violado o Sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo, estão sinceramente dispostos a uma forma de vida que não contradiga a indissolubilidade do matrimônio. Isto traz consigo concretamente que quando o homem e a mulher, por motivos sérios – como, por exemplo, a educação dos filhos – não podem cumprir a obrigação da separação, assumem o compromisso de viver em plena continência, isto é, de abster-se dos atos próprios dos esposos”[7].

Estas normas devem-se aplicar, com a lógica da compaixão para com as pessoas frágeis, evitando impor tantas condições à misericórdia divina que a esvaziem de sentido[8]. Isso significa ter em conta que o penitente “embora seja fiel à intenção de não pecar mais, a experiência passada e a consciência da debilidade presente, suscita o temor de novas quedas; isto não prejudica, porém, a autenticidade da intenção, quando a esse temor acrescenta-se a vontade, apoiada na oração, de fazer o possível para evitar a culpa”[9]. O penitente, devido às circunstâncias concretas em que se encontra, pode não ser plenamente responsável por seus atos. O confessor deverá ter em conta o que pode fazer para evitar a culpa e assim ter a certeza moral da contrição suficiente do penitente para a absolvição[10].

De qualquer forma, se acontecer uma nova queda, a pessoa deve confessar-se antes de comungar. As relações sexuais com alguém que não é o cônjuge legítimo são, de fato, por seu objeto, intrinsicamente más. Além disso, como o seu arrependimento “é por si oculto, enquanto que sua condição de divorciado que voltou a casar-se é por si manifesta, só poderão aceder à Comunhão eucarística remoto scandalo”[11].Por fim, a Eucaristia recebida não será a meta do caminho de conversão, mas a preciosa ajuda para continuar dando os passos necessários para viver uma situação que não contrasta com o ensinamento de Jesus sobre o matrimônio[12].

A paternidade responsável

“O instituto do Matrimônio e o amor dos esposos estão, por sua índole natural, ordenados à procriação e à educação dos filhos, e por causa dessas coisas (a procriação e a educação dos filhos), (o instituto do Matrimônio e o amor dos esposos) são como que coroados de maior glória. Os filhos são o dom mais excelente do Matrimônio e contribuem grandemente para o bem dos próprios pais. Deus mesmo disse: "Não convém ao homem ficar sozinho" (Gn 2,18), e "criou de início o homem como varão e mulher" (Mt 19,4); querendo conferir ao homem participação especial em sua obra criadora, abençoou o varão e a mulher dizendo: "Crescei e multiplicai-vos" (Gn 1,28). Donde se segue que o cultivo do verdadeiro amor conjugal e toda a estrutura da vida familiar que daí promana, sem desprezar os outros fins do Matrimônio, tendem a dispor os cônjuges a cooperar corajosamente com o amor do Criador e do Salvador que, por intermédio dos esposos, quer incessantemente aumentar e enriquecer sua família” (Catecismo 1652). “Devem se mencionar especialmente, entre os esposos que cumprem dessa maneira a missão que Deus lhes confiou aqueles que, de comum e prudente acordo, acolhem, com alma grande, uma prole mais numerosa para ser convenientemente educada”[13].

Mesmo com uma disposição generosa para com a paternidade, os esposos podem achar-se “em circunstâncias em que, ao menos por certo tempo, o número de filhos não deve crescer”[14]. Se “existem motivos sérios para distanciar os nascimentos, que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que então é lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimônio só nos períodos infecundos e, deste modo, regular a natalidade”[15].

“Segundo o desígnio de Deus, o matrimônio é o fundamento da comunidade mais ampla da família, já que a própria instituição do matrimônio e o amor conjugal estão ordenados para a procriação e educação dos filhos, que constituem sua coroação”[16].

“O Criador do mundo estabeleceu a sociedade conjugal como origem e fundamento da sociedade humana; a família é por isso a célula primeira e vital da sociedade”[17]. Esta específica e exclusiva dimensão pública do matrimônio e da família reclama sua promoção por parte da autoridade civil.

Na Igreja a família é chamada Igreja doméstica porque a comunhão específica de seus membros está chamada a ser “revelação e atuação específica da comunhão eclesial” [18]. “Os pais devem ser para seus filhos os primeiros pregadores da fé, tanto com sua palavra como com seu exemplo, e devem fomentar a vocação própria de cada um e, com especial cuidado, a vocação sagrada”[19]. “É aí que se exercita de modo privilegiado o sacerdócio batismal do pai de família, da mãe, dos filhos, de todos os membros da família, na recepção dos sacramentos, na oração e na ação de graças, como testemunho de uma vida santa com a renúncia e o amor que se traduz em obras. O lar é assim a primeira escola de vida cristã e escola do mais rico humanismo. Nele se aprende a paciência e o gozo do trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso, repetido e sobretudo o culto divino por meio da oração e da entrega de sua vida” (Catecismo 1657).

O sacramento da Ordem

A tribo de Levi foi escolhida por Deus entre o povo de Israel, designado em Ex 19,6 como “reino de sacerdotes”, “para o serviço do tabernáculo do testemunho” (Nm 1, 50). Por sua vez, entre os levitas, consagravam-se os sacerdotes da antiga aliança com o rito da unção (cf. Ex 29, 1-7), conferindo-lhes uma função “a favor dos homens como mediador nas coisas que dizem respeito a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados” (Hb 5, 1). Como elemento da lei mosaica, este sacerdócio é “introdução a uma esperança melhor” (Hb 7, 19), “sombra dos bens futuros”, mas por si “não pode nunca, mediante os mesmos sacrifícios que se oferecem sem cessar ano após ano, dar a perfeição aos que o recebem” (Hb 10, 1).

O sacerdócio levítico prefigurou de alguma forma entre o povo eleito a plena realização do sacerdócio de Jesus Cristo, não ligado nem à genealogia nem aos sacrifícios do templo, nem à Lei, mas apenas ao próprio Deus (cf. Hb 6, 17-20). Por isso, foi “proclamado por Deus Sumo Sacerdote à semelhança de Melquisedec” (Hb 5, 10), o qual, “por uma só oblação realizou a perfeição definitiva daqueles que recebem a santificação” (Hb 10, 14). O Verbo de Deus encarnado, cumprindo as profecias messiânicas, redime, com efeito, todos os homens com a sua morte e ressurreição, entregando sua própria vida em cumprimento de sua condição sacerdotal. Este sacerdócio que o próprio Jesus apresenta em termos de consagração e missão (cf. Jo, 10, 14) tem, portanto, valor universal: não existe “uma ação de salvação de Deus fora da única mediação de Cristo”[20].

Na última ceia, Jesus manifesta a vontade de fazer seus apóstolos participarem do seu sacerdócio, expressado como consagração e missão: “Como tu me enviaste ao mundo, assim também eu os enviei ao mundo. Eu me consagro por eles, a fim de que eles também sejam consagrados na verdade” (Jo 17, 18-19). Esta participação se torna realidade em diferentes momentos ao longo do ministério de Cristo que podem ser considerados os sucessivos passos que levarão à instituição da ordem sagrada: quando chama os apóstolos constituindo-os como colégio (cf. Mc 3, 13-19), quando os instrui e envia a pregar (cf. Lc 9, 1-6), quando lhes confere o poder de perdoar os pecados (cf, Jo 20, 22-23), quando lhes confia a missão universal (cf. Mt 28, 18-20); até a especialíssima ocasião em que lhes ordena que celebrem a Eucaristia: “fazei isto em minha memória” (1 Cor 11, 24). Na missão apostólica, eles “no dia de Pentecostes foram plenamente confirmados nesta missão” [21].

Durante a sua vida, “não só tiveram vários auxiliares no ministério, mas, para que a missão a eles confiada fosse continuada após a sua morte, confiaram a seus imediatos colaboradores, como em testamento, o encargo de completarem e confirmarem a obra começada por eles (...)ordenaram também que após a sua morte fosse o seu ministério assumido por outros homens experimentados”. Foi assim que “os Bispos receberam, com os seus colaboradores os presbíteros e diáconos, o encargo da comunidade, presidindo em lugar de Deus ao rebanho de que são pastores como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado, ministros dotados de autoridade”[22].

No Novo Testamento, o ministério apostólico é transmitido através da imposição das mãos acompanhada de uma oração (cf. At 6, 6 ;1 Tm 4, 14; 2 Tm 1,6); esta é a praxe nos ritos de ordenação mais antigos, como os da Traditio apostolica e os Statuta Ecclesiae Antiqua. Este núcleo essencial, que constitui o sinal sacramental, foi enriquecido ao longo dos séculos por alguns ritos complementares, que podem diferir segundo as diversas tradições litúrgicas. No rito latino, “os ritos iniciais (a apresentação e a eleição do ordinando, a alocução do Bispo, o interrogatório do ordinando, a ladainha de todos os santos) atestam que a escolha do candidato foi feita de conformidade com a prática da Igreja e preparam o ato solene da consagração, depois da qual diversos ritos vêm exprimir e concluir, de maneira simbólica, o mistério que acaba de consumar-se: para o Bispo e para o presbítero, a unção do santo crisma, sinal da unção especial do Espirito Santo que torna fecundo seu ministério; entrega do livro dos Evangelhos, do anel, da mitra e do báculo ao bispo, em sinal de sua missão apostólica de anúncio da Palavra de Deus, de sua fidelidade à Igreja, esposa de Cristo, de seu cargo de pastor do rebanho do Senhor; entrega da patena e do cálice ao presbítero, "a oferenda do povo santo" que ele deve apresentar a Deus; entrega do livro dos Evangelhos ao diácono, que acaba de receber a missão de anunciar o Evangelho de Cristo” (Catecismo, 1574).

Natureza e efeitos da ordem recebida

Pelo sacramento da ordem, é conferida uma participação no sacerdócio de Cristo de acordo com o modo transmitido pela sucessão apostólica. O sacerdócio ministerial distingue-se do sacerdócio comum dos fiéis, que provém do batismo e da confirmação; ambos “se ordenam um ao outro”, mas “se diferenciem essencialmente e não apenas em grau” [23]. É próprio e específico do sacerdócio ministerial ser “uma representação sacramental de Cristo Cabeça e Pastor”[24], o que permite exercer a autoridade de Cristo na função pastoral de pregação e de governo, e atuar in persona Christi no exercício do ministério sacramental.

A repraesentatio Christi Capitis subsiste sempre no ministro, cuja alma foi selada com o caráter sacramental, impresso indelevelmente na alma na ordenação. O caráter é, pois, o efeito principal do sacramento, e sendo realidade permanente faz que a ordem não possa ser nem repetida, nem eliminada, nem conferida por um tempo limitado. “Alguém validamente ordenado pode, é claro, por motivos graves, ser exonerado das obrigações e das funções ligadas à ordenação ou ser proibido de exercê-las, mas jamais poder voltar a ser leigo no sentido estrito” (Catecismo, 1583).

A ordem, em cada um de seus graus, confere além disso “graça do Espírito Santo própria deste sacramento”, a “graça da configuração a Cristo Sacerdote, Mestre e Pastor, do qual o homem ordenado é constituído ministro” (Catecismo, 1585). Esta ministerialidade é tanto dom como tarefa, pois a ordem é recebida em vista do serviço a Cristo e aos fiéis, que na Igreja formam seu Corpo místico. Mais especificamente, para o bispo, o dom recebido é “o Espírito Soberano, que destes ao vosso amado Filho, Jesus Cristo, e ele transmitiu aos santos Apóstolos”[25]. Para o presbítero pede-se a Deus o dom do Espírito “para que seja digno de apresentar-se sem reprovação diante de teu altar, de anunciar o evangelho de teu reino, de realizar o ministério de tua palavra de verdade, de oferecer-te dons e sacrifícios espirituais, de renovar teu povo mediante o banho da regeneração; de modo que vá ao encontro do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo”[26]. No caso dos diáconos, “com a graça sacramental, servem o Povo de Deus em união com o Bispo e o seu presbitério, no ministério da Liturgia, da palavra e da caridade”[27].

Os graus da ordem sagrada

O diaconado, o presbiterado e o episcopado conservam entre si uma relação intrínseca, como graus da única realidade sacramental da ordem sagrada.

O episcopado é “a plenitude do sacramento da ordem”, chamado “na liturgia da Igreja e no testemunho dos santos padres "supremo sacerdócio" ou "cume do ministério sagrado"” [28]. Aos bispos é confiado “o ministério da comunidade para presidir sobre a grei em nome de Deus como pastores, como mestres de doutrina, sacerdotes do culto sagrado e ministros dotados de autoridade”[29]. São sucessores dos apóstolos e membros do colégio episcopal, ao qual são incorporados imediatamente em virtude da ordenação, conservando a comunhão hierárquica com o Papa, cabeça do colégio e com os outros membros. Correspondem a eles principalmente as funções de capitalidade, tanto na Igreja universal como presidindo as Igrejas locais, que regem “como vigários e legados de Cristo” e o fazem, “com seus conselhos, com suas exortações, com seu exemplo, mas também com sua autoridade e com sua potestade sagrada”[30]. Entre os ofícios episcopais “destaca-se a pregação do Evangelho. Porque os bispos são os pregoeiros da fé que ganham novos discípulos para Cristo e são os mestres autênticos, quer dizer, herdeiros da autoridade de Cristo, que pregam ao povo que lhes foi confiado a fé na qual se deve crer e que se deve aplicar à vida”, e “quando ensinam em comunhão com o Romano Pontífice, devem ser respeitados por todos como testemunhas da verdade divina e católica”[31]. Finalmente, como administradores da graça do supremo sacerdócio, moderam por meio de sua autoridade, a distribuição saudável e frutífera dos sacramentos: “regulam a administração do batismo, por meio do qual se concede a participação no sacerdócio régio de Cristo. São os ministros originários da confirmação, dispensadores das sagradas ordens e moderados da disciplina penitencial; exortam solicitamente e instruem seu povo para que participe com fé e reverência na liturgia e sobretudo, no santo sacrifício da missa”[32].

O presbiterado foi instituído por Deus para que seus ministros “tivessem o poder sagrado da ordem para oferecer o sacrifício e perdoar os pecados e desempenhassem publicamente em nome de Cristo a função sacerdotal em favor dos homens”[33]. Foi confiada aos presbíteros a função ministerial “em grau subordinado, a fim de que, constituídos na ordem do presbiterado, fossem cooperadores da ordem episcopal para o reto cumprimento da missão apostólica”[34]. Eles participam “da autoridade com que o próprio Cristo forma, santifica e rege seu Corpo” e pela ordem sacramental recebida “ficam marcados com um caráter especial que os configura com Cristo Sacerdote, de tal forma que podem atuar in persona Christi Capitis”[35]. “Formam, junto com seu bispo, um presbitério dedicado a diversas ocupações”[36] e desempenham a sua missão em contato imediato com os homens. Mais concretamente, os presbíteros “têm como obrigação principal anunciar a todos o Evangelho de Cristo, para constituir e aumentar o Povo de Deus, cumprindo o mandato do Senhor: "Ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda criatura"”[37]. O centro da sua função está “no culto eucarístico ou comunhão, no qual, in persona Christi agentes, e proclamando seu Mistério, acrescentam ao sacrifício de sua Cabeça, Cristo, as orações dos fiéis (cf 1 Cor 11, 26), representando e aplicando no sacrifício da Missa, até a vinda do Senhor, o único Sacrifício do Novo Testamento, a saber, o de Cristo que se oferece a si mesmo ao Pai, como hóstia imaculada (cfr. Hb 9, 14-28)”[38]. Isto está unido ao “ministério da reconciliação e do alívio” que exercem “para com os fiéis arrependidos ou enfermos”. Como verdadeiros pastores, “eles, exercitando, na medida de sua autoridade, o ofício de Cristo, Pastor e Cabeça, reúnem a família de Deus como uma fraternidade, animada e dirigida rumo à unidade e por Cristo, no Espírito, conduzem-na a Deus Pai”[39].

Os diáconos constituem o grau inferior da hierarquia. As mãos lhes são impostas “não em ordem ao sacerdócio, mas ao ministério”, que exercem com uma repraesentatio Christi Servi. Compete ao diácono “administrar solenemente o batismo, conservar e distribuir a Eucaristia, assistir e abençoar os casamentos em nome da Igreja, levar o viático aos moribundos, ler a Sagrada Escritura para os fiéis, instruir e exortar o povo, presidir o culto e a oração dos fiéis, administrar os sacramentais, presidir os ritos de funerais e sepultamentos”[40].

Ministro e sujeito

A administração da ordem em seus três graus é reservada exclusivamente ao bispo: no Novo Testamento só os apóstolos o conferem, e, “como o sacramento da Ordem é o sacramento do ministério apostólico, cabe aos Bispos, como sucessores dos apóstolos, transmitir "o dom espiritual", "a semente apostólica"” (Catecismo, 1576), conservada ao longo dos séculos no ministério ordenado.

Para a licitude da ordenação episcopal se requer, na Igreja Latina, um explícito mandato pontifício (cf. CIC, 1013); nas Igrejas orientais ela está reservada ao Romano Pontífice, ao Patriarca ou o Metropolita, sendo sempre ilícita se não houver mandato legítimo (cf. CCEO, 745). No caso de ordenação de presbíteros e diáconos é necessário que o ordenante seja o bispo próprio do candidato, ou que tenha recebido as cartas dimissórias da autoridade competente (cf. CIC, 1015-1016); se a ordenação tiver lugar fora da própria circunscrição, é necessária a vênia do bispo diocesano (cf CIC, 1017).

Para que a ordenação seja válida, em seus três graus, é necessário que o candidato seja varão e batizado. Jesus Cristo escolheu, com efeito, como apóstolos somente homens, apesar de haver entre aqueles que o seguiam também mulheres que várias vezes demonstraram uma maior fidelidade. Esta conduta do Senhor constitui norma para toda vida da Igreja e não se pode considerá-la circunstancial, pois já os apóstolos se sentiram vinculados a esta praxe e impuseram as mãos unicamente a homens, também quando a Igreja já estava em regiões onde a presença de mulheres no ministério não teria suscitado perplexidade. Os padres da Igreja seguiram fielmente esta norma, conscientes de que se tratava de uma tradição obrigatória, que se refletia adequadamente nos decretos sinodais. A Igreja, em consequência, “não se considera autorizada a admitir mulheres para a ordenação sacerdotal”[41].

Uma ordenação legítima e plenamente frutuosa requer, além disso, por parte do candidato, a realidade sobrenatural da vocação, confirmada ao mesmo tempo pelo convite da autoridade competente (o “chamado da hierarquia”). Na Igreja latina, por outro lado, vigora a lei do celibato eclesiástico para os três graus; isso “não é certamente exigido pela própria natureza do sacerdócio”[42], mas “é bem conforme com o sacerdócio”, pois assim os clérigos participam do celibato assumido por Cristo para realizar sua missão, “unem-se a Ele mais facilmente com um coração indiviso, dedicam-se mais livremente nele e por ele ao serviço de Deus e dos homens”. Com a entrega plena de sua vida à missão confiada, os ordenandos “evocam o misterioso matrimônio estabelecido por Deus [...], pelo qual a Igreja tem a Cristo como Esposo único. Eles se constituem, além disso, em sinal vivo daquele mundo futuro, já presente pela fé e pela caridade, no qual os filhos da ressurreição não tomarão maridos nem mulheres”[43]. Não são obrigados ao celibato os diáconos permanentes nem os diáconos e presbíteros das Igrejas orientais. Finalmente para serem ordenados, são requeridas determinadas disposições internas e externas, a idade e ciência devidas, o cumprimento dos requisitos prévios à ordenação e a ausência de impedimentos e irregularidades (cfr. CIC, 1029-1042; CCEO, 758-762). Nos candidatos à ordenação episcopal regem condições particulares que garantem sua idoneidade (cfr. CIC, 378).


Bibliografia

- Catecismo da Igreja Católica, 1533-1600, 1601-1666, 2331-2400.

- São Josemaria, Entrevistas com Mons. Escrivá, 87-112.

- São Josemaria, Homilia O matrimônio, vocação cristã, em É Cristo que passa, 22-30.

- São Josemaria, Homilia, Sacerdote para a eternidade, em Amar a Igreja.


[1] São Paulo VI, Humanae Vitae, 8.

[2] São João Paulo II, Familiaris Consortio, 14.

[3] Ibid., 11.

[4] Francisco,Amoris laetitia, 40

[5] Francisco,Amoris laetitia, 63.

[6] “No dever de transmitir a vida humana e de educá-la que devem considerar como sua missão própria, os cônjuges sabem que são cooperadores do amor de Deus Criador e, como seus intérpretes, [...], os esposos cristãos, confiados na divina Providência, cultivando o espírito de sacrifício, glorificam o Criador e tendem à perfeição em Cristo quando com responsabilidade cristã, generosa e humana, cumprem sua missão procriadora” (Concílio Vaticano I, Gaudium et Spes, 50).

[7] São João Paulo II, Familiaris consortio, 84. Cf. Bento XVI, Sacramentum Caritatis, 22/02/2007, 29; Congregação para a Doutrina da Fé, Carta sobre a recepção da Comunhão Eucarística por parte dos fiéis divorciados que voltaram a casar, 14/09/1994; Catecismo, 1650.

[8] Cf. Francisco, Amoris Laetitia, 307-312.

[9] João Paulo II, Carta ao Card. Willian W. Baum e aos participantes do curso anual sobre o foro interno organizado pela Penitenciaria Apostólica, 22/03/1996;cf. Francisco, Amoris Laetitia, 311.

[10] Cf. Ibid., 303-305.

[11] Pontifício Conselho para os textos legislativos, Sobre a Admissibilidade à sagrada comunhão dos divorciados que se casaram novamente, 24/06/2000, 2.

[12] Cf. Francisco, Amoris laetitia, 307-308.

[13] Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 50.

[14] Ibid., 51.

[15] São Paulo VI, Humanae Vitae, 26/07/1968, 16.

[16] São João Paulo II, Familiaris Consortio, 14. “A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado” (ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10-XII-1948, art. 16).

[17] Cf. Conselho Pontifício para a Família, Família, matrimônio e uniões de fato, Cidade do Vaticano 2000; Congregação para a Doutrina da Fé, Considerações acerca dos projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, Cidade do Vaticano 2003.

[18] São João Paulo II, Familiaris Consortio, 21.

[19] Concílio Vaticano II, Lumen gentium, 19

[20] Congregação para a Doutrina da Fé, Dominus Iesus, 14.

[21] Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, 19.

[22] Ibid., 20.

[23] Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, 10.

[24] João Paulo II, Pastores dabo vobis, 25/03/92, 15, 4.

[25] Pontifical Romano, Ordenação episcopal, Oração consagratória.

[26] Rito Bizantino, Oração de ordenação presbiteral.

[27] Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, 29.

[28] Ibid., 21

[29] Ibid., 20

[30] Ibid., 27

[31] Ibid., 25

[32] Ibid., 26

[33]Concílio Vaticano II, Presbyterorum Ordinis, 2

Ibid.

[34] Ibid., 29

[35] João Paulo II, Ordinatio Sacerdotalis, 22/05/1994, 2

[36] Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, 28

[37] Concílio Vaticano II, Presbyterorum Ordinis, 4

[38] Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, 28

[39] Ibid.

[40] Ibid., 29

[41] João Paulo II, Ordinatio Sacerdotalis, 22/05/1994, 2

[42] Concílio Vaticano II, Presbyterorum Ordinis, 16.

[43] Ibid.