"Escutar o chamado divino é alimentar o desejo de felicidade que carregamos dentro de nós"

O Domingo do Bom Pastor, que este ano é celebrado no dia 21 de abril, é dedicado a rezar especialmente pelas diversas vocações na Igreja. O Papa Francisco escreveu uma mensagem na qual nos recorda que cada um de nós, no seu lugar, pode ser com a ajuda do Espírito Santo um semeador de esperança e paz.

Papa Francisco. Mensaje para la Jornada Mundial de Oración por las Vocaciones

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Todos os anos, o Dia Mundial de Oração pelas Vocações convida-nos a considerar o dom precioso do chamado do Senhor a cada um de nós, o seu povo fiel no seu caminho, para que possamos participar no seu desígnio de amor e encarnar a beleza do Evangelho nos vários estados de vida.

Escutar o chamado divino, longe de ser um dever imposto de fora, mesmo em nome de um ideal religioso, é, por outro lado, o caminho mais seguro que temos para alimentar o desejo de felicidade que carregamos dentro de nós. Nossa vida se realiza e atinge sua plenitude quando descobrimos quem somos, quais são nossas qualidades, em que áreas podemos fazê-las frutificar, que caminho podemos seguir para nos tornarmos sinais e instrumentos de amor, acolhimento, beleza e paz, nos contextos em que cada um de nós vive.

Por isso, este Dia é sempre uma bela ocasião para recordar com gratidão diante do Senhor o compromisso fiel, diário e muitas vezes oculto daqueles que abraçaram um chamado que envolve toda a sua vida. Penso em mães e pais que não colocam os próprios interesses em primeiro lugar e não se deixam levar por um estilo superficial, mas que orientam suas vidas, com amor e gratuidade, para o cuidado das relações, abrindo-se ao dom da vida e colocando-se a serviço de seus filhos e de seu crescimento.


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Penso naqueles que realizam o seu trabalho com dedicação e espírito de colaboração; em que se comprometem, em várias áreas e de diferentes formas, a construir um mundo mais justo, uma economia mais solidária, uma política mais equitativa, uma sociedade mais humana; em todos os homens e mulheres de boa vontade que se desgastam para o bem comum.

Penso nas pessoas consagradas, que oferecem a sua vida ao Senhor tanto no silêncio da oração como na acção apostólica, por vezes em lugares de fronteira e exclusão, sem poupar esforços, realizando o seu carisma com criatividade e colocando-o à disposição daqueles que encontram. E penso naqueles que aceitaram o chamado ao sacerdócio ordenado e se dedicam ao anúncio do Evangelho, e oferecem a própria vida, juntamente com o Pão Eucarístico, pelos irmãos, semeando a esperança e mostrando a todos a beleza do Reino de Deus.

Aos jovens, sobretudo aos que se sentem alienados ou desconfiados da Igreja, gostaria de dizer: deixai-vos fascinar por Jesus, pedi-Lhe as vossas preocupações fundamentais. Através das páginas do Evangelho, deixai-vos perturbar pela sua presença, que nos coloca sempre em crise. Ele respeita a nossa liberdade, mais do que ninguém; não é imposta, mas proposta. Abri espaço para Ele e encontrareis felicidade em segui-Lo e, se o pedirdes, em entregar-vos totalmente a Ele.

Uma cidade a caminho

A polifonia dos carismas e das vocações, que a comunidade cristã reconhece e acompanha, ajuda-nos a compreender plenamente a nossa identidade de cristãos. Enquanto Povo de Deus percorre os caminhos do mundo, animado pelo Espírito Santo e inserido como pedras vivas no Corpo de Cristo, cada um de nós se descobre como membro de uma grande família, filho do Pai e irmão e irmã de seus semelhantes. Não somos ilhas fechadas em nós mesmos, mas somos partes do todo. Por isso, o Dia Mundial de Oração pelas Vocações tem a marca da sinodalidade: há muitos carismas e somos chamados a escutar-nos uns aos outros e a caminhar juntos para os descobrir e discernir aquilo a que o Espírito nos chama para o bem de todos.

Além disso, no momento histórico atual, o caminho comum nos conduz ao Ano Jubilar de 2025. Caminhemos como peregrinos de esperança rumo ao Ano Santo, para que, redescobrindo a nossa própria vocação e reunindo os vários dons do Espírito, sejamos portadores e testemunhas no mundo do anseio de Jesus: que formemos uma única família, unida no amor de Deus e sólida no vínculo da caridade, da partilha e da fraternidade.

Este Dia é dedicado à oração para invocar do Pai, em particular, o dom das santas vocações para a edificação do seu Reino: «Rezai ao dono dos campos para que envie trabalhadores para a messe» (Lc 10, 2). E a oração, sabemos, faz-se mais pela escuta do que pelas palavras dirigidas a Deus. O Senhor fala ao nosso coração e quer encontrá-Lo disponível, sincero e generoso. A sua Palavra fez-se carne em Jesus Cristo, que nos revela e nos comunica plenamente a vontade do Pai.

Neste ano de 2024, dedicado precisamente à oração em preparação para o Jubileu, somos chamados a redescobrir o dom inestimável de poder dialogar com o Senhor, de coração em coração, tornando-nos peregrinos de esperança, porque "a oração é a primeira força da esperança. Ao rezardes, a esperança cresce e avança. Eu diria que a oração abre a porta para a esperança. A esperança existe, mas com a minha oração abro-lhe a porta" (Catequese, 20 de maio de 2020).

Peregrinos da Esperança e Construtores da Paz

Mas o que significa ser peregrino? Acima de tudo, aqueles que iniciam uma peregrinação devem ter clareza sobre seu objetivo, que sempre carregam em seus corações e mentes. Mas, ao mesmo tempo, para alcançar esse objetivo, é preciso se concentrar no estágio atual, e para enfrentá-lo é preciso ser leve, livrar-se de fardos inúteis, levar conosco o essencial e lutar todos os dias para que o cansaço, o medo, a incerteza e a escuridão não atrapalhem o caminho iniciado. Desta forma, ser peregrino significa recomeçar todos os dias, recomeçar sempre, recuperar o entusiasmo e a força para percorrer as diferentes etapas do itinerário que, apesar do cansaço e das dificuldades, abrem sempre novos horizontes e panoramas desconhecidos diante de nós.

O sentido da peregrinação cristã é precisamente este: propomo-nos a descobrir o amor de Deus e, ao mesmo tempo, a conhecer-nos a nós mesmos, através de um caminho interior, sempre estimulado pela multiplicidade das relações. Por isso, somos peregrinos porque fomos chamados. Chamados a amar a Deus e a amar-vos uns aos outros. Assim, nossa caminhada nesta terra nunca se resolve em um cansaço sem sentido ou em uma errância sem rumo; Pelo contrário, todos os dias, respondendo ao nosso chamado, tentamos dar os passos possíveis para um mundo novo, onde as pessoas vivam em paz, com justiça e amor. Somos peregrinos de esperança porque tendemos para um futuro melhor e estamos empenhados em construí-lo ao longo do caminho.

Este é, em suma, o propósito de toda vocação: tornar-se homens e mulheres de esperança. Como indivíduos e como comunidade, na variedade de carismas e ministérios, todos somos chamados a "dar corpo e coração" à esperança do Evangelho num mundo marcado por desafios de época: o avanço ameaçador de uma terceira guerra mundial em pedaços; as multidões de migrantes que fogem de suas pátrias em busca de um futuro melhor; o aumento constante do número de pobres; o perigo de comprometer irreversivelmente a saúde do nosso planeta. E a tudo isto juntam-se as dificuldades que diariamente encontramos e que, por vezes, ameaçam deixar-nos em resignação ou desânimo.

Por conseguinte, no nosso tempo, é fundamental que nós, cristãos, cultivemos um olhar cheio de esperança, para que possamos trabalhar frutuosamente, respondendo à vocação que nos foi confiada, ao serviço do Reino de Deus, do Reino do amor, da justiça e da paz. Esta esperança, assegura-nos São Paulo, «não ficará desiludida» (Rm 5, 5), porque é a promessa que o Senhor Jesus nos fez de permanecer sempre connosco e de nos envolver na obra de redenção que Ele quer realizar no coração de cada pessoa e no «coração» da criação. Esta esperança encontra o seu centro impulsionador na Ressurreição de Cristo, que «contém uma força vital que penetrou no mundo. Onde tudo parece ter morrido, os brotos da ressurreição reaparecem por toda parte. É uma força imparável. É verdade que muitas vezes parece que Deus não existe: vemos injustiças, males, indiferença e crueldades que não diminuem. Mas também é verdade que, no meio das trevas, começa sempre a brotar algo novo, que mais cedo ou mais tarde dá frutos" (Evangelii gaudium, 276). Até o apóstolo Paulo afirma que «na esperança» «somos salvos» (Rm 8, 24). A redenção realizada na Páscoa dá esperança, uma esperança segura e segura com a qual podemos enfrentar os desafios do presente.

Ser peregrinos de esperança e construtores de paz significa, pois, fundar a própria existência na rocha da ressurreição de Cristo, sabendo que todo o compromisso assumido, na vocação que abraçamos e levamos adiante, não cai em saco roto. Apesar dos fracassos e contratempos, o bem que semeamos cresce silenciosamente e nada pode nos separar do objetivo final, que é o encontro com Cristo e a alegria de viver em fraternidade entre nós por toda a eternidade. Devemos antecipar todos os dias este último chamado, porque a relação de amor com Deus e com os irmãos começa a realizar o desígnio de Deus, o sonho da unidade, da paz e da fraternidade. Que ninguém se sinta excluído deste chamado! Cada um de nós, dentro das suas possibilidades, no estado específico da vida, pode ser, com a ajuda do Espírito Santo, um semeador de esperança e de paz.

A coragem de se envolver

Por todas estas razões, digo-vos mais uma vez, como fiz durante a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa: "Levantai-vos! "Levante-se!" Despertemos do sono, saiamos da indiferença, abramos as grades da prisão em que tantas vezes nos fechamos, para que cada um de nós descubra a sua vocação na Igreja e no mundo e se torne peregrino da esperança e construtor da paz. Sejamos apaixonados pela vida e nos comprometamos com o cuidado amoroso daqueles que estão ao nosso lado e do ambiente em que vivemos. Repito: tenham coragem de se envolver! O P. Oreste Benzi, apóstolo incansável da caridade, sempre a favor dos mais pequeninos e indefesos, costumava repetir que não há ninguém tão pobre que não tenha nada para dar, nem há alguém tão rico que não precise de algo para receber.

Levantemo-nos, pois, como peregrinos de esperança, para que, como Maria fez com Santa Isabel, também nós possamos trazer notícias de alegria, gerar vida nova e ser artífices da fraternidade e da paz.

Roma, São João de Latrão, 21 de abril de 2024, quarto domingo da Páscoa.