O que é a vocação? Todos temos vocação?

Várias perguntas sobre o discernimento vocacional respondidas com explicações do Catecismo da Igreja Católica, apoiadas com textos de S. Josemaria Escrivá.

A vocação de S. Mateus (Caravaggio).

Sumário:


“O Senhor continua hoje a chamar para O seguir. Não temos de esperar que sejamos perfeitos para dar como resposta o nosso generoso «eis-me aqui», nem assustarmo-nos com as nossas limitações e pecados, mas acolher a voz do Senhor com o coração aberto. Escutá-la, discernir a nossa missão pessoal na Igreja e no mundo e, finalmente, vivê-la no «hoje» que Deus nos concede”. Mensagem do Papa Francisco para o 55º Dia Mundial de Oração pelas Vocações


1. O que é a vocação?

Deus, que criou o homem por amor, também o chamou ao amor, vocação fundamental e inata de todo o ser humano. Porque o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus que é amor.

Desde o seu nascimento, cada pessoa está destinada à bem-aventurança eterna, o Céu. Deus cria cada pessoa com um propósito, uma missão. Essa missão é o que se conhece como vocação. Catecismo da Igreja Católica, 1604, 1703

Meditar com S. Josemaria

Agrada-me falar de caminho, porque somos caminhantes, dirigimo-nos para a casa do Céu, para a nossa Pátria. Mas reparemos que um caminho, mesmo que um ou outro trecho apresente dificuldades especiais, mesmo que alguma vez nos obrigue a passar a vau um rio ou a atravessar um pequeno bosque quase impenetrável, habitualmente é simples, sem surpresas. O perigo é a rotina: supor que nisto, no que temos de fazer em cada instante, não está Deus, porque é tão simples, tão vulgar! Amigos de Deus, 313

Gosto deste lema: "Cada caminhante siga o seu caminho" - aquele que Deus lhe marcou - com fidelidade, com amor, ainda que custe. Sulco, 231

A tua felicidade na Terra identifica-se com a tua fidelidade à fé, à pureza e ao caminho que o Senhor te marcou. Sulco, 84

O amor de Deus é ciumento; não fica satisfeito, se nos apresentarmos com condições no encontro marcado: espera com impaciência que nos entreguemos totalmente, que não guardemos no coração recantos escuros, onde o gozo e a alegria da graça e dos dons sobrenaturais não consigam chegar. Amigos de Deus, 28


2. Todos temos vocação?

Sim, todos fomos criados com um propósito e um fim.

Deus quis para cada um de nós um projeto único e irrepetível, pensado desde toda a eternidade: “Antes que te formasses no ventre materno, Eu te escolhi; antes que saísses do seio materno, Eu te consagrei” (Jeremias 1, 5)

O Catecismo da Igreja Católica fala da vocação à bem-aventurança, isto é, à santidade, à união com Deus que nos faz participar da Sua felicidade e nos ama como um todo e sem condições.

A vocação comum a todos os discípulos de Cristo é a vocação à santidade e à missão de evangelizar o mundo.

Dentro desta vocação comum, Deus convida cada um de nós a percorrer a vida junto d’Ele, por um caminho concreto. Alguns chama-os ao sacerdócio ministerial, a outros à vida religiosa, e a outros, os leigos, chama-os a encontrá-Lo na vida ordinária, quer seja vivendo o celibato ou a vocação matrimonial. Catecismo da Igreja Católica, 1716-1729, 1533

“Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua entrega. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais”. Gaudete et Exsultate, 14

Meditar com S. Josemaria

Repara bem: há muitos homens e mulheres no mundo, e nem a um só deles o Mestre deixa de chamar. Chama-os a uma vida cristã, a uma vida de santidade, a uma vida de eleição, a uma vida eterna. Forja, 13

Ris-te porque te digo que tens "vocação matrimonial"? - Pois é verdade: assim mesmo, vocação.

Pede a São Rafael que te conduza castamente ao termo do caminho, como a Tobias. Caminho, 27

O chamamento do Senhor - a vocação - apresenta-se sempre assim: "Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-Me".

Sim, a vocação exige renúncia, sacrifício. Mas que agradável acaba por ser o sacrifício ("gaudium cum pace", alegria e paz), se a renúncia é completa! Sulco,8

Que bonita é a nossa vocação de cristãos - de filhos de Deus! -, que nos dá na terra a alegria e a paz que o mundo não pode dar! Forja, 269

Viver a caridade significa respeitar a mentalidade dos outros; encher-se de alegria pelo seu caminho para Deus... sem te empenhares em que pensem como tu, em que se unam a ti.

Veio-me à cabeça fazer-te esta consideração: esses caminhos, diferentes, são paralelos; seguindo o seu, cada um chegará a Deus... Não te percas em comparações, nem em desejos de conhecer quem chega mais alto; isso não tem importância; o que interessa é que todos alcancemos o fim. Sulco, 757

Um dia (não quero generalizar; abre o coração ao Senhor e conta-lhe tu a história) talvez um amigo, um cristão normal e corrente como tu, te tenha feito descobrir um panorama profundo e novo e ao mesmo tempo tão antigo como o Evangelho. Sugeriu-te a possibilidade de te empenhares seriamente em seguir Cristo, em ser apóstolo de apóstolos. Talvez tenhas perdido então a tranquilidade e não a terás recuperado, convertida em paz, até que, livremente, "porque muito bem te apeteceu" - que é a razão mais sobrenatural - respondeste a Deus que sim. E veio a alegria, vigorosa, constante, que só desaparece quando te afastas d'Ele. Cristo que Passa, 1.

É muito importante que o sentido vocacional do matrimónio nunca falte, tanto na catequese e na pregação como na consciência daqueles a quem Deus quer levar por esse caminho, porque estão real e verdadeiramente chamados a integrar-se nos desígnios divinos da salvação de todos os homens. Cristo que Passa, 30

A santidade - quando é verdadeira - transborda do recipiente para encher outros corações, outras almas, dessa superabundância.

Nós, os filhos de Deus, santificamo-nos santificando. - Alastra à tua volta a vida cristã? Pensa nisso diariamente. Forja, 856


3. Como saber se Deus me chama a uma vocação específica?

Como se disse anteriormente Deus chama a todos, e a alguns para uma missão específica, pensada pessoalmente para eles. «Cada um pelo seu caminho», diz o Concílio. Por isso, uma pessoa não deve desanimar, quando contempla modelos de santidade que lhe parecem inatingíveis. Há testemunhos que são úteis para nos estimular e motivar, mas não para procurarmos copiá-los, porque isso poderia até afastar-nos do caminho, único e específico, que o Senhor predispôs para nós. Importante é que cada crente discirna o seu próprio caminho e traga à luz o melhor de si mesmo, quanto Deus colocou nele de muito pessoal (cf. 1 Cor 12, 7), e não se esgote procurando imitar algo que não foi pensado para ele.

Todos estamos chamados a ser testemunhas, mas há muitas formas existenciais de testemunho. De facto, quando o grande místico São João da Cruz escrevia o seu Cântico Espiritual, preferia evitar regras fixas para todos, explicando que os seus versos estavam escritos para que cada um os aproveitasse «a seu modo». Porque a vida divina comunica-se «a uns duma maneira e a outros doutra». Gaudete et Exsultate, 11

O contexto no qual uma pessoa pode descobrir a sua vocação é o da oração, isto é, a relação viva e pessoal com Deus. A oração é absolutamente necessária para a vida espiritual. É como a respiração que permite que a vida do espírito se desenvolva. Na oração atualiza-se a Fé na presença de Deus e do seu amor. Fomenta-se a esperança que leva a orientar a vida para Ele e a confiar na sua providência. E engrandece-se o coração ao responder com o próprio amor ao Amor divino.

O nosso modelo é o Senhor. Jesus ora antes dos momentos decisivos da sua missão: antes que o Pai dê testemunho d´Ele no seu Batismo e da sua Transfiguração, e, antes de cumprir com a sua Paixão o desígnio de amor do Pai; Jesus também ora perante os momentos decisivos que comprometerão a missão dos seus apóstolos: antes de escolher e de chamar aos Doze, antes que Pedro o reconheça como “o Cristo de Deus” e para que a fé do príncipe dos apóstolos não desfaleça diante da tentação. A oração de Jesus perante os acontecimentos da salvação que o Pai lhe pede é uma entrega, humilde e confiada, da sua vontade humana à vontade amorosa do Pai.

Com a sua oração, Jesus ensina-nos a rezar, a descobrir a vontade de Deus e a identificarmo-nos com ela. Na oração pode-se discernir a vontade de Deus em cada momento da vida: “Também tu precisas de conceber a totalidade da tua vida como uma missão. Tenta fazê-lo, escutando a Deus na oração e identificando os sinais que Ele te dá. Pede sempre, ao Espírito Santo, o que espera Jesus de ti em cada momento da tua vida e em cada opção que tenhas de tomar, para discernir o lugar que isso ocupa na tua missão. E permite-Lhe plasmar em ti aquele mistério pessoal que possa refletir Jesus Cristo no mundo de hoje”. Gaudete et Exsultate, 23

Além disso, no momento do discernimento vocacional pode ser uma grande ajuda a figura do diretor espiritual, isto é, aquela pessoa em quem podemos confiar e que, através dos seus conselhos, nos ajuda a descobrir a vontade de Deus e a lutar para pô-la em prática.

Catecismo da Igreja Católica, 2558, 2657, 2601- 2622

Meditar com S. Josemaria

Não podemos esconder-nos no anonimato, porque a vida interior, se não for um encontro pessoal com Deus, não existe. A superficialidade não é cristã. Admitir a rotina, na nossa luta ascética, equivale a assinar a certidão de óbito da alma contemplativa. Deus procura-nos um a um, e precisamos de Lhe responder um a um: eis-me aqui, pois Tu me chamaste.

Oração, sabemo-lo todos, é falar com Deus. É possível, porém, que alguém pergunte: falar, de quê? Do que há-de ser, senão das coisas de Deus e das que enchem o nosso dia? Do nascimento de Jesus, do seu caminhar por este mundo, da sua vida oculta e da sua pregação, dos seus milagres, da sua Paixão Redentora, da sua Cruz e da sua Ressurreição... E na presença de Deus, Uno e Trino, tendo por Medianeira Santa Maria e por advogado S. José, Nosso Pai e Senhor - a quem tanto amo e venero - falaremos também do nosso trabalho de todos os dias, da família, das relações de amizade, dos grandes projetos e das pequenas coisas sem importância.

O tema da minha oração é o tema da minha vida. Cristo que Passa, 174

Como nos encanta o episódio da Anunciação! Maria (quantas vezes o meditámos!) está recolhida em oração...; põe os seus cinco sentidos e todas as suas potências em diálogo com Deus... Na oração conhece a Vontade divina; e com a oração torna-a vida da sua vida. Não te esqueças do exemplo da Virgem! Sulco, 481

A oração é a arma mais poderosa do cristão. A oração faz-nos eficazes. A oração faz-nos felizes. A oração dá-nos toda a força necessária para cumprir os mandatos de Deus.

Sim, toda a tua vida pode e deve ser oração! Forja, 439

Mas eu preferia para todos nós a autêntica oração dos filhos de Deus, não o palavreado dos hipócritas que hão-de ouvir de Jesus: nem todo o que me diz, Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus.

Os que são movidos pela hipocrisia podem talvez conseguir o ruído da oração - escrevia Santo Agostinho - mas não a sua voz, porque aí falta vida e há ausência de afã por cumprir a Vontade do Pai. Que o nosso clamor - Senhor! - vá unido ao desejo eficaz de converter em realidade essas moções interiores, que o Espírito Santo desperta na nossa alma. Amigos de Deus, 243

Conhecem muito bem as obrigações do vosso caminho de cristãos, que os hão-de levar sem parar e com calma à santidade; também estão precavidos contra as dificuldades, praticamente contra todas, porque já se vislumbram desde o princípio do caminho. Agora insisto em que se deixem ajudar e guiar por um diretor de almas, a quem confiem todos os entusiasmos santos, os problemas diários que afetarem a vida interior, as derrotas que sofrerem e as vitórias.

Nessa direção espiritual mostrem-se sempre muito sinceros. Amigos de Deus, 15

Convém que conheças esta doutrina segura: o espírito próprio é mau conselheiro, mau piloto, para dirigir a alma nas borrascas e tempestades, por entre os escolhos da vida interior.

Por isso, é vontade de Deus que a direção da nau esteja entregue a um Mestre, para que, com a sua luz e conhecimento, nos conduza a porto seguro. Caminho, 59