A vocação

Do mesmo modo que cada cristão deve ser Igreja e fazer a Igreja, o Opus Dei encontra-se onde estiver um fiel da Obra. Cada um atualiza dia após dia a chamada para viver o Evangelho, transmitindo à sua volta a alegria da vida cristã nas circunstâncias comuns em que está.

O seguinte artigo, publicado no site collationes.org, explica a vocação ao Opus Dei.


O conceito de vocação é de uma riqueza extraordinária. Basta mencionar aqui um dos relatos mais antigos de uma vocação, a de Gedeão (cf. Jz 6, 11-24). Deus escolhe uma pessoa que nunca tinha pensado nessa possibilidade. Gedeão estava a trabalhar normalmente num lagar, limpando o trigo. E ali Deus chama-o: a iniciativa é divina. É sublinhada a presença de Deus: «O Senhor está contigo» (Jz 6, 12). A presença de Deus é acompanhada pela Sua palavra, que faz com que se perceba a sua proximidade e convida a uma missão, a de servir o povo. Uma certa resistência (Porquê? Como? – cf. Jz 6, 13-15) manifesta a consciência de não estar à altura, de carecer das qualidades necessárias. Gedeão pedirá mesmo um sinal, até tomar a sua decisão e encontrará a paz, pelo que depois erigiu um altar e chamou-lhe: «O Senhor é Paz» (Jz 6, 24).

O Antigo Testamento narra muitas correspondências à chamada do Senhor: Abraão (cf. Ne 9, 7), Samuel (cf. 1Sm 3, 1-10), David (cf. 1Sm 16, 1-13), Eliseu (cf. 1Rs 19, 19-21), e até um “pagão”, o rei Ciro (cf. 2Cr 36, 22-23). No Novo Testamento, a Virgem Maria (cf. Lc 1, 26-38), os Apóstolos (cf. Mt 4, 18-22; 9, 9; Jo 1, 35-51), S. Paulo (cf. At 9, 19). A ideia de vocação está unida à da aliança de Deus com os homens.

No caso de Gedeão, Deus envia-lhe um anjo, como ocorrerá também com a Virgem Maria. No entanto, não é o habitual. Normalmente, são as mediações humanas que permitem ouvir a chamada divina, que responde a algo que está profundamente enraizado no coração do homem pois, como dizia o Papa Francisco, a pergunta “quem quero ser?” significa também para um cristão: “quem estou chamado a ser?”[1].

De algum modo, a revelação da vocação é uma revelação sobre o próprio ser: mostra-nos o que somos e para onde vamos.

Em qualquer caso, a vocação nasce sempre do amor gratuito de Deus, como sucedeu com o povo eleito (cf. Dt 4, 37). A escolha de Deus é acompanhada pela sua chamada a não ter medo, pois Deus protege o seu eleito (cf. Is 41, 8-20; Lc 1, 30). Jesus Cristo diz aos seus discípulos: «Não fostes vós que me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça. O que, então, pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá» (Jo 15, 16): vocação e missão são inseparáveis, sempre no âmbito de uma grande confiança no nosso Pai Deus.

S. Josemaria insistia na primazia da escolha divina. «'Elegit nos in ipso ante mundo constitutionem, ut essemus sancti et immaculati in conspectu eius' (Ef 1, 4). Escolheu-nos o Senhor a cada um de nós para sermos santos na sua presença. E isso, antes da criação do mundo, desde toda a eternidade: esta é a providência maravilhosa do nosso Pai Deus»[2]. A chamada ao Opus Dei é uma chamada dentro da vocação batismal à santidade e ao apostolado. É uma autêntica vocação, que engloba uma forte atração pessoal subjetiva pela Obra, a perceção de que Deus chama – a luz – e, ao mesmo tempo, certas qualidades objetivas de idoneidade, com o parecer da autoridade da Prelatura sobre esse conjunto, parecer esse iluminado pela graça de Deus e pela prudência necessária.

Em qualquer caso, Deus conta sempre com a liberdade para responder à sua chamada. A resposta que espera é uma resposta de amor, e não há amor sem liberdade. O atual Prelado do Opus Dei comentava numa entrevista, uns anos antes da sua nomeação pelo Papa Francisco como sucessor de D. Javier Echevarría, sendo então Vigário Geral da Prelatura: «É lógico pensar que Deus não se manifesta com total evidência por amor à nossa liberdade. A resposta humana à vocação não se reduz à mera aceitação de um desígnio divino, que se apresenta de modo sempre inequívoco e evidente; penso que a livre resposta à vocação é de certo modo constitutiva da própria vocação. Entra aqui o mistério da relação entre a nossa temporalidade e a eternidade de Deus»[3].

Quando Deus dá a sua graça, não anula a liberdade, mas eleva-a. A nossa liberdade de espírito, a nossa liberdade interior cresce com a fé. E precisamente, o Opus Dei «não só respeita a liberdade» dos seus membros, «mas faz com que tomem clara consciência dela. Para conseguirem a perfeição cristã na respetiva profissão ou ofício (...) necessitam adquirir uma formação que lhes permita administrar a sua liberdade»[4].

Também Santa Maria, a cheia de graça, depois de ouvir o “não temas” do arcanjo, foi mais livre para cumprir a vontade de Deus: «Para ser a Mãe do Salvador, Maria foi enriquecida por Deus com dons dignos para tamanha função»[5]. O anjo Gabriel, no momento da anunciação saúda-a como «cheia de graça» (Lc 1, 28). «Efetivamente, para poder dar o assentimento livre da sua fé ao anúncio da sua vocação era preciso que Ela estivesse totalmente sob a moção da graça de Deus»[6]. A liberdade da Virgem Maria está iluminada pela verdade e leva-a ao pleno cumprimento da sua vocação, isto é, ao seu verdadeiro bem. Quanto mais progride no seu caminho, quanto mais se compromete, mais livre é. De certo modo, a vocação é uma aventura: vamos aonde o Senhor nos conduz, com plena liberdade e espírito de serviço: primeiro a aventura de assumir o próprio eu. E descobrimos horizontes insuspeitados. Foi assim para S. José, de quem a Igreja celebra a obediência cheia de fé e rápida. «Para S. José, a vida de Jesus foi uma contínua descoberta da sua própria vocação»[7].

A vocação cristã, e dentro dela, para o Opus Dei, abarca toda a vida e dá-lhe o seu sentido

A vocação é uma chamada de Deus que abarca toda a vida, implica a consciência de um compromisso e dá-lhe o seu sentido de missão. A vocação para o Opus Dei é uma concretização da chamada batismal à santidade e ao apostolado, chamada evangélica proclamada de novo com particular força pelo Concílio Vaticano II[8]. Muitas pessoas foram batizadas ainda muito pequenas, como a Igreja recomenda seguindo uma tradição imemorial[9]. Este sacramento é «a porta» da Igreja, diz o Papa Francisco[10]. Ao mesmo tempo, há um momento na vida em que uma pessoa já pode agir livremente e, por assim dizer, assumir esse dom de Deus que é a fé. Um momento importante costuma ser o da Confirmação, no qual recebe o Espírito Santo de um modo novo[11].

Ao responder à sua vocação para o Opus Dei, o fiel cristão ratifica a chamada batismal à santidade: leva a sério essa chamada para procurar vivê-la de acordo com o espírito do Opus Dei, amando Deus e os outros, como filho de Deus em Cristo, com esse amor com que o Espírito Santo enche a alma, e isso na vida habitual, no trabalho profissional, em qualquer momento do dia a dia. Como dizia S. Josemaria, «não tiramos ninguém do seu lugar: aí, nessas circunstâncias em que o Senhor o chamou, é onde cada um deverá santificar-se e santificar o seu ambiente, a parcela humana à qual está vinculado, pela qual se justifica a sua existência no mundo. Também nisto temos os mesmos sentimentos dos primeiros cristãos»[12].

«A incorporação ao Opus Dei é fruto de uma resposta livre a uma chamada de Deus; não de uma mera decisão pessoal que, ao advertir algo bom, tende a torná-lo próprio, a inscrever-se, mas de uma decisão madura, pensada, que surge de se saber chamado por Deus. Embora sendo peculiar, essa vocação não transforma a pessoa que a recebe em alguém diferente de um comum fiel cristão ou, se for o caso, de um sacerdote secular. S. Josemaria afirmou a existência de uma vocação peculiar para o Opus Dei, com expressões diretas e claras. Não se referia simplesmente ao caráter vocacional de uma dedicação concreta a uma obra boa, no sentido de que toda a vida divina é vocação, mas a uma chamada que é ao mesmo tempo peculiar, resultante de uma radical iniciativa divina anterior à própria liberdade. S. Josemaria viu, com luz fundacional, no caso do Opus Dei, esta primeira característica da determinação de empreender este caminho, por vontade de Deus e resposta livre da pessoa interessada; e assim foi confirmado pelo parecer da Igreja»[13].

A radicalidade da vida cristã pode ser vivida de diversos modos. O caminho que o Opus Dei propõe pede uma decisão firme de seguir Nosso Senhor, dando a Deus a primazia em tudo. É exigente e, ao mesmo tempo, dá a segurança de saber para onde se vai: «Todos os sucessos e acontecimentos passam a ocupar o seu verdadeiro lugar: entendemos para onde o Senhor nos quer conduzir, e sentimo-nos entusiasmados e envolvidos por esse encargo que se nos confia»[14]. A vocação cristã, assumida pessoalmente, amplia os horizontes pessoais, porque uma vocação para a santidade é inseparável de uma verdadeira preocupação pelos outros e pela sociedade. O panorama muda quando se olha do alto de um monte: «Com a nossa vocação, é como se te tivessem subido do fundo de um vale ao cume de uma montanha [...]. Não fiques no fundo do vale, nessa tarefa concreta em que te ocupas. Sobe às montanhas altas pelos lados, para adquirires visão de conjunto»[15].

A vocação traduz-se num sentido vocacional da existência. Tudo o que se faz entra no âmbito da chamada de Deus e adquire vibração de eternidade. A grande vocação para a santidade alarga o horizonte de cada dia. Na nossa época, na sociedade de consumo que encontramos em muitos ambientes, a busca do prazer imediato empequenece o horizonte e, portanto, a esperança: muitas pessoas vivem num estado de des-esperança. Pelo contrário, a esperança de santidade, atualizada pela consciência de uma chamada pessoal, engrandece o homem e a mulher.

Poderíamos dizer que cada pessoa tem uma vocação única, que só conhecerá plenamente no fim da sua vida. Esta vocação constrói-se no tempo, como obra de Deus e resposta livre do homem[16].

A vocação para o Opus Dei é única: é a mesma para todos os membros

«Os que se incorporam à Prelatura pessoal do Opus Dei são fiéis leigos – homens e mulheres, solteiros, casados ou viúvos – que têm todos, com diversas modalidades, a mesma vocação: a vocação batismal, com a chamada de Deus para vivê-la como membros do Opus Dei»[17].

A vocação para o Opus Dei é única: cada um a vive de acordo com as suas circunstâncias pessoais. O importante é responder que sim a Deus, com um santo abandono nas suas mãos, como Jesus nos ensinou com a sua vida, por exemplo na sua oração do Getsémani (cf. Mt 26, 39), e ao convidar-nos a rezar assim: «fiat voluntas tua sicut in caelo et in terra, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu» (Mt 6, 10).

Cumprir a vontade de Deus faz experimentar mais vivamente o que dizia Sto. Agostinho: «Senhor, fizestes-nos para Vós; e inquieto está o nosso coração, enquanto não repouse em vós, Senhor»[18], uma oração retomada pela Liturgia das horas: «Fecistis nos ad te; et inquiétum est cor nostrum donec requiéscat in te»[19].

Pertencem ao Opus Dei pessoas muito variadas: homens e mulheres, sacerdotes e leigos, solteiros, casados e viúvos, sãos e doentes, de profissões e situações sociais muito diversas. Todos recebem o mesmo alimento espiritual, e crescem na vida cristã com os meios de todos os cristãos, a Palavra de Deus, a oração que responde a essa Palavra, e os sacramentos: especialmente a Eucaristia, que é muito mais que um meio, é o ápice da vida cristã, e a confissão sacramental. Todos recebem o mesmo alimento espiritual, adaptado a cada um. A mesma vocação adapta-se a todos os temperamentos, aos diversos modos de ser e de estar no mundo.

«No Opus Dei não há mais do que uma doutrina para todos: uma única panela. Cada um, segundo a sua necessidade, tira da panela comum o que precisa, mas a substância, o alimento, é sempre o mesmo»[20]. Esse alimento é o ensinamento da Igreja e o espírito do Opus Dei. Há fiéis numerários, agregados e supranumerários. Não há diferentes classes ou categorias de fiéis, mas diferentes circunstâncias nas quais todos encarnam o mesmo espírito. «O fim do Opus Dei, como consequência da missão que deve realizar, não é algo limitado nem circunscrito dentro da Igreja, mas sim universal. Não se dirige a um setor social, mas às multidões humanas, sem limite de sexo, raça, idade, ofício, posição social, ou estado civil; sem distinção de ideologias nem de partidos políticos. Trata-se de contribuir para reavivar em todos esses homens e mulheres a graça batismal e a da Confirmação, pondo-a em relação com o trabalho profissional e com as outras realidades humanas. Dito de outro modo: o fim da sua peculiar tarefa apostólica é conseguir – até onde for possível – que estas realidades ‘civis’ da vida apareçam, na consciência de cada cristão e no seu trabalho quotidiano, como o ‘lugar’ da ‘obediência à fé’ ou, o que é a mesma coisa, como o lugar onde devemos responder à chamada de Deus para a santidade»[21].

Os Estatutos da Prelatura do Opus Dei referem-se a diversas modalidades de pertença à Prelatura: «De acordo com a disponibilidade habitual de cada um para ocupar-se de tarefas de formação, assim como de determinadas iniciativas apostólicas do Opus Dei, os fiéis da Prelatura, homens ou mulheres, chamam-se numerários, agregados ou supranumerários, sem formarem, contudo, classes diversas. Esta disponibilidade depende das variadas circunstâncias permanentes de cada um, pessoais, familiares, profissionais ou outras análogas»[22].

Comenta Mons. Fernando Ocáriz: «Chamam-se numerários (ou numerárias) aqueles fiéis que, em celibato apostólico, têm uma máxima disponibilidade pessoal para os trabalhos apostólicos peculiares da Prelatura; podem residir na sede dos Centros da Prelatura, para se ocuparem desses trabalhos apostólicos e da formação dos outros membros do Opus Dei»[23].

«Chamam-se agregados (ou agregadas) os fiéis que, em celibato apostólico, devem atender necessidades, concretas e permanentes, de carácter pessoal, familiar ou profissional, que os levam, ordinariamente, a viver com a própria família e determinam a sua dedicação às tarefas apostólicas ou de formação no Opus Dei»[24].

«Chamam-se supranumerários (ou supranumerárias) os fiéis da Prelatura – casados ou solteiros, mas em qualquer dos casos sem compromisso de celibato – que, com a mesma vocação divina que os outros, participam plenamente no apostolado do Opus Dei, com a disponibilidade, pelo que se refere às atividades apostólicas, que é compatível com o cumprimento das suas obrigações familiares, profissionais e sociais»[25].

S. Josemaria dizia aos supranumerários: «Aqueles de vós que foram chamados ao Opus Dei como supranumerários têm uma vocação idêntica à minha. No Opus Dei não há senão uma vocação, que não nos faz mudar de estado»[26].

Não há, portanto, entre supranumerários (supranumerárias), agregados (agregadas) e numerários (numerárias) graus de vinculação ao Opus Dei ou de maior ou menor compromisso cristão. Com efeito é muito importante deixar bem claro que esta diversidade de disponibilidades para tarefas concretas pressupõe uma peculiar identidade de vocação em todos os fiéis do Opus Dei, «porque – qualquer que seja o estado civil da pessoa – é plena a sua dedicação ao trabalho e ao cumprimento fiel dos seus próprios deveres de estado, de acordo com o espírito do Opus Dei»[27]. «O primeiro dos números que os Estatutos dedicam a falar dos fiéis da Prelatura recalca repetidas vezes e com força esta realidade: todos os que se incorporam na Prelatura fazem-no “movidos pela mesma vocação divina[28], de maneira que – insiste – ‘todos se propõem o mesmo fim apostólico, vivem um único espírito e idêntica praxe ascética’»[29].

Comenta Mons. Ocáriz: «Estamos diante duma questão capital, que foi reiterada inumeráveis vezes pelo Fundador, que exclui qualquer terminologia (por exemplo, as expressões ‘classes de membros’ ou ‘categorias de membros’), que pudesse evocar, ainda que fosse de longe, a ideia de uma rutura na unidade de vocação. É precisamente em e através da própria situação no mundo que todos e cada um dos membros do Opus Dei realizam a missão cristã de difundir o chamamento universal à santidade e de ajudar os outros a segui-lo na vida concreta. Uma mesma espiritualidade, uma idêntica missão, um mesmo caráter definitivo e omnicompreensivo da existência pessoal configuram uma plena identidade de vocação peculiar em todas as dimensões, desde a plena chamada à santidade e ao apostolado até à realização dessa chamada no contexto da secularidade»[30].

A unidade de vocação não uniformiza todas e todos num mesmo molde. Cada um tem o seu itinerário, dentro do amplo caminho do Opus Dei. Deus chama, e o importante será o que Ele acabará: para que o que começou de Deus termine graças a Ele: «a Te semper incipiat et per te coepta finiatur»[31]. «Dentro desta grande estrada, larga, que é o espírito do Opus Dei, cada um tem o seu próprio caminho pessoal, que deve percorrer facilitando generosamente a ação do Espírito Santo na sua alma. Ninguém pode pretender que os outros sigam os seus próprios passos: cada um anda a seu modo. O importante é ter o coração em Deus, totalmente e sem condições, não sair da estrada e pôr empenho em ir para a frente»[32].

Sacerdotes

A substância do Opus Dei é a substância da Igreja. O Opus Dei é uma prelatura pessoal: fiéis que pertencem a diversas dioceses regidos e atendidos pastoralmente por um Prelado com a ajuda de um presbitério. Não é apenas o facto de que haja sacerdotes e leigos no Opus Dei. Na realidade, o sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial encontram-se na Prelatura formando um organismo de fiéis que exercem o seu sacerdócio comum sustentado pelo sacerdócio ministerial.

O sacerdócio ministerial dos clérigos e o sacerdócio comum dos leigos unem-se intimamente, exigem-se reciprocamente e complementam-se para conseguir, em unidade de vocação e de regime, o fim que a Prelatura se propõe[33]. Tem uma estrutura eclesial que é a de “ordo-plebs”: Ordem ministerial-povo, quer dizer: Prelado-presbitério-povo.

O presbitério não é um grupo de sacerdotes associados para uma tarefa. Os sacerdotes estão incardinados ao serviço da Prelatura, como colaboradores do Prelado, tal como o ensina a eclesiologia do Concílio Vaticano II[34].

Os sacerdotes incardinados na Prelatura (numerários; agregados, também chamados coadjutores) procedem dos fiéis leigos da mesma, e não formam uma classe de membros distinta[35]. Para fazer a Igreja fazendo o Opus Dei, são precisos sacerdotes e leigos[36].

A Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz é uma associação de clérigos intrinsecamente unida à Prelatura do Opus Dei[37]. Tem por finalidade fomentar a santidade dos sacerdotes seculares no exercício do seu ministério a serviço da Igreja, segundo o espírito e a praxis ascética do Opus Dei. É formada pelos sacerdotes incardinados na Prelatura e por outros presbíteros incardinados nas suas respetivas Igrejas particulares. Em 2017, contava com uns quatro mil sócios. O seu presidente é o Prelado do Opus Dei.

Os clérigos das dioceses que se adscrevem à Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz continuam incardinados na sua própria Igreja particular: só dependem do seu bispo – nihil sine Episcopo, nada sem o Bispo, expressão de Sto. Inácio de Antioquia, que S. Josemaria recordava com frequência – e não estão de forma alguma sob a jurisdição do Prelado do Opus Dei. Ao responder à sua vocação para o Opus Dei, o sacerdote ratifica a chamada batismal à santidade, no seu caso através do exercício do sacerdócio ministerial. A ajuda espiritual que a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz proporciona dirige-se a melhorar a vida interior dos sócios, estimular a sua fidelidade no desempenho dos seus deveres sacerdotais e a fomentar a união de cada um com o seu próprio bispo e a fraternidade com os demais presbíteros[38]. Os meios de formação que os sócios recebem são análogos aos que se oferecem aos fiéis leigos da Prelatura, tendo em conta as dimensões específicas da formação sacerdotal[39] e complementam, sem se sobrepor, as disposições sobre a formação permanente que o bispo der para o presbitério da sua diocese. Assim, os sócios podem receber direção espiritual pessoal, aulas doutrinais ou ascéticas, retiros, etc., organizados de modo que não interfiram com o seu ministério.

O Opus Dei são as pessoas

Do mesmo modo que cada cristão deve ser Igreja e fazer a Igreja, o Opus Dei encontra-se onde estiver um fiel da Obra. Cada um atualiza dia após dia a chamada para viver o Evangelho, transmitindo à sua volta a alegria da vida cristã nas circunstâncias comuns em que está.

A Obra somos todos e é de todos: cada um é responsável por levá-la avante. A responsabilidade por fazer crescer o Opus Dei incumbe a todos os seus fiéis, primeiro com o esforço por cumprir bem as suas obrigações de cristãos. «A vocação divina confere-nos uma missão, convida-nos a participar na tarefa única da Igreja, para sermos assim testemunhas de Cristo perante os nossos iguais, os homens, e levarmos todas as coisas para Deus. A vocação acende uma luz que nos faz reconhecer o sentido da nossa existência. É convencermo-nos, sob o resplendor da fé, do porquê da nossa realidade terrena. A nossa vida – a presente, a passada e a que há de vir – ganha um novo relevo, uma profundidade de que antes não suspeitávamos. Todos os sucessos e acontecimentos passam a ocupar o seu verdadeiro lugar: entendemos para onde o Senhor nos quer conduzir, e sentimo-nos entusiasmados e envolvidos por esse encargo que se nos confia»[40].

A vocação dá uma grande segurança, a de estar nas mãos de Deus. Dá alegria saber o que Deus espera de nós, e poder realizar isso. As coisas nunca saem exatamente como se desejava, mas «quando te abandonares de verdade no Senhor, aprenderás a contentar-se com o que vier e a não perder a serenidade se as tarefas – apensar de teres posto todo o teu empenho e utilizado os meios oportunos – não correm a teu gosto... Porque terão “corrido” como convém a Deus que corram»[41].

Com a luz do dia 2 de outubro de 1928, S. Josemaria fala dos 30 anos «de vida oculta» de Jesus como de um «resplendor que ilumina os nossos dias»: o carpinteiro, filho de Maria, «era Deus; e estava realizando a redenção do género humano; e estava a atrair a Si todas as coisas (Jo 12, 32)»[42]. Essa força de Cristo é a que continua a atrair no mundo inteiro tantas pessoas para o Opus Dei: muitas, as que Deus quer, uma a uma. Vocação e missão estão unidas. Quando Jesus Cristo começa a sua vida pública e entra na sinagoga de Nazaré, manifesta essa unidade de vocação e missão ao ler uma passagem do livro de Isaías que aplica a Si mesmo: «O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque me ungiu [vocação]; e me enviou [missão] para anunciar a boa nova aos pobres» (Lc 4, 18). «Quando se saboreia o amor de Deus, sente-se o peso das almas. Não se pode dissociar a vida interior do apostolado, como não é possível separar em Cristo o seu ser de Deus-Homem da sua função de Redentor»[43]. Pelo contrário, o apostolado, a nossa relação de caridade com os demais, forja-nos. O Papa Francisco insistiu na identidade do cristão como discípulo-missionário: «Em virtude do Batismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo missionário (cf. Mt 28, 19)»[44].

Não se brilha com luz própria, mas com a da única fonte que é a glória de Deus, o Seu amor cheio de misericórdia. «Não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos» (At 4, 20). Como? «Meus filhos, estai certos de que somos omnipotentes se temos a caridade de Deus. Quereríamos inflamar a todos no amor divino, colocá-los no coração de Jesus Cristo, tendo nós carinho e compreensão com todas as almas. É preciso rezar, meus filhos! É preciso amá-los! Ninguém deve aproximar-se do Opus Dei e ir embora de mãos vazias. Que sintam o atrativo de serem estimados, compreendidos, de que se busca o melhor para eles»[45]. E prosseguia S. Josemaria: «Mas não podeis ficar por aí. Não podeis ficar satisfeitos, quando já levastes alguns parentes ou amigos a um retiro espiritual, ou quando os pusestes em contacto com algum sacerdote da Obra. Não acaba aí o vosso trabalho apostólico. Porque é preciso também que vos apercebais de que fazeis um apostolado fecundíssimo, ao esforçar-vos por orientar com sentido cristão as profissões, as instituições e estruturas humanas, em que trabalhais e estais»[46].

Numa das suas primeiras cartas pastorais, Mons. Fernando Ocáriz, Prelado do Opus Dei, escreveu: «Liberdade e vocação: eis duas dimensões essenciais da vida humana, que se reclamam uma à outra. Somos livres para amar a um Deus que chama, a um Deus que é amor e que põe em nós o amor para amá-l'O e amar aos demais»[47]. Liberdade para fazer ver a chamada de Deus, liberdade para responder, pois, como ensina o Papa Francisco, «não podemos correr o risco de nos opormos à plena liberdade do amor com o qual Deus entra na vida de cada pessoa»[48].

S. Josemaria via a vocação para o Opus Dei como um beijo na testa. Por isso, dizia, «para mim, a vossa cabeça reluz como um luzeiro»[49]. E acrescentava: «São essas grandes estrelas que cintilam de noite, lá em cima, nas alturas, no céu azulado e escuro, como grandes diamantes de uma claridade fabulosa. É assim clara a vossa vocação: a de cada um e a minha. Eu, que sou muito miserável e ofendi muito a Nosso Senhor, que não soube corresponder e fui um covarde, tenho que agradecer a Deus nunca ter duvidado da minha vocação, nem da divindade da minha vocação. Também não deveis duvidar. Se não, não estaríeis aqui. Agradecei-o ao Senhor»[50].

O Magnificat da Virgem Maria manifesta essa fé e essa dilatação do coração que procura a vocação vivida em profundidade. Um amor, que é obra do Amor divino, enche a alma de assombro, juventude esperançosa e agradecimento.


Bibliografia complementar

  • Diccionario de San Josemaría, Monte Carmelo, Burgos 2013, “Vocación” (Cormac Burke), 1287-1294.
  • Ernst Burkhart – Javier López Díaz, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de san Josemaría. Estudio de teología espiritual, Vol. I, Rialp, Madrid 2010, Parte preliminar, “Marco histórico y teológico de la enseñanza de san Josemaría”, 33-239.
  • José Luis Illanes, Tratado de teología espiritual, EUNSA, Pamplona 2007, Parte II, VII. La vocación, elemento configurador de la existencia cristiana, 155-187.

[1] cf. Francisco, Mensagem de preparação para a JMJ de Cracóvia, 15/08/2015.

[2] S. Josemaria, El talento de hablar (abril de 1972), em En diálogo con el Señor.

[3] Fernando Ocáriz, Sobre Dios, la Iglesia y el mundo, Rafael Serrano entrevista al Vicario general del Opus Dei, Rialp, Madrid 2013, Cap. IX “Llamadas”, n. 123.

[4] S. Josemaria, Entrevistas a S. Josemaria, n. 53.

[5] cf. Concílio Vaticano II, Lumen gentium, n. 56. Citado no Catecismo da Igreja Católica, n. 490.

[6] Catecismo da Igreja Católica, n. 490.

[7] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 54.

[8] cf. Concílio Vaticano II, Lumen gentium, n. 11, Par. 3.

[9] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1252. Código de Direito Canónico, Can. 867 – Par. 1.

[10] Francisco, Evangelii gaudium, n. 47.

[11] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1285.

[12] S. Josemaria, Carta de 09/01/1959, n. 12.

[13] Fernando Ocáriz, Sobre Dios, la Iglesia y el mundo, cit., 128; cf. S. João Paulo II, Const. Ap. Ut sit, 28/11/1982.

[14] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 45.

[15]S. Josemaria, Meditação de 02/12/1951, cit. en Es Cristo que pasa, en Obras completas I/4, Ed. Critico-histórica (preparada por Antonio Aranda), Rialp, Madrid 2013, com. do Par. 10e, 191.

[16] Para aprofundar, veja-se Fernando Ocáriz, Sobre Dios, la Iglesia y el mundo, cit., Cap. IX “Llamadas”, 121-142.

[17] Pedro Rodríguez, Opus Dei: estructura y misión. Su realidad eclesiológica, Ediciones Cristiandad, Madrid 2011, 99.

[18] Sto. Agostinho, Confissões, I, 1.

[19] Liturgia horarum, Ant. Ad Benedictus, 28 Augusti, San Augustini Episcopi et Ecclesiae Doctoris.

[20] S. Josemaria, Textos para la meditación, (AGP, biblioteca, P10, 1996, p. 633).

[21] Pedro Rodríguez, Opus Dei: estructura y misión. Su realidad eclesiológica, Ediciones Cristiandad, Madrid 2011, 75.

[22] Trad. de Statuta ou Codex iuris particulares Operis Dei (trata-se dos estatutos que a Santa Sé deu ao Opus Dei), 7 Par.1, cit. en Fernando Ocáriz, La vocación al Opus Dei como vocación en la Iglesia, en Pedro Rodriguez – Fernando Ocáriz – José Luis Illanes, El Opus Dei en la Iglesia. Una introducción eclesiológica a la vida y el apostolado del Opus Dei, Rialp, Madrid 1993, 185.

[23] Fernando Ocáriz, "A vocação ao Opus Dei como vocação na Igreja", do livro O Opus Dei na Igreja, editado pela editora Rei dos Livros (Lisboa), p. 179-185; cf. Statuta, n. 8-10.

[24] Ibid.; cf. Statuta, n. 10.

[25] Ibid., n. 186; cf. Statuta, n. 11.

[26] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 25/05/1947 (AGP, biblioteca, PO4, 1974, vol. I, p. 81.

[27] S. Josemaria, Carta de 25/01/1961, n. 11.

[28] Statuta, 6.

[29] Fernando Ocáriz, "A vocação ao Opus Dei como vocação na Igreja", do livro O Opus Dei na Igreja, editado por Rei dos Livros (Lisboa), p. 179-185. «Pode assinalar-se, além disso, e o facto continua a estar relacionado com a unidade de vocação, que o carisma do celibato constitui, nos numerários e agregados do Opus Dei, – como em todo o homem ou mulher que recebe esse carisma –, uma dimensão integrante da vocação pessoal, sem ser uma dimensão peculiar, da vocação ao Opus Dei. Não se trata, obviamente, de que Deus “primeiro” chame ao celibato e “depois” ao Opus Dei (a vocação pessoal é única), mas de que Deus chama ao Opus Dei tanto pessoas em celibato como em matrimónio; e tanto num caso como no outro trata-se de dimensões vocacionais, como para os demais cristãos».

[30] Fernando Ocáriz, "A vocação ao Opus Dei como vocação na Igreja", do livro O Opus Dei na Igreja", editado pela editora Rei dos Livros (Lisboa), pg. 179-185.

[31] Preces Operis Dei; cf. antiga oração do Missal romano, por exemplo em Jacques-Paul Migne, Encyclopédie theologique: Dictionnaire alfabético-méthodique des cérémonies, Tome 15, Paris 1846, 1043.

[32] S. Josemaria, Textos para la meditación, (AGP, biblioteca, P10, 1996, p. 70).

[33] cf. Statuta, 1, Par. 1.

[34] cf. Concílio Vaticano II, Lumen gentium, n. 28 e Presbyterorum ordinis, n. 2.

[35] cf. S. Josemaria, Carta de 28/03/1955, n. 42; Trad. «Pelas características próprias da nossa Obra, a maior parte de vós nunca será chamado ao sacerdócio. E os que o forem, ordenam-se com plena liberdade, porque querem, como ficou evidente no que escrevi antes: este é o espírito da Obra, o que sempre vivemos: porque onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade: ubi autem Spiritus Domini, ibi libertas (2Co 3, 17)».

[36] cf. S. Josemaria, Carta de 02/02/1945, n. 22; Trad.: «Que os sacerdotes da Obra vão às Ordens Sagradas com uma liberdade completa, embora a vocação seja passiva; que saibam que são totalmente livres, que podem voltar atrás até um momento antes de receber o subdiaconado. Se então algum vê que lhe faltam as forças e dá um passo atrás, faz muito bem. Não desagrada a Deus Nosso Senhor que não sejais sacerdotes e, por outro lado, fazem falta muitos leigos, santos e doutos; e todos os numerários, leigos e sacerdotes, recebem a mesma formação espiritual e teológica. No entanto, precisa-se de um mínimo de sacerdotes no Opus Dei. Por isso, todos temos que amar muito o sacerdócio, e os meus filhos que vão ser sacerdotes, devem fomentar na sua alma um grande desejo de sê-lo». Quando S. Josemaria escreveu essas linhas, no rito católico latino existia o subdiaconado que se recebia antes do diaconado.

[37] O Concílio Vaticano II exortou a promoção de associações que pudessem prestar uma adequada ajuda fraterna aos sacerdotes (cf. Presbyterorum Ordinis, n. 9); como regista o Código de Direito Canónico (c. 278, Par.2), tem-se «em grande apreço sobretudo aquelas associações que (...) fomentam a busca da santidade no exercício do ministério e contribuem para a união dos clérigos entre si e com o seu próprio bispo».

[38] cf. S. Josemaria, Entrevistas a S. Josemaria.

[39] cf. Concílio Vaticano II, Presbyterorum Ordinis, n. 9; João Paulo II, Pastores dabo vobis, n. 70-81; Congregação para o Clero, Diretório para o ministério e vida dos presbíteros, 11/02/2013.

[40] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 45.

[41] S. Josemaria, Sulco, n. 860.

[42] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 14.

[43] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 122; cf. n. 106.

[44] Francisco, Evangelii gaudium, n. 120; ver também n. 19, 51, 92.

[45] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 18/10/1960 (AGP, biblioteca, PO7, 1982, vol. V, p. 131).

[46] S. Josemaria, Carta de 09/01/1959, n. 17.

[47] Fernando Ocáriz, Carta pastoral de 14/02/2017, n. 9.

[48] Francisco, Misericordia et misera, n. 2.

[49] S. Josemaria, Los caminos de Dios, em En diálogo con el Señor.

[50] Ibid.

Guillaume Derville