Meditações: Quarta-feira Santa

Reflexão para meditar na Quarta-feira Santa. Os temas propostos são: Judas foi um apóstolo escolhido por Jesus; a misericórdia divina é maior do que a nossa fraqueza; uma esperança que nos leva a voltar a Deus.

- Judas foi um apóstolo escolhido por Jesus

- A misericórdia divina é maior do que a nossa fraqueza

- Uma esperança que nos leva a voltar a Deus


“UM DOS DOZE discípulos, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os sumos sacerdotes e disse: ‘O que me dareis se vos entregar Jesus?’ Combinaram, então, trinta moedas de prata. E daí em diante, Judas procurava uma oportunidade para entregar Jesus” (Mt 16, 14-16). Tradicionalmente, na Quarta-feira Santa, a Igreja lembra a traição de Judas. Que distantes ficam na alma deste apóstolo, que se preparava para trair Jesus, os primeiros encontros com o homem que ele havia considerado o Messias! Judas Iscariotes também tinha sido escolhido pessoalmente por Cristo. Poderia ter sido tão feliz quanto os outros junto de Jesus e se tornado um dos pilares da Igreja. Contudo, escolheu vender, pelo preço de um escravo, a pessoa que lhe dava tudo. E Deus não quis que a Sagrada Escritura silenciasse esta realidade.

O trágico desenlace ocorre na Última Ceia, quando Jesus é invadido pela angústia da paixão que se aproxima e o sofrimento do abandono das pessoas a quem ama. “Em verdade eu vos digo, um de vós vai me trair” (Mt 16,21). Os outros onze apóstolos, com a experiência de sua rudeza e uma grande confiança nas palavras de Cristo, exclamam com surpresa: “‘Senhor, será que sou eu?’ Jesus respondeu: ‘Quem vai me trair é aquele que comigo põe a mão no prato. O Filho do Homem vai morrer, conforme diz a Escritura a respeito dele. Contudo, ai daquele que trair o Filho do Homem! Seria melhor que nunca tivesse nascido!’ Então Judas, o traidor, perguntou: ‘Mestre, serei eu?’ Jesus lhe respondeu: ‘Tu o dizes’” (Mt 16, 22-25).

Não sabemos se Judas olhou nos olhos de Jesus alguma vez. Teria visto que neles não havia amargura nem raiva. Cristo, seu amigo, ainda olhava para ele com a mesma esperança com que o havia chamado anos antes para ser apóstolo, para estar com Ele. “O que podemos fazer vendo Deus que nos serviu até experimentar a traição e o abandono? Podemos não trair aquilo para que fomos criados, nem abandonar o que conta. Estamos no mundo, para amar a Ele e aos outros: o resto passa, isto permanece”[1].


A TRAIÇÃO de Judas não foi, entretanto, uma loucura momentânea, mas provavelmente foi consequência de uma sequência de desafetos. No Evangelho segundo São João encontramos um episódio significativo: a crítica, poucos dias antes da Páscoa, ao desperdício de Maria de Betânia ao ungir Jesus com perfume. Judas ousa criticar indiretamente, com uma razão altruísta, o comportamento daquela mulher, mas “Judas falou assim – explica a Escritura–, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão; ele tomava conta da bolsa comum e roubava o que se depositava nela” (Jo 12,6).

No entanto, nem essa ofensa, nem qualquer fraqueza são fortes o suficiente para vencer um Deus que chama cada pessoa constantemente e que sempre espera o nosso regresso. São Josemaria considerava o modo de ser de Deus, tão cheio de misericórdia, a nossa verdadeira armadura: “Todos temos misérias. Mas as nossas misérias não nos deverão levar nunca a esquivar-nos do chamado de Deus, mas a acolher-nos a esse chamado, a entrar dentro dessa bondade divina, como os antigos guerreiros entravam dentro da sua armadura”[2].

Santo Agostinho nos recomenda uma atitude humilde, de petição constante diante do Senhor, como a melhor maneira de enfrentar esta nossa fragilidade. Referindo-se concretamente a Judas Iscariotes, diz: “se rezasse por Cristo, pediria perdão; se pedisse perdão, teria esperança; se tivesse esperança, esperaria misericórdia”[3] e não teria terminado como a Escritura refere (cfr. Mt 27,5). O Senhor não queria a perdição de Judas, assim como não quer a de ninguém. Até mesmo em sua prisão, tenta fazê-lo despertar, chamando-o de “amigo” e aceitando o beijo do discípulo. Talvez Cristo, mesmo já na cruz, estivesse esperando a volta do seu apóstolo para perdoá-lo, como fez com o ladrão arrependido.


PEDRO TAMBÉM, naquela noite de traições, nega três vezes o Senhor. O Apóstolo que deveria ser o fundamento da Igreja chorou o seu pecado com lágrimas de amor; Judas, por sua vez, não teve a humildade de voltar ao Senhor para reconhecer seu pecado. Pedro manteve a esperança firme, enquanto Judas a perdeu, não confiando na misericórdia do Senhor.

Comentando esta passagem do Evangelho, São Josemaria dizia: “Vejam se não é grande a virtude da esperança! Judas reconheceu a santidade de Cristo, estava arrependido do crime que tinha cometido, tanto que pegou no dinheiro, preço da sua traição, e o lançou na cara daqueles que lhe tinham dado como prêmio pela sua traição. Mas... faltou-lhe a esperança, que é a virtude necessária para voltar a Deus. Se tivesse tido esperança, teria podido ser ainda um grande Apóstolo. De qualquer forma, não sabemos o que aconteceu no coração daquele homem, nem se correspondeu à graça de Deus no último momento. Só o Senhor sabe o que aconteceu naquele coração, nos seus últimos instantes. De maneira que não desconfiem nunca, não desesperam nunca, mesmo que tenham feito a maior tolice. Só é preciso falar, arrepender-se, deixar-se levar pela mão, e tudo se conserta”[4].

É algo que podemos aprender do Evangelho de hoje: não importa que nossas ofensas sejam grandes, a misericórdia de Deus é sempre maior. Tudo tem remédio se voltarmos para o Senhor e abrirmos os nossos corações à graça, para que Cristo possa curar as nossas feridas. “O medo e a vergonha, que nos impedem de ser sinceros, são os maiores inimigos da perseverança. Somos de barro; mas se falarmos, o barro adquire a força do bronze”[5]. Essa força é a que a humildade de São Pedro, a rocha da Igreja, alcançou; e é o que pedimos a Jesus através de Maria, sua mãe, e também nossa mãe.


[1] Francisco, Homilia, 5 de abril de 2020.

[2] São Josemaria, Cartas 2, n. 47a.

[3] Santo Agostinho, Comentário ao Salmo 108, no. 9.

[4] São Josemaria, Notas sobre a pregação, 8 de dezembro de 1968.

[5] São Josemaria, Cartas 2, n. 41a.