Vida de Maria (19): Dormição e Assunção

“O Céu tem um coração”, dizia o Papa Bento XVI, o da Virgem Maria, que foi levada em corpo e alma para junto do seu Filho para sempre.

Os últimos anos de Maria na terra – os que passaram desde o dia de Pentecostes até a Assunção – ficaram envolvidos numa neblina tão densa que não é possível entrevê-los e menos ainda penetrar neles. A Sagrada Escritura cala, e da Tradição recebemos apenas ecos longínquos e incertos. A sua vida transcorreu calada e laboriosa: como uma fonte oculta que dá aroma às flores e sabor aos frutos. A liturgia, com palavras da Sagrada Escritura a chama de Hortus conclusus, fons signatus (Ct 4, 12): jardim fechado, fonte selada. E também: fonte de água viva, riacho que corre do Líbano (Ct 4,15). Assim como quando estava junto de Jesus, passou despercebida, velando pela Igreja nascente.

É certo que, sem dúvida, viveu junto de São João, já que tinha sido confiada aos seus cuidados filiais. E São João, nos anos seguintes ao Pentecostes, morou habitualmente em Jerusalém: o encontramos ali sempre ao lado de São Pedro. Na época da viagem de São Paulo, na véspera do Concílio de Jerusalém, ao redor do ano 50, o discípulo amado aparece entre as colunas da Igreja. Se Maria ainda estivesse ao seu lado, deveria ter ao redor de 70 anos, como afirmam algumas tradições: a idade que a Sagrada Escritura considera a da plena maturidade humana.

Mas o lugar de Maria estava no Céu. Onde o seu Filho a esperava. E assim, num dia desconhecido para nós, Jesus levou-a consigo à glória celestial. Ao declarar o dogma da Assunção de Maria, em 1950, o Papa Pio XII não quis resolver se Nossa Senhora morreu e imediatamente depois ressuscitou, ou se foi diretamente ao Céu sem passar pelo momento da morte. Atualmente, como nos primeiros séculos, a maioria dos teólogos pensa que ela também morreu, mas – da mesma forma que Cristo – a sua morte não foi um tributo ao pecado – ela era a Imaculada! – mas para ficar mais parecida a Jesus. E assim, desde o século VI, o Oriente começou a celebrar a festa da Dormição de Nossa Senhora: um modo de expressar que foi uma passagem mais parecida ao sonho que à morte. Deixou esta terra – como dizem alguns santos – transportada pelo amor.

Os escritos dos Padres e autores sagrados, principalmente a partir dos séculos IV e V, oferecem detalhes sobre a Dormição e Assunção de Nossa Senhora baseados em alguns relatos do século II. De acordo com estas tradições, quando Maria estava prestes a abandonar este mundo, todos os Apóstolos – exceto São Tiago maior, que já tinha sido martirizado, e Tomé, que estava na Índia – se reuniram em Jerusalém para acompanha-la nos seus últimos momentos. E numa tarde branca e serena fecharam os seus olhos e depositaram o seu corpo num sepulcro. Poucos dias depois, quando São Tomé, que chegou atrasado, insistiu em ver o corpo da Virgem Maria. Encontraram a sepultura vazia, enquanto ouviam cânticos celestiais.

À margem dos elementos de verdade destes relatos, o que é verdade é que a Virgem Maria, por um privilégio especial de Deus Onipotente, não experimentou a corrupção: o seu corpo, glorificado pela Santíssima Trindade, foi unido à alma, e Maria foi assunta ao Céu, onde reina viva e gloriosa, junto de Jesus, para glorificar a Deus e interceder por nós. Foi o que o Papa Pio XII definiu como dogma de fé.

A pesar do silêncio da Escritura, uma passagem do livro do Apocalipse deixa entrever essse final glorioso de Nossa Senhora. Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas (Ap 12,1). O magistério vê nesta cena, não só uma descrição do triunfo final da Igreja, mas também uma afirmação da vitória de Maria (tipo e figura da Igreja) sobre a morte. É como se o discípulo que tinha cuidado de Nossa Senhora até a sua ida ao Céu, tivesse querido deixar constância – de modo delicado e silencioso – deste fato histórico e de salvação que o povo cristão, inspirado pelo Espírito Santo, reconheceu e venerou desde os primeiros séculos.

E nós, animados pela liturgia da Missa da véspera desta festa, aclamamos a Nossa Senhora com estas palavras: gloriosa dicta sunt de te, Maria, quæ hodie exaltata es super choros angelorum: grandes coisas se dizem de Vós, ó Virgem Santa Maria, que hoje fostes exaltada sobre os coros dos Anjos e triunfais com Cristo para sempre.

J.A. Loarte