Laudato Si' e trabalhar por amor

Artigo escrito pelo Prelado do Opus Dei no 40º aniversário da morte de São Josemaria. Publicado na Folha de São Paulo.

A nova encíclica do papa Francisco vincula-se às páginas iniciais da Sagrada Escritura: "Deus formou o ser humano –homem e mulher– e o colocou no jardim do Éden, para o cultivar e guardar", (Gênesis 2, 15). "Depois apresentou todos os animais ao homem, para ver como os chamaria" (Gênesis 2, 19).

Foi um ato de amor por parte de Deus, um modo de exprimir a sua confiança em cada ser humano, a quem encomendou a tarefa de desenvolver as potencialidades que Ele mesmo pusera nas criaturas.

Cada um de nós é guardião e protetor da criação. Como o papa recorda, Deus colocou o ser humano nesse jardim não só para que ele cuidasse do que já existia, mas para que produzisse fruto por meio da sua tarefa de lavoura, do seu trabalho.

Se a humanidade se esforça em acolher o desígnio criador, tarefas nobres podem se transformar em instrumento para o progresso do mundo e para a dignificação da pessoa.

Tudo depende de que se procure trabalhar com perfeição, com o desejo de servir os outros, por amor a Deus e ao próximo. Certamente outras motivações intervêm, como a necessidade de sustentar-se e de sustentar a própria família, o empenho generoso em ajudar as pessoas necessitadas, o desejo de adquirir a perfeição numa atividade concreta. Mas a chamada do papa recorda-nos que a meta é ainda mais elevada: colaborar, de certo modo, com Deus na redenção da humanidade.

Justamente nesta sexta-feira (26) relembra-se o 40º aniversário de morte de são Josemaria Escrivá, esse santo sacerdote –fundador do Opus Dei– que proclamou ao mundo inteiro o valor evangélico do trabalho realizado por amor. Sou testemunha de como, até o fim de sua vida terrena, são Josemaria Escrivá procurou viver pessoalmente o que pregava sobre o trabalho.

"O grande privilégio do homem é poder amar, transcendendo assim o efêmero e o transitório", escreveu no livro "É Cristo que Passa".

Por isso –acrescentava–, "o homem não se deve limitar a fazer coisas, a construir objetos. O trabalho nasce do amor, manifesta o amor, orienta-se para o amor. [...] O trabalho é assim oração, ação de graças, porque nos sabemos colocados na terra por Deus, amados por Ele, herdeiros de suas promessas".

Segundo a orientação que se dê ao trabalho, ele tem a capacidade de destruir ou de conferir dignidade às pessoas, de cuidar ou de desfigurar a natureza, de prestar ou de omitir o serviço devido ao próximo.

Quem sofre o desemprego e experimenta a angústia da falta de recursos econômicos compreende bem o valor dignificante do trabalho. Por esse motivo, as pessoas que estão desempregadas são uma lembrança constante nas orações e nas preocupações do cristão.

Como afirma o papa, ajudar os pobres ou os desempregados com dinheiro "deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências". Na verdade, o grande objetivo "deveria ser sempre proporcionar-lhes uma vida digna através do trabalho" (Laudato si', 128).

Do mesmo modo, a encíclica recorda-nos que "renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade" (ibidem).

Bento 16 definiu o cristão como "um coração que vê". No trabalho, sem dúvida, a eficácia econômica é um critério, mas não o único: o cristão põe o coração no seu trabalho porque assim o fez Cristo, e empenha-se em fazer dessa dedicação um serviço aos outros, o que também é louvor ao Criador.

Só o trabalho entendido como serviço, o trabalho que põe o ser humano no centro, o trabalho realizado por amor a Deus, é capaz de abrir horizontes para a felicidade terrena e eterna das mulheres e dos homens do nosso tempo.

DOM JAVIER ECHEVARRÍA, 83, doutor em direito civil e em direito canônico, é o bispo prelado do Opus Dei

Jornal Folha de São Paulo no dia 26/06/15