9. A Encarnação

É a demonstração por excelência do Amor de Deus para com os homens, pois a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade – Deus – faz-se participante da natureza humana na unidade da pessoa.

1. A obra da Encarnação

A assunção da natureza humana de Cristo pela Pessoa do Verbo é obra das três Pessoas divinas. A Encarnação de Deus é a Encarnação do Filho, não do Pai, nem do Espírito Santo. Não obstante, a Encarnação foi obra de toda a Trindade. Por isso, na Sagrada Escritura, às vezes se atribui a Deus Pai (Hb 10, 5; Ga 4, 4), ou ao próprio Filho (Flp 2, 7), ou ao Espírito Santo (Lc 1, 35; Mt 1, 20). Fica assim enfatizado que a obra da Encarnação foi um ato único, comum às três Pessoas divinas. Santo Agostinho explicava que “o fato de que Maria concebesse e desse à luz é obra da Trindade, uma vez que as obras da Trindade são inseparáveis”[1]. Trata-se, com efeito, de uma ação divina ad extra, cujos efeitos estão fora de Deus, nas criaturas, pois são obra das três Pessoas conjuntamente, já que o Ser divino é uno e único, que é o próprio poder infinito de Deus (cf. Catecismo, 258).

A Encarnação do Verbo não afeta a liberdade divina, pois Deus podia ter decidido que o Verbo não se encarnasse, ou que se encarnasse outra Pessoa divina. Porém, dizer que Deus é infinitamente livre não significa que suas decisões sejam arbitrárias, nem negar que o amor seja a razão do seu agir. Por isso, os teólogos costumam buscar as razões de conveniência que se podem vislumbrar nas diversas decisões divinas, tal como se manifestam na atual economia da salvação. Eles procuram, somente, salientar a maravilhosa sabedoria e coerência que existem em toda obra divina, não uma eventual necessidade em Deus.

2. A Virgem Maria, Mãe de Deus

A Virgem Maria foi predestinada para ser a Mãe de Deus, desde toda a eternidade, juntamente com a Encarnação do Verbo: “no mistério de Cristo, Maria está presente já ‘antes da criação do mundo’ como aquela que o Pai ‘escolheu’ para Mãe de seu Filho na Encarnação, e, junto com o Pai, escolheu-a o Filho, confiando-a eternamente ao Espírito de santidade”[2]. A escolha divina respeita a liberdade de Santa Maria, pois “O Pai das misericórdias que a Encarnação fosse precedida pela aceitação daquela que era predestinada a ser Mãe de seu Filho, para que, assim como uma mulher contribuiu para a morte, uma mulher também contribuísse para a vida (LG 56; cf. 61)” (Catecismo, 488). Por isso, desde muito tempo, os Padres da Igreja viram em Maria a Nova Eva.

“Para ser a Mãe do Salvador, Maria ‘foi enriquecida por Deus com dons dignos para tamanha função’ (LG 56)” (Catecismo, 490). O Arcanjo São Gabriel, no momento da Anunciação, saúda-a como “cheia de graça” (Lc 1, 28). Antes que o Verbo se encarnasse, Maria já era, por sua correspondência aos dons divinos, cheia de graça. A graça recebida por Maria torna-a grata a Deus e a prepara para ser a Mãe virginal do Salvador. Totalmente possuída pela graça de Deus, pôde dar o seu livre consentimento ao anúncio da sua vocação (cf. Catecismo, 490). Assim, “dando o seu consentimento à palavra de Deus, Maria tornou-se Mãe de Jesus. E abraçando de todo o coração, sem que nenhum pecado a retivesse, a vontade divina de salvação, entregou-se ela mesma totalmente à pessoa e à obra do seu Filho para servir, na dependência d'Ele e com Ele, pela graça de Deus, ao mistério da redenção (cf. LG 56)” (Catecismo, 494). Os Padres orientais costumam chamar a Mãe de Deus de ‘a Toda Santa’ e “celebram-na como ‘imune de toda a mancha de pecado, tendo sido plasmada pelo Espirito Santo, e formada como uma nova criatura’ (LG 56). Pela graça de Deus, Maria permaneceu pura de todo o pecado pessoal ao longo de toda a sua vida” (Catecismo, 493).

Maria foi redimida desde sua concepção: “é o que confessa o dogma da Imaculada Conceição, procla­mado em 1854 pelo Papa Pio IX: ‘A beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano foi preservada imune de toda mancha do pecado original’ (DS 2803)” (Catecismo, 491). A Imaculada Conceição manifesta o amor gratuito de Deus, pois foi iniciativa divina e não mérito de Maria, mas de Cristo. Com efeito, “Esta ‘santidade resplandecente, absolutamente única’ da qual Maria é ‘enriquecida desde o primeiro instante de sua conceição’ (LG 56), vem-lhe totalmente de Cristo: ‘em vista dos méritos de seu Filho, foi redimida de um modo mais sublime’ (LG 53)” (Catecismo, 492).

Santa Maria é Mãe de Deus: “Com efeito, Aquele que Ela concebeu como homem por obra do Espírito Santo, e que Se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne, não é outro senão o Filho eterno do Pai, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é, verdadeiramente, Mãe de Deus (‘Theotokos’) (cf. DS 252)” (Catecismo, 495). Certamente não gerou a divindade, mas o corpo humano do Verbo, ao qual se uniu imediatamente a sua alma racional, criada por Deus como todas as demais, dando assim origem à natureza humana, que nesse mesmo instante foi assumida pelo Verbo.

Maria foi sempre Virgem. Desde os primeiros tempos, a Igreja confessa no Credo e celebra em sua liturgia “Maria como a (...) ‘sempre-virgem’ (cf. LG 52)” (Catecismo, 499; cf. Catecismo, 496-507). Esta fé da Igreja se reflete na antiquíssima formula: “Virgem antes do parto, durante o parto e após o parto”. Desde os inícios, “a Igreja confessou que Jesus foi concebido unicamente pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, afirmando igualmente o aspecto corporal deste acontecimento: Jesus foi concebido ‘absque semine, [...] ex Spiritu Sancto – do Espírito Santo, sem sémen [de homem]’ (Concílio de Latrão, ano 649; DS 503)” (Catecismo, 496). Maria foi também virgem durante o parto, pois “deu-o à luz sem detrimento de sua virgindade, como, sem perder sua virgindade, o havia concebido (...). Jesus Cristo nasceu de um seio virginal com um nascimento admirável”[3]. Com efeito, “o nascimento de Cristo, ‘não lhe diminuiu, mas sagrou a integridade virginal’ de sua mãe (LG 57)” (Catecismo, 499). Maria permaneceu perpetuamente virgem depois do parto. Os Padres da Igreja, em suas explicações aos Evangelhos e em suas respostas às diversas objeções, afirmaram sempre esta realidade, que manifesta sua total disponibilidade e a entrega absoluta ao desígnio salvífico de Deus. Assim o resumia São Basílio quando escreveu que “os que amam a Cristo não admitem escutar que a Mãe de Deus tenha deixado de ser virgem em algum momento”[4].

Maria foi elevada ao Céu. “A Virgem Imaculada, preservada livre de toda mancha de pecado original, terminado o curso de sua vida terrena, foi elevada à glória do céu e elevada ao trono pelo Senhor como Rainha do universo, para ser conformada mais plenamente ao seu Filho, Senhor dos Senhores e vencedor do pecado e da morte”[5]. A Assunção da Santíssima Virgem constitui uma antecipação da ressurreição dos demais cristãos (cf. Catecismo, 966). A realeza de Maria se fundamenta em sua maternidade divina e em sua associação à obra da Redenção[6]. No dia 1 de novembro de 1954, Pio XII instituiu a festa de Santa Maria Rainha[7].

Maria é a Mãe do Redentor. Por isso, a sua maternidade divina comporta também a sua cooperação na salvação dos homens: “Maria, filha de Adão, aceitando a palavra divina tornou-se Mãe de Jesus, e abraçando a vontade salvífica de Deus com o coração generoso e sem impedimento de pecado algum, consagrou-se totalmente a si mesma, qual escrava do Senhor, à pessoa e à obra de seu Filho, servindo ao mistério da Redenção, com Ele e sob Ele, pela graça de Deus onipotente. Com razão, pois, os Santos Padres estimam Maria, não como um mero instrumento passivo, mas como uma cooperadora da salvação humana pela livre fé e obediência”[8]. Esta cooperação se manifesta também em sua maternidade espiritual. Maria, nova Eva, é verdadeira mãe dos homens na ordem da graça, pois coopera com o nascimento da vida da graça e com o desenvolvimento espiritual dos fiéis: Maria “colaborou de maneira totalmente singular na obra do Salvador por sua fé, esperança e ardente amor, para restabelecer a vida sobrenatural dos homens. Por esta razão é nossa Mãe na ordem da graça”[9]. (cf. Catecismo, 968). Maria é também medianeira e sua mediação materna, subordinada sempre à única mediação de Cristo, começou com o fiat da Anunciação e perdura no céu, já que “com sua assunção aos céus, não abandonou sua missão salvadora, mas continua alcançando-nos com sua múltipla intercessão, os dons da salvação eterna... Por isso a Santíssima Virgem Maria é invocada na Igreja com os títulos de Advogada, Auxiliadora, Socorro, Medianeira”[10] (cf. Catecismo, 969).

Maria é tipo e modelo da Igreja: “a Virgem Maria é para a Igreja o modelo da fé e da caridade. Com isso, ela é ‘membro supereminente e absolutamente único da Igreja’ (LG 53), sendo até a ‘a realização exemplar’ (typus) da Igreja (LG 63)” (Catecismo, 967). Paulo VI, no dia 21 de novembro de 1964, declarou solenemente Maria Mãe da Igreja, para assinalar de modo explícito a função maternal que a Virgem exerce sobre o povo cristão[11].

À vista do que expusemos, é possível compreender que a piedade da Igreja em relação à Santíssima Virgem seja um elemento intrínseco do culto cristão[12]. A Santíssima Virgem “é honrada com razão pela Igreja com um culto especial. E, com efeito, desde os tempos mais antigos, Ela é venerada com o título de ‘Mãe de Deus’, sob cuja proteção se acolhem os fiéis suplicantes, em todos os perigos e necessidades... Este culto...ainda que de todo singular, é essencialmente diferente do culto de adoração que se presta ao Verbo encarnado e igualmente ao Pai e ao Espírito Santo, mas o favorece poderosamente”[13]. O culto a Santa Maria “encontra a sua expressão nas festas litúrgicas dedicadas à Mãe de Deus (cf. SC 103) na oração mariana, como o Santo Rosário, ‘resumo de todo o Evangelho’” (Catecismo 971).

3. Figuras e profecias da Encarnação

Vimos no tema anterior como, após o pecado de nossos primeiros pais, Adão e Eva, Deus não abandonou o homem, mas prometeu-lhe um Salvador (cf. Gn 3, 15; Catecismo, 410).

Após o pecado original e a promessa do Redentor, o próprio Deus voltou a tomar a iniciativa, e estabeleceu uma Aliança com os homens: com Noé, após o dilúvio (cf. Gn 9-10) e depois, sobretudo com Abraão (cf. Gn 15-17), a quem prometeu uma grande descendência e fazer dela um grande povo dando-lhe uma nova terra, e em quem um dia seriam abençoadas todas as nações. A Aliança foi renovada depois com Isaac (cf. Gn 26, 2-5) e com Jacó (cf. Gn 28, 12-15; 35, 9-12). No Antigo Testamento, a Aliança atinge sua expressão mais completa com Moisés (cf. Ex 6, 2-8; Ex 19-34).

Momento importante na história das relações entre Deus e Israel foi a profecia de Natã (cf. 2 S 7, 7-15), que anuncia que o Messias será da descendência de Davi e que reinará sobre todos os povos, não apenas sobre Israel. Do Messias se dirá em outros textos proféticos que seu nascimento teria lugar em Belém (cf. Mi 5, 1); que pertenceria à estirpe de Davi (cf. Is 11, 1; Jr 23, 5); que receberia o nome de “Emanuel”, isto é, Deus conosco (Is 7, 14); que se chamará “Deus forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Is 9, 5) etc. Além destes textos que descrevem o Messias como rei e descendente de Davi, há outros que relatam, também de modo profético, a missão redentora do Messias, chamando-o Servo de Javé, servo de dores, que assumirá em seu corpo a reconciliação e a paz (cf. Ef 2,14-18): Is 42, 1-7; 49, 1-9; 50, 4-9; 52, 13-53, 12. Neste contexto, é importante o texto de Dn 7, 13-14 sobre o Filho do homem, que, misteriosamente, através da humildade e o rebaixamento, supera a condição humana e restaura o reino messiânico em sua fase definitiva (cf. Catecismo, 440).

As principais figuras do Redentor no Antigo Testamento são: o inocente Abel, o sumo sacerdote Melquisedec, o sacrifício de Isaac, José vendido por seus irmãos, o cordeiro pascal, a serpente de bronze levantada por Moisés no deserto e o profeta Jonas.

4. Os nomes de Cristo

São muitos os nomes e títulos atribuídos a Cristo por teólogos e autores espirituais ao longo dos séculos. Uns são emprestados do Antigo Testamento, outros do Novo. Alguns são usados e aceitos pelo próprio Jesus; outros lhe foram aplicados pela Igreja do decorrer dos séculos. Veremos aqui os mais importantes e mais conhecidos.

Jesus (cf. Catecismo 430-435), que em hebreu significa ‘Deus salva’: “No momento da Anunciação, o anjo Gabriel dá-Lhe como nome próprio o nome de Jesus, que exprime ao mesmo tempo sua identidade e missão” (Catecismo, 430), isto é, Ele é o Filho de Deus feito homem para salvar ‘o seu povo de seus pecados’ (Mt 1, 21). “O nome de Jesus significa que o próprio nome de Deus está presente na pessoa do seu Filho (cf. At 5, 41; 3 Jo 7) feito homem para a redenção universal e definitiva dos pecados. É o único nome divino que traz a salvação (cf. Jo 3, 18; At 2, 21) e a partir de agora pode ser invocado por todos, pois Se uniu a todos os homens pela Encarnação” (Catecismo, 432). O nome de Jesus está no coração da oração cristã (cf. Catecismo, 435).

Cristo (cf. Catecismo, 436-440), que vem da tradução grega do termo hebraico ‘Messias’, que quer dizer ‘ungido’. Só se torna o nome próprio de Jesus “porque este leva à perfeição a missão divina que significa. Com efeito, em Israel eram ungidos em nome de Deus os que Lhe eram consagrados para uma missão vinda dele” (Catecismo, 436). Este era o caso dos sacerdotes, dos reis, e excepcionalmente dos profetas. Este devia ser, por excelência, o caso do Messias, que Deus enviaria para instaurar definitivamente se Reino. Jesus cumpriu a esperança messiânica de Israel em sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei (cf. ibid.). Jesus “aceitou o título de Messias ao qual tinha direito (cf. Jo 4, 25-26; 11, 27), mas com reserva, pois este era entendido por uma parte de seus contemporâneos segundo uma concepção demasiadamente humana (cf. Mt 22, 41-46), essencialmente político (cf. Jo 6, 15; Lc 24, 21)” (Catecismo, 439).

Jesus Cristo é o Unigênito de Deus, o Filho único de Deus (cf. Catecismo, 441-445). A filiação de Jesus em relação a seu Pai não é uma filiação adotiva como a nossa, mas a filiação divina natural, isto é, “a relação única e eterna de Jesus Cristo com Deus, seu Pai: Ele é o Filho único do Pai (cf. Jo 1, 14.18; 3, 16.18) e o próprio Deus (cf. Jo 1, 1). Crer que Jesus Cristo é o Filho de Deus é necessário para ser cristão (cf. At 8, 37; 1 Jo 2, 23)” (Catecismo, 454). “Os evangelhos narram em dois momentos solenes - o Batismo e a Transfiguração de Cristo - a voz do Pai a designá-lo como seu ‘filho muito-amado’ (Mt 3, 17; 17, 5). Jesus designa-Se a Si mesmo como ‘o Filho único de Deus’ (Jo 3, 16) e afirma com este título a sua preexistência eterna” (Catecismo, 444).

Senhor (cf. Catecismo, 446-451): “Na versão grega dos Livros do Antigo Testamento, o nome inefável com o qual Deus Se revelou a Moisés (cf. Ex 3, 14), YHWH, é traduzido por ‘ Kyrios’ (‘Senhor’). Senhor torna-se desde então, o nome mais habitual para designar a própria divindade do Deus de Israel. É neste sentido forte que o Novo Testamento utiliza o título ‘Senhor’ para o Pai, e também – e aí é que está a novidade – para Jesus, assim reconhecido como o próprio Deus (1 Co 2, 8)” (Catecismo, 446). “Ao atribuir a Jesus o título divino de Senhor, as primeiras confissões de fé da Igreja afirmam, desde o início, (cf. At 2, 34-36) que o poder, a honra e a glória, devidos a Deus Pai cabem também a Jesus (cf. Rm 9, 5; Tt 2, 13; Ap 5, 13) por ser Ele ‘de condição divina’ (Fl 2, 6) e ter o Pai manifestado esta soberania de Jesus ressuscitando-O dos mortos e exaltando-O em sua glória (cf. Rm 10, 9; 1 Co 12, 3; Fl 2, 11)” (Catecismo, 449). A oração cristã, litúrgica ou pessoal, está marcada pelo título 'Senhor' (cf. Catecismo, 451).

5. Cristo é o único Mediador perfeito entre Deus e os homens. É Mestre, Sacerdote e Rei

“Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, na unidade da sua Pessoa Divina: por isso Ele é o único mediador entre Deus e os homens” (Catecismo, 480). A expressão mais profunda do Novo Testamento sobre a mediação de Cristo se encontra na primeira carta a Timóteo: “Há um só Deus e há um só mediador entre Deus e os homens: Cristo Jesus, o homem que se entregou como resgate por todos” (1 Tm 2, 5-6). Aparecem aqui a pessoa do Mediador e a ação do Mediador. E na carta aos hebreus, Cristo é apresentado como o mediador de uma Nova Aliança (cf. Hb 8, 6; 9, 15; 12, 24). Jesus Cristo é mediador porque é perfeito Deus e perfeito homem, mas é mediador em sua humanidade e por sua humanidade. Esses textos do Novo Testamento apresentam Cristo como profeta e revelador, como sumo sacerdote e como Senhor de toda a criação. Não se trata de três ministérios distintos, mas de três aspectos diversos da função salvífica do único mediador.

Cristo é o profeta anunciado no Deuteronômio (18, 18). As pessoas considerava Jesus um profeta (cf. Mt 16, 14; Mc 6, 14-16; Lc 24, 19). O próprio início da carta aos hebreus é paradigmático em relação a isso. Mas Cristo é mais que profeta: Ele é o Mestre, isto é, aquele que ensina com autoridade própria, com uma autoridade até então desconhecida, que surpreendia àqueles que o escutavam. O caráter supremo dos ensinamentos de Cristo fundamenta-se no fato de que é Deus e homem. Jesus não só ensina a verdade, mas também que Ele é a Verdade, tornada visível na carne. Cristo, Verbo eterno do Pai, “é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai. Nele o Pai disse tudo, e não há outra palavra senão esta” (Catecismo, 65). O ensinamento de Cristo é definitivo, também no sentido de que, com ela, a Revelação de Deus aos homens na história teve sua última manifestação.

Cristo é sacerdote. A mediação de Jesus Cristo é uma mediação sacerdotal. Na carta aos hebreus, que tem como tema central o sacerdócio de Cristo, Jesus Cristo é apresentado como o Sumo Sacerdote da Nova Aliança, “único Sumo Sacerdote, segundo a ordem de Melquisedec” (Hb 5,10; 6,20), “santo, inocente, imaculado” (Hb 7, 26), “que, ‘mediante uma só oblação levou à perfeição, e para sempre, os que Ele santifica’ (Hb 10, 14), isto é, pelo único sacrifício de sua cruz” (Catecismo, 1544). Do mesmo modo que o sacrifício de Cristo – sua morte na cruz – é único, pela unidade que existe entre o sacerdote e a vítima – de valor infinito -, assim também seu sacerdócio é único. Ele é a única vítima e o único sacerdote. Os sacrifícios do Antigo Testamento eram figuras de Cristo e recebiam seu valor precisamente por sua ordenação ao de Cristo. O sacerdócio de Cristo, sacerdócio eterno, é participado pelo sacerdócio ministerial e pelo sacerdócio dos fiéis, que nem se somam, nem sucedem ao de Cristo (cf. Catecismo, 1544-1547).

Cristo é Rei. Não é somente enquanto Deus, mas também enquanto homem. A soberania de Cristo é um aspecto fundamental de sua mediação salvífica. Cristo salva porque tem o poder efetivo para fazê-lo. A fé da Igreja afirma a realeza de Cristo e professa no Credo que “seu reino não terá fim”, repetindo assim o que o arcanjo Gabriel disse a Maria (cf. Lc 1, 32-33). A dignidade real de Cristo já havia sido anunciada no Antigo Testamento (cf. Sal 2, 6; Is 7, 6; 11. 1-9; Dn 7, 14). Cristo, entretanto, não falou muito de sua realeza, pois entre os judeus de seu tempo estava muito difundida uma concepção material e terrena do reino Messiânico. Reconheceu-a num momento particularmente solene, quando, respondendo a uma pergunta de Pilatos, disse: “Sim, tu o dizes. Eu sou Rei” (Jo, 18, 37). A realeza de Cristo não é metafórica, é real e comporta o poder de legislar e de julgar. É uma realeza que se fundamenta no fato de que é o Verbo encarnado e em que é nosso Redentor[14]. Seu reino é espiritual e eterno. É um reino de santidade e de justiça, de amor, de verdade e de paz[15]. “Cristo exerce sua realeza atraindo para si todos os homens por sua morte e Ressurreição (cf. Jo, 12, 32). Cristo, Rei e Senhor do universo, fez-se servidor de todos, pois ‘não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida como resgate pela multidão (Mt 20, 28)’” (Catecismo, 786).

Todo o povo de Deus “participa dessas três funções de Cristo e assume as responsabilidades de missão e de serviço que daí decorrem” (Catecismo, 783).

6. Toda a vida de Cristo é redentora

No que se refere à vida de Cristo, “o Símbolo da Fé apenas fala dos mistérios da Encarnação (Conceição e Nascimento) e da Páscoa (Paixão, Crucifixão, Morte, Sepultamento, Descida aos Infernos, Ressurreição, Ascensão). Não diz nada, explicitamente dos mistérios da vida oculta e pública de Jesus. Mas os artigos da fé referentes à Encarnação e à Páscoa de Jesus iluminam toda a vida terrestre de Cristo” (Catecismo, 512).

Toda a vida de Cristo é redentora e qualquer ato humano seu possui um valor transcendente de salvação. Inclusive nos atos mais simples e aparentemente menos importantes de Jesus há um eficaz exercício de sua mediação entre Deus e os homens, pois são sempre ações do Verbo encarnado. Esta doutrina foi entendida com especial profundidade por São Josemaria, que ensinou a transformar todos os caminhos da terra em caminhos divinos de santificação: “chega a plenitude dos tempos e, para levar a cabo essa missão (...) nasce um Infante em Belém: é o Redentor do mundo. Mas, antes de falar, ama com obras. Não traz nenhuma fórmula mágica, porque sabe que a salvação que nos oferece tem que passar pelo coração do homem. Suas primeiras ações são risos e choros de criança, sono inerme de um Deus humanado: para nos cativar, para que saibamos acolhê-lo em nossos braços”[16].

Os anos da vida oculta de Cristo não são uma simples preparação para seu ministério público, mas autênticos atos redentores, orientados para a consumação do Ministério Pascal. Possui grande relevância teológica o fato de que Jesus participou durante a maior parte de sua vida da condição da imensa maioria dos homens: a vida cotidiana de família e de trabalho em Nazaré. Nazaré é assim uma lição de vida familiar, uma lição de trabalho[17]. Cristo também realiza nossa redenção durante os muitos anos de trabalho de sua vida oculta dando assim todo sentido divino na história da salvação ao trabalho cotidiano do cristão, e de milhões de homens de boa vontade: “Jesus, crescendo e vivendo como um de nós, revela-nos que a existência humana, a vida comum e de cada dia, tem um sentido divino”[18].

José Antonio Riestra


Bibliografia básica

Catecismo da Igreja Católica, 484-570, 720-726 y 963-975.

Bento XVI-Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré (Introdução e cap. 10).

Leituras recomendadas

J.L. Bastero de Eleizalde, María, Madre del Redentor, 2ª ed., Eunsa, Pamplona 2004.

M. Ponce Cuéllar, María, Madre del redentor y Madre de la Iglesia, 2ª ed., Herder, Barcelona 2001.

F. Ocáriz – L.F. Mateo Seco – J.A. Riestra, El misterio de Jesucristo, 3ª ed., EUNSA, Pamplona 2004.


[1] Santo Agostinho, De Trinitate, 2, 5, 9; cf. Concílio Lateranense IV: DS 801.

[2] João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 25-III-1987, 8; cf. Pio IX, Bula Ineffabilis Deus; Pio XII, Bula Munificentissimus Deus, AAS 42(1950)9768; Paulo VI, Exh. Ap. Marialis cultus, 25; CIC, 488.

[3] São Leão Magno, Ep. Lectis dilectionis tuae, DS 291-294.

[4] São Basílio, In Christi generationem, 5.

[5] Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 59; cf. a proclamação do dogma da Assunção da Bem-aventurada Virgen Maria pelo Papa Pio XII em 1950: DS 3903.

[6] Cf. Pio XII, Enc. Ad coeli reginam, 11-10-1954: AAS 46(1954)625-640.

[7] Cf. AAS 46(1954)662-666.

[8] Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 56.

[9] Ibidem, 61.

[10] Ibidem, 62.

[11] Cf. AAS 56(1964)1015-1016.

[12] Cf. Paulo VI, Exh. Marialis cultus, 56.

[13] Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 66.

[14] Cf. Pio XI, Enc. Quas primas, 11-11-1925, AS 17(195)599.

[15]Cf. Missal Romano, Prefácio da Missa de Jesus Cristo, Rei do Universo.

[16] São Josemaria, É Cristo que passa, 36.

[17] Cf. Paulo VI, Alocución en Nazaret, 5-1-1964: Insegnamenti di Paolo VI 2(1964)25.

[18] São Josemaria, É Cristo que passa, 14.