Solteiros e casados; Numerários, Adscritos, Supernumerários

“Segundo a disponibilidade habitual de cada um para se dedicar às tarefas de formação e a determinados trabalhos apostólicos do Opus Dei, os fiéis da Prelazia, varões ou mulheres, denominam-se numerários, adscritos ou supernumerários, sem formar por isto classes diversas. Esta disponibilidade depende das variadas e permanentes circunstâncias – pessoais, familiares, profissionais ou outras análogas – de cada um”.

No texto de São Josemaria que acabamos de citar, aparece uma distinção de condições humanas, reflexo também da universalidade do espírito e apostolado do Opus Dei, mas em que convém deter-se: a pertença à Prelazia de pessoas tanto solteiras como casadas.

Desde o começo da sua atividade fundacional, São Josemaria Escrivá advertiu não só que o espirito do Opus Dei podia ser vivido em todas as situações humanas – e portanto, quer no matrimônio quer no celibato -, mas também que, para cumprir com a missão que Deus queria que se desenvolvesse, era necessário que houvesse no Opus Dei pessoas que se comprometessem ao celibato, com a disponibilidade que daí deriva. Em consequência orientou assim o seu trabalho fundacional, convidando a comprometer-se em celibato apostólico – segundo a expressão que gostava de empregar – aqueles que via que podiam ter esta vocação, ao mesmo tempo que pregava com força e clareza o valor do matrimônio. Como fruto deste trabalho apostólico foi desenvolvendo-se o Opus Dei, em que, desde o princípio, se afirma a possibilidade de que façam parte dele tanto pessoas solteiras como casadas, ainda que o modo de pertença de uns e outros recebe configurações diversas, de acordo com o que permitia o direito canônico da época, até chegar ao completo reconhecimento de que umas e outras podiam ser membros do Opus Dei de pleno direito.

A presença na Prelazia de pessoas comprometidas em celibato e de outras casadas – ou, em termos mais amplos, abertas ao matrimônio –, unida a outros fatores de disponibilidade, reflete-se na existência de diversas modalidades ou condições de incorporação no Opus Dei, em que há em consequência membros numerários, adscritos e supernumerários. Os Estatutos referem-se a estas diversas modalidades de pertença à Prelazia com as seguintes palavras: “Segundo a disponibilidade habitual de cada um para se dedicar às tarefas de formação e a determinados trabalhos apostólicos do Opus Dei, os fiéis da Prelazia, varões ou mulheres, denominam-se numerários, adscritos ou supernumerários, sem formar por isto classes diversas. Esta disponibilidade depende das variadas e permanentes circunstâncias – pessoais, familiares, profissionais ou outras análogas – de cada um”.

Nos números seguintes os Estatutos precisam essa indicação geral, pormenorizando os traços dessas diversas modalidades de vinculação:

a) Chamam-se numerários (ou numerárias) aqueles fiéis que, em celibato apostólico, têm uma máxima disponibilidade pessoal para os trabalhos apostólicos peculiares da Prelazia; podem residir na sede dos Centros da Prelazia, para se ocuparem desses trabalhos apostólicos e da formação dos outros membros do Opus Dei.
b) Chamam-se adscritos (ou adscritas) os fiéis que, em celibato apostólico, devem atender necessidades, concretas e permanentes, de caráter pessoal, familiar ou profissional, que os levam, ordinariamente, a viver com a própria família e determinam a sua dedicação às tarefas apostólicas ou de formação no Opus Dei.
c) Chamam-se supernumerários (ou supernumerárias) os fiéis da Prelazia – casados ou solteiros, mas em qualquer dos casos sem compromisso de celibato – que, com a mesma vocação divina que os outros, participam plenamente no apostolado do Opus Dei, com a disponibilidade, pelo que se refere às atividades apostólicas, que é compatível com o cumprimento das suas obrigações familiares, profissionais e sociais.

Trata-se – como se pode advertir pela discrição realizada – de determinações pessoais da vocação ao Opus Dei, dependentes de circunstâncias pessoais objetivas e permanentes de disponibilidade para dedicar-se às atividades necessárias para a vida institucional da Obra, sem que tenham em nenhum sentido a significação de graus de vinculação com o Opus Dei ou de maior ou menor empenho cristão. Importa, com efeito, deixar muito claro que esta diversidade de disponibilidade para tarefas concretas pressupõe uma identidade de vocação peculiar em todos os fiéis do Opus Dei, “porque – qualquer que seja o estado civil da pessoa – é plena a sua dedicação ao trabalho e ao fiel cumprimento dos seus próprios deveres de estado, segundo o espírito do Opus Dei”. O primeiro dos números que os Estatutos dedicam a falar dos fiéis da Prelazia recalca repetidas vezes e com força esta realidade: todos os que se incorporam na Prelazia fazem-no “movidos pela mesma vocação divina”, de maneira que – insiste – “todos se propõem o mesmo fim apostólico, vivem um único espírito e idêntica praxe ascética”.

Estamos diante duma questão capital, que foi reiterada inumeráveis vezes pelo Fundador, que exclui qualquer terminologia (por exemplo, as expressões “classes de membros” ou “categorias de membros”), que pudesse evocar, ainda que fosse de longe, a ideia de uma ruptura na unidade de vocação. É precisamente em e através da própria situação no mundo que todos e cada um dos membros do Opus Dei realizam a missão cristã de difundir o chamamento universal à santidade e de ajudar os outros a segui-lo na vida concreta. Uma mesma espiritualidade, uma idêntica missão, um mesmo caráter definitivo e omnicompreensivo da existência pessoal configuram uma plena identidade de vocação peculiar em todas as dimensões, desde a plena chamada à santidade e ao apostolado até à realização dessa chamada no contexto da secularidade.

Pode assinalar-se, além disso, e o fato continua a estar relacionado com a unidade de vocação, que o carisma do celibato constitui, nos numerários e adscritos do Opus Dei, - como em todo o homem ou mulher que recebe esse carisma –, uma dimensão integrante da vocação pessoal, sem ser uma dimensão peculiar, da vocação ao Opus Dei. Não se trata, obviamente, de que Deus “primeiro” chame ao celibato e “logo” ao Opus Dei (a vocação pessoal é única), mas de que Deus chama ao Opus Dei tanto pessoas em celibato como em matrimônio; e tanto num caso como no outro trata-se de dimensões vocacionais, como para os demais cristãos.

No que diz respeito à condição matrimonial, São Josemaria Escrivá ensina com clareza que “o matrimônio não é, para um cristão, uma simples instituição social, nem muito menos um remédio para as debilidades humanas; é uma autêntica vocação sobrenatural. Sacramento grande em Cristo e na Igreja, diz São Paulo (Ef 5, 32), e, ao mesmo tempo e inseparavelmente, contrato que um homem e uma mulher fazem para sempre, porque – queiramos ou não – o matrimônio instituído por Jesus Cristo é indissolúvel: sinal sagrado que santifica, ação de Jesus que invade a alma dos que se casam e os convida a segui-Lo, transformando toda a vida matrimonial num andar divino na terra”.

Desde o princípio do Opus Dei, o fundador pregou esta dimensão vocacional do matrimônio cristão, como já assinalamos e refletem outros textos, como o seguinte: “ Devemos ter um grande respeito e veneração pelo estado matrimonial, que é nobre e santo – sacramentum hoc magnum est (Ef 5,32), o matrimônio é um grande sacramento – e nós vemo-lo como outro caminho vocacional, como uma participação maravilhosa no poder criador de Deus”.

Imediatamente depois, nessa mesma Carta, assinala, remetendo-se para a tradição, que é “doutrina certa de fé que, de si, é mais alta a vocação para a virgindade”. Não é possível aqui afrontar o tema – menos fácil do que comumente se pensa – da razão e significado desse ser mais alta a vocação para a virgindade que a vocação matrimonial. Em qualquer dos casos, há de afirmar-se que não significa que os casados sejam chamados a uma santidade de segunda categoria (expressão, além do mais, teologicamente absurda). Não só porque, como escreveu Clemente de Alexandria, “verdadeiramente superior é quem, no meio de tentações e cuidados que proporcionam a mulher, os filhos, os criados e as riquezas, consegue dominar a sensualidade e a dor, e permanece unido a Deus pelo amor”, mas, além disso, porque o matrimônio e a família – para aqueles que têm vocação – são meio de santidade: isto é, não um lugar em que “apesar de tudo” se pode permanecer unido a Deus, mas meio e caminho para essa união. Em resumo, “para cada um, o mais perfeito é – sempre e só – fazer a vontade de Deus”.

Pertence, pois, à substância teológica do fenômeno pastoral do Opus Dei o fato de os numerários e adscritos (solteiros, com especial disponibilidade para umas ou outras tarefas, etc.) não serem o paradigma de membro do Opus Dei, do qual a figura dos supernumerários – que são logicamente a maioria – seria uma aproximação. Todos – repitamo-lo – têm a mesma vocação peculiar à santidade e ao apostolado.

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Trecho do capítulo "A vocação ao Opus Dei como vocação na Igreja", do livro "O Opus Dei na Igreja", editado pela editora Rei dos Livros (Lisboa), pg. 179-185.