Semana Santa com o Papa Francisco (2024)

Homilias das celebrações litúrgicas do Papa Francisco durante a Semana Santa: Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa, Vigília Pascal e Domingo de Páscoa.

Semana Santa con el Papa Francisco (2024)

Quinta-feira Santa (Missa Crismal) - Sexta-feira Santa / Via Sacra - Sábado Santo / Vigília Pascal - Domingo de Páscoa / Bênção Urbi et Orbi


Quinta-feira Santa, 28 de março de 2024 (Missa Crismal) 

"Todos os que estavam na sinagoga, tinham os olhos fixos n’Ele" (Lc 4, 20). Não cessa de nos impressionar esta passagem do Evangelho, que nos leva a visualizar a cena, a imaginar aquele momento de silêncio com todos os olhares voltados para Jesus, num misto de maravilha e difidência. Entretanto, sabemos como tudo terminou: depois de Jesus ter desmascarado as falsas expectativas de seus conterrâneos, estes "encheram-se de furor" (Lc 4, 28), saíram da sinagoga e expulsaram-No da cidade. Os olhos estiveram fixos em Jesus, mas os seus corações não estavam dispostos a mudar, à sua palavra. Assim perderam a ocasião da sua vida.

Contudo, na noite de hoje, Quinta-feira Santa, acontece uma troca de olhares diferente. Protagonista é o primeiro Pastor da nossa Igreja, Pedro. Inicialmente também ele não deu crédito à palavra do Senhor, que o desmascarava: "Tu negar-Me-ás três vezes" (Mc 14, 30). Assim "perdeu de vista" Jesus, e renegou-O ao cantar do galo. Mas depois, "voltando-Se, o Senhor fixou os olhos nele; e Pedro recordou-se da palavra do Senhor (…). E, vindo para fora, chorou amargamente" (Lc 22, 61-62). Os seus olhos acabaram inundados de lágrimas que, brotando dum coração ferido, o libertaram de falsas certezas e justificações. Aquele choro amargo mudou-lhe a vida.

Ano após ano, as palavras e os gestos de Jesus não conseguiram mudar as expectativas de Pedro, aliás semelhantes às do povo de Nazaré: também ele esperava um Messias político e poderoso, forte e resoluto, e confrontado com o escândalo de um Jesus frágil, preso sem opor resistência, declarou: "Não O conheço" (Lc 22, 57). E era verdade! Não O conhecia… Começou a conhecê-Lo quando, na noite do renegamento, deixou espaço às lágrimas da vergonha, às lágrimas do arrependimento. E vai conhecê-Lo verdadeiramente, quando, "triste por Jesus lhe ter perguntado, à terceira vez: “Tu és deveras meu amigo?”, se deixará penetrar plenamente pelo olhar de Jesus. Então, daquele "não O conheço", passará a dizer: "Senhor, tu sabes tudo" (Jo 21,17).

Queridos irmãos sacerdotes, verificam-se a cura do coração de Pedro, a cura do Apóstolo, a cura do Pastor, quando, feridos e arrependidos, se deixam perdoar por Jesus; passam através das lágrimas, daquele pranto amargo, do sofrimento que permite redescobrir o amor. Por isso senti o desejo de partilhar convosco qualquer pensamento sobre um aspecto, bastante negligenciado, mas essencial da vida espiritual; proponho-o hoje com uma palavra talvez insólita, mas creio que nos fará bem voltar a descobrir: a compunção.

A palavra evoca o picar: a compunção é "uma aguilhoada no coração", um trespassamento que o fere, fazendo brotar as lágrimas do arrependimento. Pode-nos ajudar aqui um episódio, que tem a ver ainda com São Pedro. Trespassado pelo olhar e as palavras de Jesus ressuscitado, purificado e inflamado pelo Espírito, no dia de Pentecostes proclamou aos habitantes de Jerusalém: "Deus estabeleceu como Senhor e Messias esse Jesus por vós crucificado" (At 2, 36). Os presentes, "quando ouviram estas coisas – diz o texto – sentiram o coração trespassado" (At 2, 37), dando-se conta do mal que tinham feito e, simultaneamente, da salvação que o Senhor lhes concedia.

Vemos aqui o que é a compunção: não um sentimento de culpa que te lança por terra, nem uma série de escrúpulos que paralisam, mas é uma picada benéfica que queima intimamente e cura, pois o coração, quando se dá conta do próprio mal e se reconhece pecador, abre-se, acolhe a ação do Espírito Santo, como água viva que o muda a ponto de lhe correrem as lágrimas pelo rosto. Quem retira a máscara e se deixa olhar por Deus no coração, recebe o dom de tais lágrimas, as águas mais santas depois das do Batismo. [1] Amados irmãos sacerdotes, são estes os votos que vos faço hoje.

Entretanto, é preciso compreender bem o que significa chorar por nós próprios. Não significa sentir pena de nós, como muitas vezes somos tentados a fazer. Isso acontece, por exemplo, quando estamos decepcionados ou preocupados com as nossas expectativas goradas, com a falta de compreensão por parte dos outros, talvez dos irmãos e dos superiores. Ou quando nos deleitamos, por um estranho e doentio prazer do espírito, a repassar as injustiças sofridas para sentirmos pena de nós mesmos, pensando que não nos deram o merecido e imaginando o futuro reservando-nos de contínuo apenas surpresas negativas. Como nos ensina São Paulo, esta é a tristeza segundo o mundo, oposta à tristeza segundo Deus. [2]

Diversamente chorar por nós próprios é arrepender-nos seriamente de ter entristecido a Deus com o pecado; reconhecer que diante d’Ele sempre estamos em débito, nunca em crédito; admitir que se perdeu o caminho da santidade, não tendo confiado no amor d’Aquele que deu a vida por mim. [3] É olhar para dentro de mim e sentir pesar pela minha ingratidão e inconstância; meditar com tristeza nos meus fingimentos e falsidades; descer aos meandros da minha hipocrisia, a hipocrisia clerical: amados irmãos, aquela hipocrisia na qual escorregamos tanto… tanto. Tende cuidado com a hipocrisia clerical! Para em seguida erguer o olhar para o Crucificado e deixar-me comover pelo seu amor que sempre perdoa e eleva, que nunca deixa frustradas as esperanças de quem n’Ele confia. Assim as lágrimas continuarão a cair, e purificam o coração.

De fato, a compunção requer esforço, mas restitui a paz; não provoca angústia, mas alivia a alma dos seus pesos, porque intervém na ferida deixada pelo pecado, preparando-nos para receber lá mesmo a carícia do Senhor, que transforma o coração quando está "contrito e arrependido" (Sal 51, 19), amolecido pelas lágrimas. Assim a compunção é o antídoto para a esclerocardia, aquela dureza do coração frequentemente denunciada por Jesus (Mc 3, 5; 10, 5). Na verdade, o coração sem arrependimento nem lágrimas, torna-se rígido: primeiro, torna-se rotineiro, em seguida intolerante com os problemas e indiferente às pessoas, depois frio e quase impassível, como se estivesse envolvido por uma concha inquebrável, e finalmente coração de pedra. Mas, assim como a água, gota a gota, escava a pedra, as lágrimas lentamente escavam os corações endurecidos. Deste modo assiste-se ao milagre da tristeza, da tristeza boa que leva à doçura.

Compreendemos então por que motivo insistem na compunção os Mestres espirituais. São Bento convida-nos todos os dias a "confessar a Deus com lágrimas e gemidos os nossos pecados passados" [4] e, quando rezamos – afirma ele –, "não seremos ouvidos pelas nossas palavras, mas pela pureza do coração e pela compunção que arranca as lágrimas". [5] E enquanto São João Crisóstomo defende que uma única lágrima apaga um braseiro de pecados, [6] a Imitação de Cristo recomenda: "Abandona-te à compunção do coração", pois muitas vezes, "pela leviandade do coração e pelo descuido dos nossos defeitos, não nos apercebemos dos males da nossa alma". [7] O remédio é a compunção, porque nos reconduz à verdade de nós mesmos, de tal modo que a profundidade do nosso ser pecador revele a realidade infinitamente maior do nosso ser perdoado, a alegria de ser perdoado. Por isso não surpreende a afirmação de Isaque de Nínive: "Quem esquece a medida dos próprios pecados, esquece a medida da graça de Deus para com ele". [8]

A verdade, amados irmãos e irmãs, é que cada um dos nossos renascimentos interiores brota sempre do encontro entre a nossa miséria e a sua misericórdia – encontram-se a nossa miséria e a sua misericórdia –, passa através da nossa pobreza de espírito que permite ao Espírito Santo enriquecer-nos. A esta luz, compreendem-se as afirmações fortes de muitos Mestres espirituais. Pensemos nestas palavras paradoxais do já referido Santo Isaac: "Aquele que conhece os seus próprios pecados (…) é maior do que aquele que, com a oração, ressuscita os mortos. Aquele que chora por si mesmo uma hora é maior do que quem serve o mundo inteiro com a contemplação (…). Aquele a quem é concedido conhecer-se a si mesmo é maior do que aquele a quem é dado ver os anjos". [9]

Irmãos, pensemos em nós, sacerdotes, e interroguemo-nos quão presente estejam a compunção e as lágrimas no nosso exame de consciência e na nossa oração. Perguntemo-nos se, com o passar dos anos, aumentam as lágrimas. Sob este aspecto, é bom suceder o contrário do que acontece na vida biológica: nesta, quando se cresce, chora-se menos do que em criança. Mas, na vida espiritual, onde o que conta é tornar-se criança (cf. Mt 18, 3), quem não chora retrocede, envelhece interiormente, ao passo que a pessoa que chega a uma oração mais simples e íntima, feita de adoração e comoção diante de Deus: isso amadurece-nos. Prende-se cada vez menos a si mesma e mais a Cristo, e torna-se pobre em espírito. Deste modo sente-se mais próxima dos pobres, os prediletos de Deus, que antes – como escreve São Francisco no seu testamento – mantinha afastados, porque estava no pecado, mas cuja companhia, depois, de amarga se torna doce". [10] E assim, quem está compungido no coração, sente-se cada vez mais irmão de todos os pecadores do mundo, sente-se mais irmão, sem qualquer aparência de superioridade nem dureza de juízo, mas sempre com desejo de amar e reparar.

E esta, amados irmãos é outra caraterística da compunção: a solidariedade. Um coração dócil, liberto pelo espírito das Bem-aventuranças, tende naturalmente a sentir compunção pelos outros: em vez de se irritar e escandalizar pelo mal feito pelos irmãos, chora pelos pecados deles. Não se escandaliza. Cumpre-se uma espécie de reviravolta: a tendência natural de ser indulgente consigo mesmo e inflexível com os outros inverte-se e, pela graça de Deus, a pessoa torna-se exigente consigo mesma e misericordiosa com os outros. E o Senhor procura, especialmente entre as pessoas que Lhe estão consagradas, quem chore os pecados da Igreja e do mundo, fazendo-se instrumento de intercessão por todos. Na Igreja, temos tantas testemunhas heroicas que nos mostram este caminho. Pensemos nos monges do deserto, no Oriente e no Ocidente; na intercessão contínua de São Gregório de Narek, feita de gemidos e lágrimas; no oferecimento de Francisco pelo Amor não amado; nos sacerdotes, como o Cura d'Ars, que viviam de penitência pela salvação dos outros. Amados irmãos, isto não é poesia; isto é sacerdócio!

Queridos irmãos, a nós – seus Pastores –, o Senhor não pede juízos de desprezo contra quem não crê, mas amor e lágrimas por quem vive afastado. Quando as situações difíceis que vemos e vivemos, a falta de fé, os sofrimentos que tocamos, entram em contato com um coração compungido, decididamente não suscitam a polémica, mas a perseverança na misericórdia. Quanto precisamos de ser libertos de durezas e recriminações, de egoísmos e ambições, de rigidezes e insatisfações, para nos confiar e entregar a Deus, encontrando n’Ele uma paz que salva de toda a tempestade! Adoremos, intercedamos e choremos pelos outros: permitiremos assim que o Senhor realize maravilhas. E não temamos! Ele surpreende-nos sempre…

De tudo isso beneficiará o nosso ministério. Hoje, numa sociedade laica, corremos o risco de ser muito ativos e, ao mesmo tempo, sentir-nos impotentes, com o resultado de perdermos o entusiasmo e sermos tentados a «deixar de remar», fechar-nos em lamentos e fazer prevalecer a grandeza dos problemas sobre a grandeza de Deus. Se isto acontecer, tornamo-nos amargos e pungentes, sempre a criticar, encontrando sempre qualquer ponto para se lamentar. Se, pelo contrário, a amargura e a compunção se voltarem, não para o mundo, mas para o próprio coração, o Senhor não deixará de nos visitar e reerguer. Como nos exorta a Imitação de Cristo: "Não carregues dentro de ti os assuntos dos outros, nem te preocupes com o que fazem as pessoas mais importantes; em vez disso, vigia sempre em primeiro lugar sobre ti e dirige a tua advertência particularmente a ti mesmo, em vez de outras pessoas, mesmo queridas. Não fiques triste, se não recebes o favor dos homens; o que, ao invés, te deve pesar, entristecer é a constatação de não estar totalmente e com segurança no caminho do bem". [11]

Por último, quero sublinhar um aspecto essencial: a compunção, mais do que fruto do nosso exercício, é uma graça e como tal deve ser pedida na oração. O arrependimento é dom de Deus, é fruto da ação do Espírito Santo. Para facilitar o seu crescimento, partilho duas pequenas recomendações. A primeira é não olhar a vida e a vocação numa perspectiva de eficiência e imediatismo, ligada apenas ao dia de hoje e às suas urgências e expectativas, mas olhá-las no arco englobando passado e futuro como um todo: no passado, para recordar a fidelidade de Deus – Deus é fiel –, fazendo memória do seu perdão, ancorando-nos ao seu amor; e no futuro, para pensar na meta eterna a que somos chamados, no fim último da nossa existência. Alargar os horizontes, amados irmãos, alargar os horizontes ajuda a dilatar o coração, incentiva a reentrar em nós mesmos com o Senhor e viver a compunção. Uma segunda recomendação, que vem como consequência da anterior: descubramos a necessidade de nos dedicarmos a uma oração que não seja obrigatória e funcional, mas livre, calma e prolongada. Irmão, como é a tua oração? Voltemos à adoração – tens-te esquecido de adorar? – e voltemos e à oração do coração. Repitamos: Jesus, Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador. Sintamos a grandeza de Deus na nossa baixeza de pecadores, para olharmos para dentro de nós mesmos e nos deixarmos trespassar pelo seu olhar. Descobriremos a sabedoria da Santa Mãe Igreja, que nos introduz na oração sempre com a invocação do pobre que clama: Senhor, apressai-Vos a socorrer-me.

Por fim, queridos irmãos, voltemos a São Pedro e às suas lágrimas. O altar colocado sobre o seu túmulo não pode deixar de nos fazer pensar nas inúmeras vezes que, apesar de ali dizermos cada dia "Tomai todos e comei: Isto é o meu Corpo oferecido em sacrifício por vós"; quantas vezes desiludimos e entristecemos Aquele que nos ama até ao ponto de fazer das nossas mãos os instrumentos da sua presença! Portanto, é bom fazer nossas estas palavras que recitamos em surdina durante a Santa Missa: "Em humildade e contrição, sejamos recebidos por Vós, Senhor…" e ainda: "Lavai-me, Senhor, da minha iniquidade, e purificai-me do meu pecado". Em tudo, irmãos, sirva-nos de consolação a certeza que nos é dada hoje pela Palavra: o Senhor, consagrado com a unção (cf. Lc 4, 18), veio "curar os quebrantados de coração" (Is 61, 1). Então, se o coração se despedaçar, pode ser faixado e curado por Jesus. Obrigado, queridos sacerdotes, obrigado pelo vosso coração aberto e dócil; obrigado pelas vossas fadigas e obrigado pelo vosso pranto; obrigado porque levais a maravilha da misericórdia – perdoai sempre, sede misericordiosos – e levai esta misericórdia, levai Deus aos irmãos e irmãs do nosso tempo. Que o Senhor vos console, confirme e recompense! Obrigado!


[1] «Na Igreja, temos a água e as lágrimas: a água do Batismo, as lágrimas da Penitência» (Santo Ambrósio, Epistula extra collectionem, I, 12).

[2] «A tristeza, segundo Deus, produz um arrependimento que leva à salvação e não dá lugar ao remorso, enquanto a tristeza do mundo produz a morte» ( 2 Cor 7, 10).

[3] Cf. São João Crisóstomo, De compunctione, I, 10.

[4] Regola, IV,57.

[5] Ibid., XX, 3.

[6] Cf. De pænitentia, VII, 5.

[7] Cap. XXI.

[8] Discorsi ascetici (III Coll.), XII.

[9] Discorsi ascetici (I Coll.), XXXIV (versão grega).

[10] Cf. FF 110.

[11] Cap. XXI.


Sexta-feira Santa, 29 de março de 2024 (Via Sacra)

Introdução

Senhor Jesus, olhamos para a vossa cruz e compreendemos que destes tudo por nós. Dedicamo-Vos este tempo. Queremos passá-lo ao pé de Vós, que rezastes desde o Getsémani até ao Calvário. No Ano de Oração, unimo-nos ao vosso caminho de oração.

Evangelho segundo São Marcos (14, 32-37)

Chegaram a uma propriedade chamada Getsémani (…). Tomando consigo Pedro, Tiago e João, começou a sentir pavor e a angustiar-Se. E disse-lhes: «(...) Ficai aqui e vigiai». Adiantando-Se um pouco, caiu por terra e orou (…): «Abbá, Pai! Tudo Te é possível; afasta de Mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres». Depois, foi ter com os discípulos, encontrou-os a dormir e disse a Pedro: «(…) Nem uma hora pudeste vigiar!»

Senhor, preparastes com a oração cada uma das vossas jornadas e agora, no Getsémani, preparais a Páscoa. Abbá, Pai! Tudo Te é possível – dizeis Vós –, porque a oração é antes de tudo diálogo e intimidade; mas é também luta e súplica: afasta de Mim este cálice! E é abandono e oferta: mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres. Assim, em oração, entrastes pela porta estreita do nosso sofrimento e atravessaste-la profundamente. Sentistes medo e angústia (cf. Mc 14, 33): medo diante da morte, angústia sob o peso do nosso pecado que experimentastes sobre Vós, enquanto Vos invadia uma amargura infinita. Mas, no apogeu da luta, rezastes «mais instantemente» (Lc 22, 44): assim transformastes a veemência do sofrimento em oferta de amor.

Uma coisa apenas nos pedistes: ficar convosco, vigiar. Não nos pedis o impossível, mas a proximidade. No entanto, quantas vezes me distanciei de Vós! Quantas vezes, como os discípulos, em vez de vigiar dormi, quantas vezes não tive tempo ou vontade de rezar porque cansado, anestesiado pelas comodidades, ensonado na alma. Jesus, repeti novamente para mim, para nós, vossa Igreja: «Levantai-vos e orai» (Lc 22, 46). Acordai-nos, Senhor, despertai-nos do torpor do coração, porque também hoje, sobretudo hoje, precisais da nossa oração.

1. Jesus é condenado à morte

O Sumo Sacerdote ergueu-se no meio da assembleia e interrogou Jesus: «Não respondes nada ao que estes testemunham contra Ti?» Mas Ele continuava em silêncio e nada respondia. (…) Pilatos interrogou-o de novo, dizendo: «Não respondes nada? Vê de quantas coisas és acusado!» Mas Jesus nada mais respondeu, de modo que Pilatos estava estupefacto (Mc 14, 60-61; 15, 4-5).

Jesus, sois a vida, e acabais condenado à morte; sois a verdade, e suportastes um processo cheio de falsidades. Mas por que não reclamais? Por que não levantais a voz e explicais as vossas razões? Por que não refutais os eruditos e os poderosos, como sempre fizestes com tanto sucesso? A vossa reação é surpreendente, Jesus: no momento decisivo, não falais; calais-Vos. Porque, quanto mais forte é o mal, mais radical é a vossa resposta. E a vossa resposta é o silêncio. Mas o vosso silêncio é fecundo: é oração, é mansidão, é perdão, é o caminho para redimir do mal, para converter o que sofreis num dom que ofereceis. Jesus, dou-me conta de Vos conhecer pouco, porque não conheço suficientemente o vosso silêncio; porque no frenesim de correr e fazer, absorvido pelas coisas, tomado pelo medo de não continuar a figurar ou pela mania de me pôr no centro, não encontro tempo para parar e ficar convosco: para Vos deixar agir a Vós, Palavra do Pai que trabalhais no silêncio. Jesus, o vosso silêncio mexe comigo: ensina-me que a oração não nasce dos lábios que se movem, mas dum coração que sabe permanecer à escuta: porque rezar é fazer-se dócil à vossa Palavra, é adorar a vossa presença.

Rezemos dizendo: Falai ao meu coração, Jesus

Vós que respondeis ao mal com o bem
Falai ao meu coração, Jesus
Vós que extinguis o clamor com a mansidão
Falai ao meu coração, Jesus
Vós que detestais a crítica e as lamentações
Falai ao meu coração, Jesus
Vós que me conheceis intimamente
Falai ao meu coração, Jesus
Vós que me tendes mais amor do que me amo eu próprio
Falai ao meu coração, Jesus

2. Jesus carrega a cruz

Subindo ao madeiro,
Ele levou os nossos pecados no seu corpo,
para que, mortos para o pecado,
vivamos para a justiça:
pelas suas chagas fomos curados (
1 Ped 2, 24).

Jesus, também nós carregamos cruzes, às vezes muito pesadas: uma doença, um acidente, a morte dum ente querido, uma desilusão afetiva, um filho que anda perdido, o emprego que falta, uma ferida interior que não cura, o fracasso dum projeto, a milésima expetativa para nada... Jesus, como se faz então para rezar? Como fazer quando me sinto esmagado pela vida, quando um fardo me pesa no coração, quando estou sob pressão e já não tenho força para reagir? A vossa resposta reside numa proposta: «Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei de aliviar-vos» (Mt 11, 28). Vir a Vós… mas eu fecho-me em mim: passo e repasso, sinto pena de mim mesmo, afundo na condição de vítima, um campeão de negatividade. Vinde a Mim: dizê-lo, não foi suficiente! Então vindes ao nosso encontro e carregais aos ombros a nossa cruz, para nos tirar de cima o seu peso. Desejais que lancemos sobre Vós fadigas e preocupações, pois quereis que nos sintamos livres e amados em Vós. Obrigado, Jesus! Uno a minha cruz à vossa, trago-Vos o meu cansaço e as minhas misérias, lanço sobre Vós todos os pesos do meu coração.

Rezemos dizendo: Venho a Vós, Senhor

Com a minha história
Venho a Vós, Senhor
Com as minhas canseiras
Venho a Vós, Senhor
Com as minhas limitações e fragilidades
Venho a Vós, Senhor
Com os meus temores
Venho a Vós, Senhor
Depondo toda a confiança no vosso amor
Venho a Vós, Senhor

3. Jesus cai pela primeira vez

Em verdade, em verdade vos digo: se um grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto (Jo 12, 24).

Caístes, Jesus! Em que pensais, como rezais com a face no pó? Mas sobretudo o que é que Vos dá a força para Vos levantardes? Enquanto estais com o rosto por terra, não podendo já ver o céu, imagino-Vos a repetir no coração: Pai, que estais nos céus. O olhar amoroso do Pai, que pousa sobre Vós, é a vossa força. Mas imagino também que, enquanto beijais a terra árida e fria, estejais a pensar no homem, tirado da terra, a pensar em nós, que estamos no centro do vosso coração; e repitais as palavras do vosso Testamento: «Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós» (Lc 22, 19). O amor do Pai por Vós, e o vosso por nós. O amor: aqui está a mola que Vos faz levantar e prosseguir. Porque, quem ama, não fica por terra, recomeça; quem ama, não se cansa, corre; quem ama, voa. Jesus, peço-Vos sempre muitas coisas, mas só preciso duma: saber amar. Cairei na vida, mas, com o amor, poderei levantar-me e continuar para diante, como fizestes Vós, que sois perito em quedas. De facto a vossa vida foi um cair contínuo ao nosso encontro: de Deus para homem, de homem para servo, de servo para crucificado, até ao túmulo; caístes na terra como semente que morre; caístes para nos reerguer da terra e levar para o Céu. Vós que levantais do pó e fazeis renascer a esperança, dai-me forças para amar e recomeçar.

Rezemos dizendo: Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar

Quando prevalece a desilusão
Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar
Quando caiem sobre mim os juízos dos outros
Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar
Quando nada funciona e me torno impaciente
Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar
Quando sinto que não aguento mais
Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar
Quando me oprime o pensamento de que nada mudará
Jesus, dai-me a força de amar e recomeçar

4. Jesus encontra sua mãe

Então Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse (...) ao discípulo: «Eis a tua mãe!» E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua (Jo 19, 26-27).

Jesus, os vossos abandonaram-Vos, Judas traiu-Vos, Pedro renegou-Vos: ficastes sozinho com a cruz. Mas está lá a vossa mãe. Não são necessárias palavras, bastam os seus olhos, que sabem enfrentar o sofrimento e ocupar-se dele. Jesus, no olhar de Maria cheio de lágrimas e de luz, encontrais a memória da ternura, das carícias, dos braços amorosos que sempre Vos acolheram e sustentaram. O olhar materno é o olhar da memória, que nos fundamenta no bem. Não se pode prescindir duma mãe que nos traz ao mundo, mas também não podemos prescindir duma mãe que nos ponha direitos, no mundo. Vós o sabeis e, da cruz, dais-nos a vossa própria mãe. Eis a tua mãe – dizeis ao discípulo, a cada um de nós: depois da Eucaristia, dais-nos Maria, a dádiva extrema antes de morrer. Jesus, no vosso caminho, serviu-Vos conforto a recordação do seu amor; também o meu caminho precisa de se fundar na memória do bem. Dou-me conta, porém, que a minha oração é pobre de memória: rápida, apressada, uma lista de necessidades para hoje e amanhã. Maria, detende a minha corrida! Ajudai-me a fazer memória: a guardar a graça, a lembrar o perdão e os prodígios de Deus, a reavivar o primeiro amor, a saborear as maravilhas da providência, a chorar de gratidão.

Rezemos dizendo: Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor

Quando reaparecem as feridas do passado
Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor
Quando extravio o sentido e o fio das coisas
Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor
Quando perco de vista os dons que recebi
Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor
Quando perco de vista o dom que sou
Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor
Quando me esqueço de Vos agradecer
Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor

5. Jesus é ajudado pelo Cireneu

Quando [os soldados] O iam conduzindo, lançaram mão de um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e carregaram-no com a cruz, para a levar atrás de Jesus (Lc 23, 26).

Jesus, quantas vezes, diante dos desafios da vida, presumimos de os superar sozinhos! Como é difícil pedir uma mão, com medo de dar a impressão de não estarmos à altura, temos sempre a preocupação de bem parecer e nos exibir! Não é fácil fiar-se, e menos ainda entregar-se. Mas quem reza sabe que é um necessitado e Vós, Jesus, estais habituado a entregar-Vos na oração. Assim não desprezais a ajuda do Cireneu. Expondes as vossas fragilidades a ele, um homem simples, um agricultor que volta do campo. Obrigado porque, fazendo-Vos amparar na necessidade, apagais a imagem dum deus invulnerável e distante. Não sois imóvel no poder, mas invencível no amor, e ensinais-nos que amar significa socorrer os outros precisamente nisto: nas fragilidades de que se envergonham. Então as fragilidades transformam-se em oportunidades. Assim aconteceu ao Cireneu: a vossa fragilidade mudou a sua vida; e um dia dar-se-á conta de ter socorrido o seu Salvador, ter sido redimido através daquela cruz que levou. Para que a minha vida também mude, peço-Vos, Jesus: ajudai-me a baixar as defesas e deixar-me amar por Vós, precisamente no ponto onde tenho mais vergonha de mim mesmo.

Rezemos dizendo: Curai-me, Jesus!

De toda a presunção de autossuficiência
Curai-me, Jesus!
De pensar que consigo sem Vós e sem os outros
Curai-me, Jesus!
Da mania do perfeccionismo
Curai-me, Jesus!
Da relutância em entregar-Vos as minhas misérias
Curai-me, Jesus!
Da pressa frente aos necessitados que encontro no caminho
Curai-me, Jesus!

6. Jesus é confortado pela Verónica que Lhe enxuga o rosto

Bendito seja Deus (…) o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação! Ele nos consola em toda a nossa tribulação, para que também nós possamos consolar aqueles que estão em qualquer tribulação (…). Na verdade, assim como abundam em nós os sofrimentos de Cristo, também, por meio de Cristo, é abundante a nossa consolação (2 Cor 1, 3-5).

Jesus, muitos acompanham o espetáculo bárbaro da vossa execução e, sem Vos conhecer nem conhecer a verdade, proferem sentenças e condenações, lançando sobre Vós infâmia e desprezo. O mesmo acontece hoje, Senhor, e nem sequer é preciso um cortejo macabro: basta um teclado para insultar e publicar sentenças. Mas, enquanto muitos gritam e condenam, abre caminho no meio da multidão uma mulher. Não fala; age. Não insulta; compadece-se. Vai contracorrente: sozinha, com a coragem da compaixão, arrisca por amor, encontra forma de passar por entre os soldados apenas para Vos dar o conforto duma carícia no rosto. O seu gesto passará à história, e é um gesto de consolação. Quantas vezes invoco a vossa consolação, Jesus! Mas a Verónica lembra-me que também Vós precisais da consolação: Vós, um Deus próximo, pedis a minha proximidade; Vós, meu consolador, quereis ser consolado por mim. Amor não amado, também hoje procurais no meio da multidão corações sensíveis ao vosso sofrimento, à vossa amargura. Procurais verdadeiros adoradores que, em espírito e verdade (cf. Jo 4, 23), permaneçam convosco (cf. Jo 15), Amor abandonado. Jesus, acendei em mim o desejo de estar convosco, de Vos adorar e consolar. E fazei que eu seja, em vosso nome, consolação para os outros.

Rezemos dizendo: Tornai-me testemunha da vossa consolação

Deus de misericórdia, próximo de quem tem o coração ferido
Tornai-me testemunha da vossa consolação
Deus de ternura, que Vos comoveis por nós
Tornai-me testemunha da vossa consolação
Deus de compaixão, que detestais a indiferença
Tornai-me testemunha da vossa consolação
Vós que ficais triste quando aponto o dedo contra os outros
Tornai-me testemunha da vossa consolação
Vós que não viestes para condenar, mas para salvar
Tornai-me testemunha da vossa consolação

7. Jesus cai de novo sob o peso da cruz

[O filho mais novo], caindo em si, disse: (…) Levantar-me-ei, irei ter com o meu pai e vou dizer-lhe: «Pai, pequei (…)». E, levantando-se, foi ter com o pai. Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos. O filho disse-lhe: «Pai, pequei (…); já não mereço ser chamado teu filho». Mas o pai disse (...): «Este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado» (Lc 15, 17-18.20-22.24).

Jesus, a cruz pesa! Carrega o peso da derrota, do fracasso, da humilhação. Compreendo-o quando me sinto esmagado pelas coisas, metralhado pela vida e incompreendido pelos outros; quando sinto o peso excessivo e enervante da responsabilidade e do trabalho, quando estou comprimido pelas garras da ansiedade, assaltado pela melancolia, enquanto um pensamento sufocante me vai repetindo: não vais sair desta, desta vez não te erguerás. Mas há pior. Dou-me conta de tocar o fundo, quando volto a cair no mesmo: quando caio de novo nos meus erros, nos meus pecados, quando me escandalizo dos outros e depois apercebo-me de que não sou diferente. Não há nada pior do que ficar desiludido consigo mesmo, esmagado pelo sentimento de culpa. Mas Vós, Jesus, caístes várias vezes sob o peso da cruz, para estar perto de mim quando volto a cair. Convosco a esperança nunca acaba e, depois de cada queda, levanto-me outra vez, porque, quando erro, não Vos cansais de mim, mas ainda mais Vos aproximais. Obrigado por esperardes por mim; obrigado porque volto a cair tantas vezes e me perdoais infinitas vezes: sempre. Recordai-me que as quedas podem tornar-se momentos cruciais no caminho, porque me levam a compreender a única coisa que importa: que preciso de Vós. Jesus, gravai no meu coração a certeza mais importante: que só me levanto verdadeiramente quando Vós me levantais, quando me libertais dos pecados. Porque a vida não recomeça das minhas palavras, mas do vosso perdão.

Rezemos dizendo: Levantai-me, Jesus!

Quando, paralisado pela difidência, sinto tristeza e desânimo
Levantai-me, Jesus!
Quando vejo a minha inadequação e me sinto inútil
Levantai-me, Jesus!
Quando prevalecem a vergonha e o medo de não conseguir
Levantai-me, Jesus!
Quando me sinto tentado a perder a esperança
Levantai-me, Jesus!
Quando esqueço que a minha força está no vosso perdão
Levantai-me, Jesus!

8. Jesus encontra as mulheres de Jerusalém

Seguiam Jesus uma grande multidão de povo e umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele (Lc 23, 27).

Jesus, quem é que Vos segue até ao fim pelo caminho da cruz? Não os poderosos, que Vos esperam no Calvário, nem os espetadores que estão longe, mas as pessoas simples, grandes aos vossos olhos e pequenas aos do mundo. São as mulheres a quem destes esperança: não têm voz, mas fazem-se ouvir. Ajudai-nos a reconhecer a grandeza das mulheres, daquelas que foram fiéis e estiveram perto de Vós na Páscoa, mas também daquelas que ainda hoje são descartadas, sofrendo ultrajes e violências. Jesus, as mulheres que encontrais batem no peito e choram por Vós. Não choram por si mesmas, mas por Vós; choram pelo mal e o pecado do mundo. A sua oração feita de lágrimas chega ao vosso coração. E a minha oração sabe chorar? Comovo-me diante de Vós, crucificado por mim, diante do vosso amor manso e ferido? Choro as minhas falsidades e a minha inconstância? À vista das tragédias do mundo, o meu coração permanece gelado ou enternece-se? Como reajo à loucura da guerra, a rostos de crianças que já não sabem sorrir, a mães que as veem desnutridas e famintas e não têm mais lágrimas para derramar? Vós, Jesus, chorastes por Jerusalém, chorastes pela dureza do nosso coração. Sacudi-me no meu íntimo, dai-me a graça de chorar rezando e de rezar chorando.

Rezemos dizendo: Jesus, enternecei o meu coração endurecido

Vós que conheceis os segredos do coração
Jesus, enternecei o meu coração endurecido
Vós que Vos entristeceis face à dureza dos ânimos
Jesus, enternecei o meu coração endurecido
Vós que amais os corações humildes e contritos
Jesus, enternecei o meu coração endurecido
Vós que enxugastes com o perdão as lágrimas de Pedro
Jesus, enternecei o meu coração endurecido
Vós que transformais o choro em canto
Jesus, enternecei o meu coração endurecido

9. Jesus é despojado das suas vestes

«Senhor, quando foi que Te vimos com fome e Te demos de comer, ou com sede e Te demos de beber? Quando Te vimos peregrino e Te recolhemos, ou nu e Te vestimos? E quando Te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-Te?» E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: «Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 37-40).

Jesus, estas palavras disseste-las antes da Paixão. Agora compreendo a vossa insistência em identificar-Vos com os necessitados: Vós estivestes encarcerado; Vós sois tratado como estrangeiro, levado até fora da cidade para ser crucificado; Vós estais nu, despojado das vestes; Vós, doente e ferido; Vós, sedento na cruz e faminto de amor. Fazei que Vos veja nos atribulados e veja os atribulados em Vós, porque Vós estais neles, em quem é despojado de dignidade, nos cristos humilhados pela prepotência e a injustiça, por lucros iníquos obtidos à custa dos outros na indiferença geral. Olho para Vós, Jesus, despojado das vestes, e compreendo que me convidais a despojar-me de tantas exterioridades. Porque Vós não olhais para as aparências, mas para o coração. E não quereis uma oração estéril, mas caritativamente fecunda. Deus despido, desnudai-me também a mim. Porque é fácil falar, mas será que Vos amo de verdade nos pobres, a vossa carne ferida? Rezo por quem está despojado de dignidade? Ou rezo apenas para acudir às minhas necessidades e rodear-me de segurança? Jesus, a vossa verdade desnuda-me e leva-me a centrar no que importa: Vós crucificado e os irmãos crucificados. Dai-me a graça de o compreender agora, para não ser encontrado despojado de amor quando me apresentar diante de Vós.

Rezemos dizendo: Despojai-me, Senhor Jesus!

Do apego às aparências
Despojai-me, Senhor Jesus!
Da couraça da indiferença
Despojai-me, Senhor Jesus!
De julgar que não toca a mim socorrer os outros
Despojai-me, Senhor Jesus!
Dum culto feito de respeitabilidade e exterioridade
Despojai-me, Senhor Jesus!
Da convicção de que a vida corre bem, se eu estiver bem
Despojai-me, Senhor Jesus!

10. Jesus é pregado na cruz

Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, crucificaram-No a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 33-34).

Jesus, trespassam-Vos braços e pés com cravos, dilacerando-Vos as carnes; mas é agora, quando o sofrimento físico é mais atroz, que brota dos vossos lábios a oração impossível: perdoais a quem Vos está cravando os pregos nos pulsos. E não apenas uma vez mas muitas, como recorda o Evangelho com esta forma verbal que indica uma ação repetida: dizíeis «Perdoa-lhes, Pai…». Convosco, Jesus, também eu posso encontrar a coragem de escolher o perdão, que liberta o coração e relança a vida. E, Senhor, não Vos basta perdoar-nos, quereis também desculpar-nos diante do Pai: não sabem o que fazem. Assumis a nossa defesa, fazeis-Vos nosso advogado, intercedeis por nós. Agora que as vossas mãos, com que abençoáveis e curáveis, estão pregadas, e que os vossos pés, com que leváveis a boa nova, já não podem caminhar, agora, na impotência, revelais-nos a omnipotência da oração. No cimo do Gólgota, manifestais-nos a sublimidade da oração de intercessão, que salva o mundo. Jesus, que eu reze não só por mim e pelos meus entes queridos, mas também por quem não me quer bem e me faz mal; que eu reze, segundo os desejos do vosso coração, por quem vive longe de Vós; que eu reze para reparar e interceder em favor de quantos, ignorando-Vos, não conhecem a alegria de Vos amar e ser perdoados por Vós.

Rezemos dizendo: Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro

Pela dolorosa paixão de Jesus
Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro
Pelo poder das suas chagas
Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro
Pelo seu perdão na cruz
Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro
Por quantos perdoam por vosso amor
Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro
Por intercessão de quantos creem, adoram, esperam e Vos amam
Pai, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro

11. Jesus grita o seu abandono

Desde o meio-dia até às três da tarde, as trevas envolveram toda a terra. Cerca das três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte: «Eli, Eli, lemà sabactàni?», isto é, «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?» (Mt 27, 45-46).

Jesus, eis a oração inaudita! Gritais ao Pai o vosso abandono. Vós, Deus do céu, não trovejais respostas, mas perguntais porquê? No auge da Paixão, sentis a distância do Pai; e já nem O chamais Pai – como sempre –, mas Deus, como se já não conseguísseis identificar o seu rosto. Por que é que sucede isto? Para mergulhardes até ao fundo no abismo do nosso sofrimento. Fizeste-lo por mim, para que, quando vir apenas escuridão, quando experimentar o colapso das certezas e o naufrágio da vida, já não me sinta só, mas acredite que Vós estais lá comigo: Vós, Deus da comunhão, que experimentais o abandono para não mais me deixar refém da solidão. Quando gritastes o vosso porquê, fizeste-lo com um Salmo: assim trouxestes à oração a desolação mais extrema. Eis o que se deve fazer nas tempestades da vida: em vez de calar e guardar dentro, gritar por Vós. Glória a Vós, Senhor Jesus, porque não fugistes da minha confusão, mas viveste-la profundamente; louvor e glória a Vós que, assumindo todas as distâncias, fizestes-Vos próximo de quem está mais longe de Vós. E, na escuridão dos meus porquês, encontro-Vos a Vós, Jesus, luz na noite. E, no grito de tantas pessoas sozinhas e excluídas, oprimidas e abandonadas, revejo-Vos a Vós, meu Deus: fazei que Vos reconheça e Vos ame.

Rezemos dizendo: Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame

Nas crianças não nascidas e nas abandonadas
Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame
Em tantos jovens à espera de alguém que ouça o seu grito de dor
Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame
Nos inúmeros idosos descartados
Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame
Nos presos e em quem vive sozinho
Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame
Nos povos mais explorados e esquecidos
Jesus, fazei que Vos reconheça e vos ame

12. Jesus morre entregando-Se ao Pai e dando ao bom ladrão o Paraíso

[Um dos malfeitores crucificado] disse: «Jesus, lembra-Te de mim quando estiveres no teu Reino». Ele respondeu-lhe: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso». (…) Dando um forte grito, Jesus exclamou: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito». Dito isto, expirou (Lc 23, 42-43.46).

Jesus, um malfeitor no Paraíso!!! Ele confia-Se a Vós, e Vós O confiais juntamente convosco ao Pai. Deus do impossível, dum ladrão fazeis um santo. Mais: no Calvário, mudais o curso da história. Fazeis da cruz, emblema do suplício, o ícone do amor; do muro da morte, uma ponte para a vida. Transformais as trevas em luz, a separação em comunhão, o sofrimento em dança, e o próprio túmulo – última estação da vida – no ponto de partida da esperança. Mas estas inversões, realizai-las connosco, nunca sem nós. Jesus, lembrai-Vos de mim: esta oração sincera permitiu-Vos fazer maravilhas na vida daquele malfeitor. Força inaudita da oração. Às vezes penso que a minha oração não seja ouvida, mas o essencial é perseverar, ter constância, recordar-se de Vos dizer: «Jesus, lembrai-Vos de mim». Lembrai-Vos de mim e o meu mal já não será última paragem, mas um recomeço. Lembrai-Vos, isto é, colocai-me de novo no vosso coração, mesmo quando me afastar, quando me perder na roda da vida que gira loucamente. Lembrai-Vos de mim, Jesus, porque ser recordado por Vós – assim no-lo mostra o bom ladrão – é entrar no Paraíso. Sobretudo lembrai-me, Jesus, que a minha oração pode mudar a história.

Rezemos dizendo: Jesus, lembrai-Vos de mim

Quando a esperança se desvanece e reina a desilusão
Jesus, lembrai-Vos de mim
Quando sou incapaz de tomar uma decisão
Jesus, lembrai-Vos de mim
Quando perco a fé em mim e nos outros
Jesus, lembrai-Vos de mim
Quando perco de vista a grandeza do vosso amor
Jesus, lembrai-Vos de mim
Quando penso que minha oração seja inútil
Jesus, lembrai-Vos de mim

13. Jesus é descido da cruz e posto nos braços de Maria

Simeão (...) disse a Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma» (Lc 2, 34-35).

Maria, depois do vosso «sim», o Verbo fez-Se carne no vosso ventre; agora, reclinada sobre o vosso ventre, está a sua carne torturada: aquele menino que trazíeis nos braços é um cadáver dilacerado. E todavia, agora no momento mais doloroso, resplandece a vossa oferta: uma espada trespassa-Vos a alma e a vossa oração continua a ser um «sim» a Deus. Maria, nós somos pobres de «sins e ricos de «ses»: se tivesse tido pais melhores, se tivesse sido mais compreendido e amado, se a minha carreira tivesse corrido melhor, se não tivesse havido aquele problema, se eu ao menos deixasse de sofrer, se Deus me ouvisse... Ao perguntar-nos perpetuamente pelo porquê das coisas, sentimos dificuldade em viver o presente com amor. Vós teríeis muitos «ses» para dizer a Deus, mas ainda dizeis «sim». Forte na fé, acreditais que o sofrimento, permeado pelo amor, produz frutos de salvação; que o sofrimento com Deus não tem a última palavra. E, enquanto segurais nos braços Jesus inanimado, ressoam em Vós as últimas palavras que Ele Vos dirigiu: Eis o teu filho. Mãe, sou eu aquele filho! Acolhei-me nos vossos braços e debruçai-Vos sobre as minhas feridas. Ajudai-me a dizer «sim» a Deus, «sim» ao amor. Mãe de piedade, vivemos num tempo cruel e precisamos de compaixão: Vós, terna e forte, ungi-nos de mansidão: dissolvei as resistências do coração e os nós da alma.

Rezemos dizendo: Tomai-me pela mão, Maria

Quando cedo a recriminações e a fazer a vítima
Tomai-me pela mão, Maria
Quando deixo de lutar aceitando conviver com as minhas falsidades
Tomai-me pela mão, Maria
Quando vou adiando e não encontro a coragem de dizer «sim» a Deus

Tomai-me pela mão, Maria

Quando sou indulgente comigo mesmo e inflexível com os outros
Tomai-me pela mão, Maria
Quando quero que a Igreja e o mundo mudem, mas eu não mudo
Tomai-me pela mão, Maria

14. Jesus é colocado no túmulo de José de Arimateia

Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimateia, chamado José; que também se tornara discípulo de Jesus. Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. (...) José tomou o corpo, envolveu-o num lençol limpo e depositou-o num túmulo novo, que tinha mandado talhar na rocha (Mt 27, 57-60).

José: o nome que juntamente com o de Maria está no alvorecer do Natal, marca também a aurora da Páscoa. José de Nazaré sonhou e corajosamente levou Jesus para O salvar de Herodes; tu, José de Arimateia, tomas o corpo d’Ele, sem saber que um sonho impossível e maravilhoso se vai realizar lá mesmo, no túmulo que deste a Cristo quando pensavas que Ele não poderia fazer mais nada por ti. Ao contrário, é mesmo verdade que toda a dádiva feita a Deus recebe uma recompensa maior. José de Arimateia, és o profeta da coragem ousada. Para dar o teu dom a um morto, vais ter com o temido Pilatos e fazes-lhe um pedido, para poderes oferecer a Jesus o túmulo que fizeras construir para ti. O teu pedido é tenaz, e às palavras seguem-se as obras. Tu, José, recordas-nos que a oração insistente dá fruto e atravessa até a escuridão da morte; que o amor não fica sem resposta, mas oferece novos começos. O teu túmulo – único na história – será fonte de vida: era novo, há pouco escavado na rocha. E eu, o que dou de novo a Jesus nesta Páscoa? Um pouco de tempo para estar com Ele? Um pouco de amor para os outros? Os meus medos e as minhas misérias sepultadas, que Cristo espera lhe sejam oferecidos como fizeste tu com o túmulo? Será verdadeiramente Páscoa se der algo de meu Àquele que por mim deu a sua vida: pois é dando que se recebe; a vida é encontrada quando se perde, e é possuída quando se dá.

Rezemos dizendo: Tende piedade, Senhor

De mim, preguiçoso para me converter
Tende piedade, Senhor
De mim, que gosto muito de receber e pouco de dar
Tende piedade, Senhor
De mim, incapaz de me render ao vosso amor
Tende piedade, Senhor
De nós, prontos a servir-nos das coisas, mas lentos em servir os outros
Tende piedade, Senhor
Do nosso mundo, infestado pelos túmulos do egoísmo
Tende piedade, Senhor

Invocação final (do nome de Jesus, 14 vezes)

Senhor, nós Vos suplicamos como aqueles necessitados, frágeis e doentes do Evangelho que Vos invocavam com a palavra mais simples e familiar, isto é, com o vosso nome.

Jesus, o vosso nome salva, porque Vós sois a nossa salvação.

Jesus, sois a minha vida e, para não perder o rumo no caminho, preciso de Vós, que perdoais e ergueis, que curais o meu coração e dais sentido ao meu sofrimento.

Jesus, tomastes sobre Vós o meu mal e, da cruz, não me acusais, mas abraçais-me; Vós, manso e humilde de coração, curai-me do rancor e do ressentimento, libertai-me da suspeita e da desconfiança.

Jesus, olho para Vós na cruz e vejo escancarar-se diante dos meus olhos o amor, sentido do meu ser e meta do meu caminho: ajudai-me a amar e a perdoar, a superar a impaciência e a indiferença, a não me lamentar.

Jesus, na cruz tivestes sede, e é sede do meu amor e da minha oração; precisais disso para realizar plenamente os vossos projetos de bem e de paz.

Jesus, agradeço-Vos por todos aqueles que respondem ao vosso convite e são perseverantes na oração, têm a coragem de acreditar e a constância para avançar nas dificuldades.

Jesus, apresento-Vos os pastores do vosso povo santo: a sua oração sustenta o rebanho; que eles encontrem tempo para estar diante de Vós, conformem o seu coração ao vosso.

Jesus, bendigo-Vos pelas contemplativas e os contemplativos, cuja oração, escondida do mundo e agradável a vossos olhos, guarde a Igreja e a humanidade.

Jesus, trago à vossa presença as famílias e as pessoas que rezaram esta noite nas suas casas, os idosos, especialmente os que estão sozinhos, os doentes, joias da Igreja que unem os seus sofrimentos ao vosso.

Jesus, que esta oração de intercessão alcance as irmãs e os irmãos que, em muitas partes do mundo, sofrem perseguições por causa do vosso nome; aqueles que sofrem o drama da guerra e quantos, com a força que lhes vem de Vós, carregam cruzes pesadas.

Jesus, com a vossa cruz fizestes de todos nós um só: uni os crentes em comunhão, infundi sentimentos fraternos e pacientes, ajudai-nos a colaborar e a caminhar juntos; guardai a Igreja e o mundo na paz.

Jesus, juiz santo que me chamareis pelo nome, livrai-me dos juízos temerários, da crítica e das palavras violentas e ofensivas.

Jesus, antes de morrer dissestes «tudo está consumado» (Jo 19, 30). Incompleto como estou, não poderei dizer o mesmo; mas confio em Vós, porque sois a minha esperança, a esperança da Igreja e do mundo.

Jesus, quero dizer-Vos ainda uma palavra e ficar repetindo-a: obrigado! Obrigado, meu Senhor e meu Deus.


Sábado Santo, 30 de março de 2024 (Vigília Pascal)

As mulheres vão ao túmulo às primeiras luzes do alvorecer, mas dentro delas conservam a escuridão da noite. Embora estejam a caminho, continuam ainda paradas: o seu coração ficou aos pés da cruz. Anuviadas pelas lágrimas de Sexta-Feira Santa, estão paralisadas pelo sofrimento, estão fechadas na sensação que tudo acabou, foi colocada uma pedra sobre o caso Jesus. E é precisamente uma pedra a dar-lhes que pensar. De facto, perguntam-se: «Quem nos irá tirar a pedra da entrada do sepulcro?» (Mc 16, 3). Mas, quando chegam ao local, será a força surpreendente da Páscoa a maravilhá-las: «Olharam – diz o texto – e viram que a pedra tinha sido rolada para o lado; e era muito grande» (Mc 16,4).

Detenhamo-nos, queridos irmãos e irmãs, nestes dois momentos que nos levam à alegria inaudita da Páscoa: num primeiro momento, as mulheres perguntam-se, angustiadas, quem faria rolar a pedra; mas depois, no segundo momento, erguendo os olhos, veem que aquela já tinha sido rolada.

Antes de mais nada – primeiro momento – temos a pergunta que preocupa o seu coração lacerado pelo sofrimento: quem nos fará rolar a pedra do sepulcro? Aquela pedra representava o fim da história de Jesus, sepultado na noite da morte. Ele, a vida que veio ao mundo, foi morto; Ele, que manifestou o amor misericordioso do Pai, não recebeu compaixão; Ele, que aliviou os pecadores do peso da condenação, foi condenado à cruz. O Príncipe da Paz, que libertara uma adúltera da fúria violenta das pedras, jaz sepultado no interior duma grande pedra. Aquele maciço, obstáculo intransponível, era o símbolo do que as mulheres levavam no coração, ou seja, o fim da sua esperança: tudo se despedaçara contra ele, com o mistério sombrio dum sofrimento dramático que impedia a realização dos seus sonhos.

Irmãos e irmãs, o mesmo pode acontecer conosco também. Às vezes sentimos que uma pedra tumular foi pesadamente instalada à entrada do nosso coração, sufocando a vida, extinguindo a confiança, encarcerando-nos no sepulcro dos medos e amarguras, bloqueando o caminho para a alegria e a esperança. São «maciços da morte»; e encontramo-los, ao longo do caminho, em todas as experiências e situações que nos roubam o entusiasmo e a força para avançar: nos sofrimentos que nos afetam e na morte de pessoas queridas, que deixam em nós vazios incuráveis; encontramo-los nos fracassos e medos que nos impedem de fazer as coisas boas que temos no coração; encontramo-los em todos os isolamentos que abrandam os nossos impulsos de generosidade, não permitindo abrir-nos ao amor; encontramo-los nos muros de borracha do egoísmo – são verdadeiramente muros de borracha – egoísmo e indiferença, que impedem o compromisso de construir cidades e sociedades mais justas e à medida do homem; encontramo-los em todos os anseios de paz sufocados pela crueldade do ódio e pela ferocidade da guerra. Quando se experimentam estas desilusões, apodera-se de nós a sensação de que muitos sonhos acabarão por ser desfeitos, perguntando-nos, angustiados, a nós mesmos: quem nos rolará a pedra do sepulcro?

E, contudo, essas mesmas mulheres que tinham a escuridão no coração dão-nos testemunho de algo extraordinário: erguendo os olhos, viram que a pedra já tinha sido rolada, embora fosse muito grande. Aqui está a Páscoa de Cristo, aqui está a força de Deus: a vitória da vida sobre a morte, o triunfo da luz sobre as trevas, o renascimento da esperança por entre os escombros do fracasso. Foi o Senhor, o Deus do impossível, que, para sempre, rolou a pedra para o lado e começou a abrir os nossos corações, a fim de não acabar a esperança. Por isso devemos também nós elevar os olhos para Ele.

Então – segundo momento –, levantamos o olhar para Jesus: depois de ter assumido a nossa humanidade, Ele desceu aos abismos da morte e atravessou-os com a força da sua vida divina, descerrando uma fresta infinita de luz para cada um de nós. Ressuscitado pelo Pai na sua carne, na nossa carne, com a força do Espírito Santo abriu uma nova página para o género humano. A partir de então, se deixarmos Jesus tomar-nos pela mão, nenhuma experiência de fracasso e sofrimento, por mais que nos doa, poderá ter a última palavra sobre o sentido e o destino da nossa vida. A partir de então, se nos deixarmos agarrar pelo Ressuscitado, nenhuma derrota, nenhum sofrimento, nenhuma morte poderá deter o nosso caminho rumo à plenitude da vida. A partir de então, «nós, cristãos, digamos que esta história (...) tem sentido, um sentido que tudo abrange, um sentido que já não está contaminado pelo absurdo e a obscuridade (...), um sentido que chamamos Deus (...). Para Ele, confluem todas as águas da nossa transformação; estas não afundam nos abismos do nada e do absurdo (...), porque o seu sepulcro está vazio e Ele, que estava morto, manifestou-Se como o vivente» (K. Rahner, O que é a ressurreição? Meditações sobre a Sexta-Feira Santa e sobre a Páscoa, Brescia 2005, 33-35).

Irmãos e irmãs, Jesus é a nossa Páscoa, Ele é aquele que nos faz passar das trevas para a luz, que Se uniu a nós para sempre e nos salva dos abismos do pecado e da morte, arrastando-nos no ímpeto luminoso do perdão e da vida eterna. Irmãos e irmãs, levantemos o olhar para Ele, acolhamos Jesus, Deus da vida, nas nossas vidas, renovemos-Lhe hoje o nosso «sim» e nenhum maciço poderá sufocar-nos o coração, nenhum sepulcro poderá encerrar a alegria de viver, nenhum fracasso será capaz de nos lançar no desespero. Irmãos e irmãs, levantemos o olhar para Ele e peçamos-Lhe que a força da sua ressurreição role para o lado as pedras que nos oprimem a alma. Levantemos o olhar para Ele, o Ressuscitado, e caminhemos na certeza de que, no fundo obscuro das nossas expetativas e das nossas mortes, já está presente a vida eterna que Ele veio trazer.

Irmã, irmão, que o teu coração possa explodir de júbilo nesta noite, nesta noite santa! Juntos, cantemos a ressurreição de Jesus: «Cantai-O, cantai-O todos, rios e planícies, desertos e montanhas (...), cantai o Senhor da vida que surge do túmulo, mais brilhante que mil sóis. Povos dilacerados pelo mal e atingidos pela injustiça, povos sem lugar, povos mártires, afastai nesta noite os cantores do desespero. O Homem das Dores já não está em cativeiro: abriu uma brecha no muro; apressa-Se a vir ter convosco. Nasça nas trevas o grito inesperado: está vivo, ressuscitou! E vós, irmãos e irmãs, pequenos e grandes (...), vós que estais imersos na fadiga de viver, vós que vos sentis indignos de cantar (...), oxalá uma nova chama atravesse o vosso coração, um frescor novo permeie a vossa voz. É a Páscoa do Senhor, irmãos e irmãs, é a festa dos viventes» (J-Y. Quellec, Deus voltado para norte, Ottignies 1998, 85-86).


Domingo de Páscoa, 31 de março de 2024 ("Urbi et Orbi")

Queridos irmãos e irmãs, Feliz Páscoa!

Hoje ressoa em todo o mundo o anúncio que partiu de Jerusalém há dois mil anos: "Jesus de Nazaré, o crucificado, ressuscitou!" (cf. Mc 16, 6).

A Igreja revive o espanto das mulheres que foram ao sepulcro na madrugada do primeiro dia da semana. O túmulo de Jesus tinha sido fechado com uma grande pedra; e assim, ainda hoje, pedras pesadas, demasiadamente pesadas, fecham as esperanças da humanidade: a pedra da guerra, a pedra das crises humanitárias, a pedra das violações dos direitos humanos, a pedra do tráfico de pessoas e outras. Nós também, como as mulheres discípulas de Jesus, perguntamo-nos uns aos outros: "Quem irá remover estas pedras para nós?" (cf. Mc 16, 3).

E eis a sua descoberta na manhã de Páscoa: a pedra, aquela grande pedra, já havia sido removida. O espanto das mulheres é o nosso espanto: o túmulo de Jesus está aberto e vazio! É aqui que tudo começa. Através desse túmulo vazio passa o novo caminho, o caminho que nenhum de nós, mas somente Deus, poderia abrir: o caminho da vida em meio à morte, o caminho da paz em meio à guerra, o caminho da reconciliação em meio ao ódio, o caminho da fraternidade em meio à inimizade.

Irmãos e irmãs, Jesus Cristo ressuscitou, e somente Ele é capaz de remover as pedras que fecham o caminho para a vida. De fato, Ele mesmo, o Vivente, é o Caminho: o Caminho da vida, da paz, da reconciliação, da fraternidade. Ele nos abre a passagem, algo humanamente impossível, porque somente Ele tira o pecado do mundo e perdoa os nossos pecados. E sem o perdão de Deus, essa pedra não pode ser removida. Sem o perdão dos pecados, não se consegue sair dos fechamentos, dos preconceitos, das suspeitas mútuas e das presunções, que sempre levam a absolver a si mesmo e acusar os outros. Somente o Cristo Ressuscitado, ao dar-nos o perdão dos pecados, abre o caminho para um mundo renovado.

Somente ele nos abre as portas da vida, aquelas portas que fechamos continuamente com as guerras que se alastram pelo mundo. Hoje voltamos nosso olhar, em primeiro lugar, para a Cidade Santa de Jerusalém, testemunha do mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus, e para todas as comunidades cristãs da Terra Santa.

Meu pensamento se dirige, sobretudo, às vítimas dos muitos conflitos em andamento no mundo, a começar pelos que ocorrem em Israel, na Palestina e na Ucrânia. Que o Cristo Ressuscitado abra um caminho de paz para as populações atormentadas dessas regiões. Ao mesmo tempo que convido a que sejam respeitados os princípios do direito internacional, espero que haja uma troca geral de todos os prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia: todos por todos!

Além disso, faço novamente um apelo para que seja garantido o acesso da ajuda humanitária a Gaza e insisto, uma vez mais, na pronta libertação dos reféns sequestrados em 7 de outubro e em um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza.

Não permitamos que as hostilidades em andamento continuem a afetar seriamente a população civil, já exausta, especialmente as crianças. Quanto sofrimento vemos nos olhos das crianças! Aquelas crianças, nas terras onde há guerras, já se esqueceram como se sorri. Com o seu olhar nos perguntam: Por quê? Por que tanta morte? Por que tanta destruição? A guerra é sempre um absurdo, a guerra é sempre uma derrota! Não permitamos que ventos de guerra cada vez mais fortes soprem sobre a Europa e o Mediterrâneo. Não nos rendamos à lógica das armas e do rearmamento. A paz nunca é construída com armas, mas estendendo nossas mãos e abrindo nossos corações.

Irmãos e irmãs, não nos esqueçamos da Síria, que vem sofrendo as consequências de uma guerra longa e devastadora há treze anos. Tantos mortos, pessoas desaparecidas, tanta pobreza e destruição estão esperando por respostas de todos, inclusive da comunidade internacional.

Meu olhar hoje se dirige de modo especial ao Líbano, que há muito tempo vem sendo afetado por um bloqueio institucional e por uma profunda crise econômica e social, agora agravada pelas hostilidades na fronteira com Israel. Que o Senhor Ressuscitado conforte o amado povo libanês e sustente todo o país em sua vocação de ser uma terra de encontro, coexistência e pluralismo.

Dirijo um pensamento especial à região dos Bálcãs Ocidentais, onde estão sendo dados passos significativos para a integração no projeto europeu: que as diferenças étnicas, culturais e confessionais não sejam uma causa de divisão, mas se tornem uma fonte de enriquecimento para toda a Europa e para o mundo inteiro.

Da mesma forma, encorajo as conversações entre a Armênia e o Azerbaijão, para que, com o apoio da comunidade internacional, se possa continuar o diálogo, ajudar os deslocados, respeitar os locais de culto das diferentes denominações religiosas e chegar a um acordo de paz definitivo o mais rápido possível.

Que o Cristo Ressuscitado abra um caminho de esperança às pessoas que, em outras partes do mundo, sofrem com a violência, os conflitos, a insegurança alimentar e os efeitos das mudanças climáticas. Que o Senhor conceda conforto às vítimas de todas as formas de terrorismo. Oremos pelos que perderam suas vidas e imploremos arrependimento e conversão para os autores de tais crimes.

Que o Senhor Ressuscitado ajude o povo haitiano, para que a violência, que derrama sangue e dilacera o País, possa cessar o mais rápido possível e que se possa progredir no caminho da democracia e da fraternidade.

Que Ele dê conforto aos Roingas, afligidos por uma grave crise humanitária, e abra o caminho da reconciliação em Mianmar, dilacerado por anos de conflito interno, a fim de que toda lógica de violência seja definitivamente abandonada.

Que o Senhor abra caminhos de paz no continente africano, especialmente para as populações provadas no Sudão e em toda a região do Sahel, no Chifre da África, na região de Kivu, na República Democrática do Congo, e na província de Cabo Delgado, em Moçambique, e ponha fim à prolongada situação de seca que afeta vastas áreas e causa fome e carestia.

Que o Ressuscitado faça resplandecer a sua luz sobre os migrantes e aqueles que estão passando por dificuldades econômicas, oferecendo-lhes conforto e esperança em seus momentos de necessidade. Que Cristo guie todas as pessoas de boa vontade a se unirem em solidariedade, para enfrentarem juntas os muitos desafios que as famílias mais pobres enfrentam em sua busca por uma vida melhor e pela felicidade.

Neste dia em que celebramos a vida que nos foi dada na ressurreição do Filho, lembremo-nos do amor infinito de Deus por cada um de nós: um amor que supera todos os limites e todas as fraquezas. No entanto, quão frequentemente a preciosa dádiva da vida é desprezada! Quantas crianças não conseguem sequer ver a luz? Quantas morrem de fome, ou são privadas de cuidados essenciais, ou são vítimas de abuso e violência? Quantas vidas são mercantilizadas pelo crescente comércio de seres humanos?

Irmãos e irmãs, no dia em que Cristo nos libertou da escravidão da morte, exorto aqueles com responsabilidade política a não pouparem esforços no combate ao flagelo do tráfico humano, trabalhando incansavelmente para desmantelar suas redes de exploração e trazer liberdade àqueles que são suas vítimas. Que o Senhor console suas famílias, especialmente aquelas que aguardam ansiosamente notícias de seus entes queridos, assegurando-lhes conforto e esperança.

Que a luz da ressurreição ilumine nossas mentes e converta nossos corações, conscientizando-nos do valor de toda vida humana, que deve ser acolhida, protegida e amada.

Feliz Páscoa a todos!


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