Plano de vida de acordo com São Josemaria

São Josemaria chamou de “plano de vida” o conjunto de práticas de piedade e de costumes cristãos, que marcam o dia com momentos dedicados exclusivamente a Deus. O plano de vida ajuda a unificar todos os aspectos da vida cristã porque leva a converter cada um em encontro e pessoal com Deus.

“O convite à santidade, feito por Jesus Cristo a todos os homens sem exceção, requer que cada um cultive a vida interior, que se exercite diariamente nas virtudes cristãs” (AD 3; cfr. F, 440). Essa recomendação, presente em toda a literatura cristã, remete ao convite paulino “Exercita-te na piedade” (Tm 4, 7) e consiste em empregar meios concretos e constantes para impregnar de caridade com Deus cada momento do dia (cfr. CONV, 62).

São Josemaria chamou de “plano de vida” o conjunto de práticas de piedade e de costumes cristãos, que balizam o dia com momentos dedicados exclusivamente ao trato com Deus e às contínuas referências ao Senhor. A expressão, conhecida na literatura espiritual de seu tempo, talvez tenha sido tomada do livro Plano de Vida, publicado em 1909 por São Pedro Poveda, com quem o fundador do Opus Dei manteve uma profunda amizade. Seja como for, São Josemaria fê-la sua e a empregou com frequência.

São Josemaria recomenda ater-se “a um plano de vida, com constância: uns minutos de oração mental; a assistência à Santa Missa – diária, se te for possível – e a comunhão frequente; a recepção regular do Santo Sacramento do Perdão, ainda que a consciência não te acuse de nenhuma falta mortal; a visita a Jesus no Sacrário; a recitação e contemplação dos mistérios do Santo Rosário, e tantas práticas maravilhosas que tu conheces ou podes aprender” (AD, 149). Enumera como “meios necessários para conseguir uma sólida piedade: a frequência de Sacramentos, a meditação, o exame de consciência, a leitura espiritual, o trato assíduo com a Virgem Santíssima e com os Anjos da Guarda” (AD, 18). Estas práticas e costumes que denominou “normas de piedade” procedem do patrimônio espiritual cristão, integrado à própria vida do fundador do Opus Dei.

Além disso, a existência de um plano de vida tem raízes em sua própria biografia. No lar da família Escrivá, era habitual a recepção dos sacramentos da Eucaristia e da Penitência, a recitação diária do Terço, a devoção à Virgem Maria e a recitação de orações vocais ao levantar-se ou ao deitar-se (cfr. AVP, I, p. 27, nt 35; pp.31-32, 92-93). Tendo vislumbrado a vocação divina em 1917 ou 1918, começou a ir frequentemente à Missa e a receber a Comunhão e intensificou o costume de fazer atos de desagravo (cfr. Echevarria, 2000, p. 115). A passagem pelos Seminários de Logronho e Saragoça documenta a sólida piedade com que São Josemaria vivia as práticas estabelecidas – momentos de meditação pessoal, leitura espiritual e exame de consciência, um dia de recolhimento mensal e o retiro – e as devoções que acrescentava, como a recitação de todas as partes do Rosário, horas de adoração diante do Sacrário ou de oração diante de uma imagem da Virgem, a consideração da Paixão do Senhor e o exercício da Via Sacra (cfr. AVP, I, pp. 58,97, 111-112, 126-130, 152, 165).

1.Importância do plano de vida

O plano de vida tende a unificar todos os aspectos da existência cristã porque ajuda a converter cada um em encontro e diálogo pessoal com Deus. A própria referência a um plano evoca uma organicidade, que significa a determinação de meios e atividades precisas, hierarquizadas para obter um fim, que é a efetiva união com Deus. Todas as partes que o compõem apoiam-se mutuamente, contribuindo para o desenvolvimento vital da vida espiritual, porque todas convergem para o mesmo fim: a unidade de vida própria de quem se sabe sempre filho de Deus e é contemplativo na vida cotidiana.

“Quem deseja lutar, serve-se dos meios adequados. E os meios não mudaram nestes vinte séculos de cristianismo: oração, mortificação e frequência de Sacramentos”. (cfr. ECP, 78). O núcleo do plano de vida no ensinamento de São Josemaria é constituído pelo Santo Sacrifício da Missa, “centro e raiz da vida espiritual do cristão” (cfr. ECP,87; F, 69). Junto à Eucaristia encontra-se a Penitência, para encontrar o perdão de Deus frente aos próprios erros e a graça para superá-los. Os Sacramentos são acompanhados pelo diálogo pessoal com o Senhor nos momentos de oração mental, a leitura do evangelho e de algum livro de espiritualidade, o exame de consciência e o trato assíduo com Nossa Senhora, através da recitação do Terço e do Angelus diariamente e da Salve Rainha aos sábados. São Josemaria aconselha também dedicar um dia por mês e vários dias todos os anoa para intensificar o trato com Deus na realização de um dia de recolhimento mensal e de um retiro anual.

São Josemaria descrevia a vida cristã como um entretecer-se da realidade cotidiana com a graça: “há uma única vida, feita de carne e espírito, e é essa que tem que ser – na alma e no corpo – santa e cheia de Deus – a esse Deus invisível, nós o encontramos nas coisas mais visíveis e materiais” (CONV, 114). Por isso ele previu a existência de normas de sempre, assim chamadas porque, tendo como fim converter cada realidade em ocasião de diálogo contínuo com Deus, não estão necessariamente vinculadas a um momento preciso. A presença de Deus é a atitude de resposta permanente em quem se sabe olhado a todo instante por seu Pai Deus, e se nutre de breves orações vocais ou jaculatórias: invocações em ação de graças por seus benefícios, atos de desagravo pelas ofensas próprias e alheias, petição de ajuda e oferecimento da atividade profissional, familiar ou social. Considerava também como elementos chave do plano de vida virtudes ou comportamentos que tornam possível santificar as tarefas e a vida diária. Neste sentido, e tendo em conta que a santificação do trabalho é o núcleo de sua espiritualidade, é significativo o seu ensinamento de que o trabalho é também encontro com Deus: ”a arma do Opus Dei não é o trabalho: é a oração. Por isso convertemos o trabalho em oração, e temos alma contemplativa” (Del Portillo, 1993, pp.50-51; cfr. Sulco, 497).

O cumprimento do plano de vida constitui, certamente, só um meio, mas indispensável porque torna constante e efetiva a união com Deus em que consiste a santidade. Na proposta da vocação como caminho de seguimento de Cristo, que cada um deve percorrer pessoalmente, São Josemaria descreve as normas do plano de vida como sinalizadores que indicam a rota em qualquer circunstância propícia ou adversa: “Tens de ser constante e exigente nas tuas normas de piedade, também quando estás cansado ou se tornam áridas. Persevera! Esses momentos são como as estacas altas, pintadas de vermelho, que, nas estradas de montanha, quando chega a neve, servem de ponto de referência e indicam sempre onde está o caminho seguro”. (F, 81; cfr. AD, 151). Os pontos deCaminho dedicados ao plano de vida acham-se no capítulo “Direção”, local que indica que junto ao plano de vida, a direção espiritual é um meio principal de que se vale o Espírito Santo para conduzir as almas à sua meta definitiva (cfr. CECH, p. 267).

2.Espírito do plano de vida

Na raiz do seu esmero por viver com intensidade os encontros com o Senhor que o plano de vida supõe, e em suas recomendações para vivê-lo, está a convicção de que o sentido desses atos é o amor que se tem ao praticá-los: ”A vida interior robustece-se com a luta nas práticas diárias de piedade, que deves cumprir – mais: que deves viver! – amorosamente, porque o nosso caminho de filhos de Deus é de Amor” (F, 83). “Em cada dia, deves fazer tudo o que possas para conhecer a Deus, para manter um ‘trato’ íntimo com Ele, para te enamorares mais d’Ele em cada instante e não pensares senão no seu Amor e na sua glória. Cumprirás este plano, filho, se não abandonares – por nada! – os teus tempos de oração, a tua presença de Deus (com jaculatórias e comunhões espirituais, para te inflamares), a tua Santa Missa pausada, o teu trabalho bem acabado por amor d’Ele” (F, 737; cfr. AVP, I, p. 276; Echevarria, 2000, pp. 194-196). Em suma, o plano de vida é ao mesmo tempo alimento e expressão do amor de Deus que deve preencher a alma do cristão, e que o afasta de qualquer cumprimento monótono ou rotineiro, que ele qualificava como “sepulcro da piedade” (AD, 150; cfr. C, 77).

Na homilia A relação com Deus, publicada em Amigos de Deus, São Josemaria indica que o cumprimento do plano de vida, assim como, por outro lado, toda a existência do cristão, deve estar impregnada do espírito de filiação divina. Exorta todos a viver com esse sentido filial, a dirigir-se a Deus como Pai, e abandonar-se nele confiadamente, como um filho pequeno, esforçando-se em imitar e identificar-se com Jesus Cristo em sua total entrega à Vontade do Pai. A vida filial manifesta-se igualmente na simplicidade de apresentar a Deus todas as realidades cotidianas, com seus êxitos e fracassos, preocupações e alegrias.

Quem se sabe pequeno diante de seu Pai Deus, e dependente dele, vive também a virtude da humildade. No aspecto que estamos considerando, concretiza-se em oferecer a Deus pequenos atos constantes de piedade e assim realizar bem e com espírito de serviço o trabalho diário: “"A verdade é que não é preciso ser nenhum herói – confessas-me – para, sem excentricidades nem afetações de carola, saber isolar-se quando for necessário segundo os casos... e perseverar". E acrescentas: "Desde que cumpra as normas que me deu, não me preocupam as intrigas e complicações do ambiente; o que me assustaria era ter medo dessas insignificâncias". - Magnífico!” (C, 986; cfr. AD, 150).

Da importância primordial do plano de vida, praticado assim, deriva a constância com que se deve perseverar no seu cumprimento, antepondo-o a qualquer outro dever, sempre, claro, sem detrimento do que pede a caridade e sem rigidez, aflições ou inquietações.

A partir da sua própria experiência, e da de tantas outras almas, São Josemaria constatou a variedade das etapas do caminho da vida interior, e a presença de dificuldades de tipos muitos variados. Diante dessas circunstâncias recordava a necessidade de manifestar sempre com atos concretos o amor a Deus: “Há primaveras e verões, mas também chegam os invernos, dias sem sol e noites órfãs de lua. Não podemos permitir que a relação com Cristo dependa do nosso estado de humor, das alterações do nosso caráter. Essas atitudes delatam egoísmo, comodismo, e evidentemente não se conciliam com o amor” (AD, 151). Este convite à perseverança e à generosidade leva a não desanimar no empenho por causa das dificuldades, como o excesso de trabalho, a aridez interior ou a doença.

No contexto da sua mensagem de divulgar a chamada universal à santidade no meio do mundo, São Josemaria levou em consideração o fato de que o plano de vida haveria de ser vivido por pessoas de situações muito variadas e em todas as circunstâncias. Exigência essa que requer flexibilidade para adaptá-lo às próprias necessidades: “Não devem converter-se em normas rígidas, numa espécie de compartimentos estanques; marcam um itinerário flexível, ajustado à tua condição de homem que vive no meio da rua, com um trabalho profissional intenso e uns deveres e relações sociais que não deves descurar, porque nesses afazeres prossegue o teu encontro com Deus. O teu plano de vida tem de ser como essa luva de borracha que se adapta com perfeição à mão que a usa” (AD, 149; cfr. AD, 137).

A flexibilidade para viver o plano de vida diz respeito ao tempo e lugar em que se cumpre. Daí que aconselhasse a estabelecer um horário com paz e ordem, sabendo que todo momento é bom para Deus. E qualquer lugar é também adequado para que o cristão, filho de Deus e templo do Espírito Santo, dialogue com Ele “procurando-o no centro de tua alma” (F, 538); sem esquecer, no entanto, que o lugar (igreja, capela, oratório, etc.) onde se acha reservado o Santíssimo é o espaço privilegiado, porque lá se encontra Jesus Cristo sacramentalmente presente.

Em suma, São Josemaria nunca indicou um método preciso para fazer oração, preferindo deixar as pessoas em total liberdade para falar com Deus do modo que considerassem mais adequado para a própria situação, mas indicou um caminho no qual sobressaem dois princípios orientadores: a filiação divina e o amor que leva a ter em consideração os pormenores.

Bibliografia

Ad, 149-153; CECH, pp. 287-289; Eduardo Camino, “El plan de vida en las enseñanzas del Beato Josemaria”, em José Luis Illanes et al., El cristiano en el mundo. En el centenario del nacimiento del Beato Josemaria Escrivá (1902-2002). XXIII Simposio Internacional de Teologia de la Universidad, de Navarra, Pamplona, EUNSA, 2003, pp. 523-533; Javier Echevarría, Memoria del beato Josemaria. Entrevista con Salvador Bernal, Madri, Rialp, 2000; Victor García Hoz, ( coord. ), “Sobre la pedagogia de la luchaascética en Camino” en José Morales (coord.), Estudios sobre Camino, Madri, Rialp, 1989, pp. 181-211; Irénée Noye, Piété, en DSp, XII/2, 1986, cols. 1725-1743; Álvaro del Portillo, entrevista sobre el fundador del Opus Dei, Madri, Rialp, 1993.

Elena ÁLVAREZ.

“Plano de vida”, do Diccionario de San Josemaria Escrivá de Balaguer