Os "maus bocados"

Doença, dificuldades, aborrecimentos passageiros ou preocupações duradoiras... Os maus bocados são uma experiência comum, podemos santifica-los?,São ocasião ou obstáculo na vida de um cristão?

Aproveitar a bonança

Por ora, a maioria de vós é jovem; atravessa essa fase formidável de plenitude de vida que transborda de energias. Mas o tempo passa, e inexoravelmente começa a notar-se o desgaste físico. Vêm depois as limitações da maturidade e, por último, os achaques da ancianidade. Além disso, qualquer um de nós pode ficar doente em qualquer momento ou sofrer algum transtorno corporal.
Só se aproveitarmos com retidão - cristãmente - as épocas de bem-estar físico, os tempos bons, é que aceitaremos também com alegria sobrenatural os eventos que a gente erradamente considera maus. Sem descer a demasiados pormenores, desejo transmitir-vos a minha experiência pessoal.
Enquanto estamos doentes, podemos ser maçantes: Não me atendem bem, ninguém se preocupa comigo, não cuidam de mim como mereço, ninguém me compreende... O demônio, que anda sempre à espreita, ataca por qualquer flanco; e, na doença, a sua tática consiste em fomentar uma espécie de psicose que afaste de Deus, que azede o ambiente ou que destrua esse tesouro de méritos que, para bem de todas as almas, se alcança quando se assume com otimismo sobrenatural - quando se ama! - a dor. Portanto, se é vontade de Deus que sejamos atingidos pelas farpas da aflição, encarai-o como sinal de que Ele nos considera amadurecidos para nos associar mais estreitamente à sua Cruz redentora.

Amigos de Deus, 124

S. Josemaria rezava uma oração: "Meu Senhor e meu Deus : nas tuas mãos abandono o passado, o presente e o futuro, o pequeno e o grande, o pouco e o muito, o temporal e o eterno."

Se se pode, evitá-los

Vais chapinhando nas tentações, pões-te em perigo, brincas com a vista e com a imaginação, ficas conversando sobre... estupidez. - E depois te assustas por te assaltarem dúvidas, escrúpulos, confusões, tristeza e desalento. - Tens de admitir que és pouco consequente.

Sulco, 132

Se a imaginação ferve em torno de ti mesmo, crias situações ilusórias, cenários que, ordinariamente, não combinam com o teu caminho, e te distraem totalmente, te esfriam e te afastam da presença de Deus. - Vaidade. Se a imaginação volteia em torno dos outros, cais facilmente no defeito de julgá-los - quando não tens essa missão -, e interpretas de modo rasteiro e pouco objetivo o seu comportamento. - Juízos temerários. Se a imaginação esvoaça sobre os teus próprios talentos e modos de dizer, ou sobre o clima de admiração que despertas nos outros, expões-te a perder a retidão de intenção e a dar pasto à soberba. Geralmente, soltar a imaginação implica uma perda de tempo, mas, além disso, quando não se domina, abre passagem a um filão de tentações voluntárias. - Não abandones nenhum dia a mortificação interior!

Sulco, 135

Enfrentá-los com o Senhor

A alegria, o otimismo sobrenatural e humano, são compatíveis com o cansaço físico, com a dor, com as lágrimas - porque temos coração -, com as dificuldades na nossa vida interior ou na tarefa apostólica.
Ele, "perfectus Deus, perfectus Homo" - perfeito Deus e perfeito Homem -, que tinha toda a felicidade do Céu, quis experimentar a fadiga e o cansaço, o pranto e a dor..., para que entendêssemos que ser sobrenatural pressupõe ser muito humano.

Forja, 290

Olha o que me escreviam há tempos, e que conservei pensando em alguns que consideram ingenuamente que a graça prescinde da natureza: “Padre, desde há alguns dias, estou com uma preguiça e uma apatia tremendas, para cumprir o plano de vida; faço tudo para que passe logo esta crise, que me faz sofrer muito pensando em que pode desviar-me do caminho”. - Limitei-me a responder: não sabias que o Amor exige sacrifício? Lê devagar as palavras do Mestre: “Quem não toma a sua Cruz "cotidie" - cada dia - não é digno de Mim”. E mais adiante: “Não vos deixarei órfãos...”. O Senhor permite essa tua aridez, que se torna tão dura para ti, para que O ames mais, que confies somente nEle, para que com a Cruz sejas corredentor, para que O encontres.

Sulco, 149

Comentavas-me, ainda indeciso: - Como se notam esses tempos em que o Senhor me pede mais!
Só me ocorreu recordar-te: - Garantias-me que a única coisa que querias era identificar-te com Ele; então, por que resistes?

Forja, 288

Dá-me, Jesus, uma Cruz sem cireneus. Digo mal: a tua graça, a tua ajuda far-me-á falta, como para tudo o mais; sê Tu o meu Cireneu. Contigo, meu Deus, não há prova que me assuste...
- Mas, e se a Cruz fosse o tédio, a tristeza? - Eu te digo, Senhor, que, Contigo, estaria alegremente triste.

Forja, 252

Zangas

Serenidade. - Por que te zangas, se zangando-te ofendes a Deus, incomodas os outros, passas tu mesmo um mau bocado... e, por fim, tens de acalmar-te?

Caminho, 8

Se alguém diz que não pode agüentar isto ou aquilo, que lhe é impossível calar-se, está exagerando para se justificar. É preciso pedir a Deus força para saber dominar o capricho, graça para ter o domínio de si próprio, porque os perigos de uma zanga são estes: perde-se o controle e as palavras se enchem de amargura, chegando a ofender e, embora sem querê-lo, a ferir e a causar mal.
É necessário aprender a calar, a esperar e a dizer as coisas de modo positivo, otimista. Quando ele se zanga, é o momento de ela ser especialmente paciente, até chegar de novo a serenidade; e vice-versa. Se há afeto sincero e preocupação por aumentá-lo, é muito difícil que os dois se deixem dominar pelo mau-humor no mesmo instante...
Outra coisa muito importante: devemos acostumar-nos a pensar que nunca temos toda a razão. Pode-se dizer, inclusive que , em assuntos desses, ordinariamente tão opináveis, quanto mais de certeza temos de possuir toda a razão, tanto mais certo é que não a temos. Discorrendo deste modo, torna-se depois mais fácil retificar e, se for preciso, pedir perdão, que é a melhor maneira de acabar com uma zanga. Assim se chega à paz e à ternura. Não animo ninguém a brigar, mas é natural que briguemos algumas vezes com aqueles de quem mais gostamos, porque são os que habitualmente vivem conosco. Afinal não se briga com o Preste João das Índias (O preste João das Índias é o nome atribuído desde a Idade Média a um rei ou sacerdote lendário, que os diplomatas e aventureiros europeus andaram procurando desde o século XI. ,O seu nome ficou como símbolo de personagem irreal, conservando-se na língua espanhola como sinônimo de “ninguém”. No texto, por conseguinte, o autor quer dizer: “afinal, é preciso alguém para brigar”...). Portanto, essas pequenas zangas entre os esposos, se não são freqüentes — e é preciso procurar que não o sejam — , não demonstram falta de amor e podem mesmo ajudar a aumentá-lo.
Um último conselho: não briguem nunca diante dos filhos. Para conseguir isso, basta porem-se de acordo com um olhar, com um gesto. Depois discutirão, com mais serenidade, se não forem capazes de evitá-lo. A paz conjugal deve ser o ambiente da família, porque é condição necessária para uma educação profunda e eficaz. Que os filhos vejam em seus pais um exemplo de entrega, de amor sincero, de ajuda mútua, de compreensão, e que as ninharias da vida diária não lhes ocultem a realidade de um afeto que é capaz de superar seja o que for.
Às vezes nos tomamos muito a sério. Todos nos aborrecemos de quando em quando: umas vezes porque é necessário, outras porque nos falta espírito de mortificação. O que importa é demonstrar que esses aborrecimentos não quebram o afeto, e restabelecer a intimidade familiar com um sorriso. Numa palavra: que marido e mulher vivam amando-se um ao outro e amando os filhos, pois assim amam a Deus.

Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, 108

A solução é amar. O Apóstolo São João escreve umas palavras que me tocam muito: "Qui autem timet, non est perfectus in caritate". Eu o traduzo assim, quase ao pé da letra: quem tem medo não sabe amar.
- Portanto tu, que tens amor e sabes amar, não podes ter medo de nada! - Para a frente!

Forja, 260

Nunca estamos sós

«Necessito da tua ajuda: que nem o mais pequeno dos teus maus bocados seja estéril: oferece-o pela Obra. Que a tua oração e a tua vida toda –com uma particular Comunhão dos Santos– participe da oração e do viver dos nossos”

Carta de S. Josemaria Escrivá a Alejandro de la Sota, Burgos 5-III-1938.

Vivei entre vós uma particular Comunhão dos Santos. E cada um sentirá, à hora da luta interior, e à hora do trabalho profissional, a alegria e a força de não estar só

Caminho, 545

Hoje, pela primeira vez, tiveste a sensação de que tudo se tornava mais simples, de que tudo se “descomplicava” para ti: viste finalmente eliminados problemas que te preocupavam. E compreendeste que estariam mais e melhor resolvidos quanto mais te abandonasses nos braços de teu Pai-Deus.
Que estás esperando para te comportares sempre - este há de ser o motivo do teu viver! - como um filho de Deus?

Forja, 226

Dirige-te à Virgem Maria - Mãe, Filha, Esposa de Deus, Mãe nossa -, e pede-lhe que te obtenha da Trindade Santíssima mais graças: a graça da fé, da esperança, do amor, da contrição, para que, quando na vida parecer que sopra um vento forte, seco, capaz de estiolar essas flores da alma, não estiole as tuas..., nem as dos teus irmãos.

Forja, 227