Na arte o homem encontra o mistério da vida

Hans Thomas, Director do Lindenthal-Institut, Colónia, Alemanha

Um dos aspectos centrais da mensagem de São Josemaria refere-se à santificação do trabalho. Como pode aplicar-se este aspecto ao âmbito concreto da arte?

Qualquer trabalho humano é uma participação do poder criador de Deus. Mas este facto é especialmente patente na criação artística. A arte brota necessariamente de uma atividade contemplativa e por isso implica sempre uma visão do mundo. E comunica-a aos outros. Ao contemplar as pinturas primitivas das grutas de Lascaux, um autor distante da fé cristã, Georges Bataille, escreveu que o homem chegou a ser homem não tanto como “homo faber”, mas como “homo artifex”, porque na arte reflete o que pensa sobre a morte, enfrenta-se com o mistério da vida. Na sua “Carta aos artistas “o Papa João Paulo II escreve que na “criação artística” o homem revela-se mais do que nunca “imagem de Deus” exercendo um domínio criativo sobre o universo que o rodeia”. Aplica-se também, contudo, a máxima “corruptio optimi pessima”.

E como influiu a figura do fundador do Opus Dei na vida dos artistas com quem trabalhou?

De diversos modos e, por assim dizer, em diferentes níveis: primeiro na sua vida interior. São coisas de intimidade, só acessíveis pelo testemunho, mas com efeitos num segundo nível: o dos comportamentos e da atuação face ao que se faz. Penso que São Josemaria ajudou muitos artistas a perceberem que Deus os eleva a participarem na Sua obra criadora e redentora, de modo que o seu trabalho profissional de artista se converte num lugar onde encontrar Deus, uma matéria para santificar e um meio para se santificar a si mesmo e aos outros. Assim o pregou desde os inícios da sua vida sacerdotal.

Algumas tendências filosóficas levam a pensar que só se pode ser livre à margem de qualquer norma externa. Como pode, então, o artista conciliar a liberdade artística com a fé?

Antes de falar de fé, conto-lhe um caso recente sucedido na minha galeria de arte: tive duas exposições de obras abstratas de uma pintora e de um desenhador. Até há pouco, ambos se dedicavam a ‘pintura gestual’. De repente, houve uma viragem na sua carreira e os dois sujeitaram-se a um ordenamento muito estrito, quase matemático nos seus quadros. A força desses quadros, que expusemos na galeria, não tinha diminuído, ao contrário, tinha aumentado. Nem ela nem ele me podiam dizer o que tinha sucedido. Não tinha a ver com a religião, disso estou certo. Em temos gerais parece-me que falar de liberdade da arte no sentido de pura “espontaneidade” e “independência de qualquer norma” é uma ideia sem demasiado futuro. Tenho a impressão de que aquelas tendências filosóficas têm uma ideia muito particular e errônea da fé. Se se entender a fé como uma série de limites e restrições, ela será efetivamente fonte de pouca inspiração artística. É um problema de conceitos, não de fé. É preciso esclarecer que a fé é amor.

Num mundo que procura a todo o custo o sucesso e em que o único motor parece ser o dinheiro, como consegue o artista manter a sua própria independência?

Com ascetismo. Requer sacrifícios, desprendimento.

Que influência tem sobre a arte em geral e sobre os artistas em particular a difícil situação mundial que estamos a viver?

Parece-me fora de contexto considerar que a arte tenha de reproduzir os problemas que o mundo ou a sociedade atravessam num momento preciso. Caiu-se nesse erro, na minha opinião, nos anos sessenta e setenta com o lema “arte comprometida”. Essa corrente esquecia, na minha opinião, a liberdade da arte. Os artistas devem recordar, se bem que com referências a circunstâncias da época, a condição humana intemporal e a realidade do mundo para além das querelas do momento. Daí a sua contribuição para as superar. A verdadeira arte transcende o histórico. A sua perspectiva tende para o eterno.

Que contribuição um artista cristão pode dar ao mundo?

O desafio dos artistas cristãos exige perder o medo da pressão do ambiente, firmar-se profundamente no seu passado sem o reproduzir, ouvir os seus colegas e aprender o melhor dos não crentes (como fez São Tomás de Aquino no plano filosófico), entusiasmar-se por aquilo que lhes está confiado, e trabalhar muito ‘com abnegação desprendidos do êxito do momento’.