O fundador do Opus Dei em São Paulo

São Josemaria Escrivá esteve no Brasil em 1974. Foram 15 dias de encontros com muitas pessoas, lições de vida espiritual e conselhos para amar mais a Deus. Entre estas atividades, tinha que fazer algumas caminhadas, em que aproveitava para conhecer a cidade de São Paulo. O episódio narrado aqui ocorreu num destes passeios.

A cobra e o rato branco

Mons. Escrivá, por prescrição médica, tinha que andar a bom passo uma hora diária. Para amenizar esse dever, que a repetição podia tornar monótono, nos primeiros dias de sua visita ao Brasil, entre maio e junho de 1974, procurou-se que fizesse a caminhada em lugares amenos e interessantes de se conhecer.

Para o dia 30 de maio, foram escolhidos os jardins do Instituto Butantã, ao lado da Cidade Universitária. Andando e conversando, podiam contemplar os serpentários, as amplas fossas onde se misturam cobras de todo tipo. Perto de um desses lacus, uma edícula com formato de quiosque mostrava em suas quatro faces o que poderíamos chamar de “flats privativos” de algumas cobras. Através de um vidro de segurança, o espectador podia contemplar lá um réptil interessante.

Um desses flats chamou a atenção dos caminhantes. Repousava nele, perfeitamente imóvel, uma gorda serpente cascavel. No mesmo local, estava evolucionando, na maior paz, um ratinho branco. Ora erguia a cabeça, mostrando a ponta rosácea do nariz a tremular, ora farejava a um canto, ora iniciava um surto de corrida e ia passando tranquilo, uma e outra vez, por cima da cobra. Confiante demais, subiu no corpo da cobra e aproximou-se da cabeça do “bicho mau”. Foi fulminante. Numa investida rapidíssima, a cascavel abocanhou-o, e a aventura do ratinho terminou ali. Como nas fábulas clássicas.

São Josemaria tinha observado atentamente a cena. Quando aconteceu o desfecho previsível, só comentou com pena: – Ele pediu! (Se lo ha buscado!).

No dia 30 de maio de 1974, São Josemaria Escrivá fez uma caminhada pelos jardins do Instituto Butantan, onde "assistiu" o trágico fim de um ratinho...

Mais adiante, evocando o episódio, extraiu dele o simbolismo espiritual, aplicando-o a atitude lamentável do “pobre cristão, que luta, luta, mas não sabe fugir da ocasião…”. Cristãos de boa vontade, que não se decidem a esforçar-se por melhorar, por vencer erros, pecados e defeitos e por adquirir virtudes; cristãos que sempre ficam na gangorra do cai-levanta e volta-a-cair, e que não conseguirão livrar-se dessa perigosa ambiguidade enquanto não tiverem a coragem (ou a sinceridade) de se afastar das pessoas ou circunstâncias que os levam a claudicar, e a ser abocanhados pela cobra da preguiça, da desordem, do mau humor, da maledicência, do rancor, do ódio, da sensualidade sempre à espreita, da tentação de trocar o dever familiar por uma sonolência de cascavel saciada perante a TV… Não pode haver vida cristã sem luta.

Nesse mesmo dia, 30 de maio, não sei se por causa do ratinho, São Josemaria falou à tardinha, a um grupo de estudantes, da necessidade de lutar. Animava-os: “Eu tenho que lutar como vocês. Da mesma forma! Experimento as mesmas paixões, as mesmas más inclinações. E tenho também – como vocês, como todos os homens – uma chamada de Deus. Há algo de grande, de nobre, de divino, que me diz: porta-te bem, vence-te a ti mesmo, procura servir os outros e trabalhar com o pensamento voltado para o bem de todos…”.

Meus filhos, estamos no mundo para não sair do mundo. Nosso Senhor quer que fiquemos no meio da rua…

Não era a primeira vez que falava de luta, naqueles dias. Numa das primeiras reuniões com rapazes, uma daquelas tertúlias familiares em que o diálogo se tornava logo confiante e cálido, o Padre começou assim: – Meus filhos, estamos no mundo para não sair do mundo. Nosso Senhor quer que fiquemos no meio da rua…

De ouvido atento, os assistentes compreendiam que queria aquecer em seus corações o ideal da santidade no meio do mundo, através do trabalho profissional e dos deveres cotidianos do cristão, esse grande ideal que Deus quis proclamar por todas as encruzilhadas da terra por intermédio de São Josemaria e do Opus Dei. Mons. Escrivá continuava:

– “Dizia que estamos no meio da rua. O Senhor quer que estejamos no mundo e que o amemos, sem sermos mundanos. O Senhor quer que permaneçamos neste mundo – que agora está tão agitado, onde se ouvem clamores de luxúria, de desobediência, de rebeldias que não levam a parte nenhuma –, para ensinarmos as pessoas a viver com alegria. As pessoas estão tristes. Fazem muito barulho, cantam, dançam, gritam, mas soluçam. No fundo do coração só têm lágrimas: não são felizes, são desgraçados. E o Senhor, a vocês e a mim, nos quer felizes”.

O Padre pronunciava essa última palavra –“felizes” – dando ênfase a cada sílaba. Era como erguer a bandeira da alegria que todos, na vida, queremos seguir. Todos queremos ser felizes. E, logo a seguir, o “segredo”:

– “Seremos felizes se lutamos e vencemos. Cada um de nós tem uma experiência pessoal, como eu a tenho. Cada um de vocês sabe que, todos os dias, há uma porção de batalhas”.

E, como São Josemaria tinha a experiência de que as ideias só valem quando são sangue e vida, acrescentou: “Sei que todos vocês estão decididos a lutar. Sei que nenhum de vocês é covarde, que todos são valentes, que não têm medo…”.

Pouco depois, em diálogo com um estudante, completou: “Eu, que sou menos jovem, tenho que lutar igual a você… Mas, não se iluda, não se imagine vitorioso. Será vitorioso se contar com Deus, se for humilde. Senão, irá para o chão. E eu também. No entanto, é preciso lutar, não há outro remédio. E por que é preciso lutar? Por amor. Nós estamos apaixonados…”.

Padre Francisco Faus

publicado em http://www.padrefaus.org/