O compromisso dos cristãos no mundo da comunicação: considerações a partir dos ensinamentos de S. Josemaria

Uma reflexão acerca da importância dos meios de comunicação na sociedade atual. Os dois aspectos (formativo e informativo) dos meios de comunicação são tema de pregação e de reflexão sempre presente nos ensinamentos de São Josemaria Escrivá.

1. As “tecnologias da palavra” e a Boa Nova

A história das tecnologias da comunicação é muito mais longa do que à primeira vista pensamos: habitualmente não nos damos conta, mas até a própria escrita surgiu como um primeiro meio de comunicação e já é, de algum modo, uma tecnologia.

Falar da escrita como uma primeira "tecnologia da comunicação" pode, na minha opinião, ajudar-nos a limpar o terreno de posturas extremistas na apreciação dos meios de comunicação atuais, incluindo os mais poderosos e com maior difusão como são o cinema, a rádio, a televisão ou a internet. O homem tem, desde há séculos, de se ocupar das tecnologias da comunicação (pense-se, por exemplo, na revolução cultural que a imprensa representou, com os seus caracteres móveis e a possibilidade de difusão massiva de livros e de jornais) e para nós, como cristãos, o problema que se coloca é, de algum modo, radical: em primeiro lugar, temos de ser cristãos sem fissuras, também quando usamos estes meios, quer como utilizadores quer como autores. Depois, é necessário refletir e adquirir consciência de como estes meios estão mudando ou mudaram não só o nosso modo de ver o mundo e de pensar, mas também a difusão das opiniões e das "notícias". Para nós, para quem a comunicação da "Boa Nova" é um compromisso fundamental, entender como e por quem são hoje difundidas as "notícias" é uma tarefa crucial. Não é uma casualidade que, numa encíclica dedicada ao mandato missionário permanente da Igreja, João Paulo II tenha escrito: “O primeiro areópago dos tempos modernos é o mundo da comunicação, que está a unificar a humanidade e a transformá-la – como se costuma dizer – numa "aldeia global". Os meios de comunicação social alcançaram tal importância que para muitos são o principal instrumento informativo e formativo, de orientação e inspiração para os comportamentos individuais, familiares e sociais”[1].

Estes dois aspectos (formativo e informativo) são tema de pregação e de reflexão sempre presente nos ensinamentos de São Josemaria Escrivá. Por um lado, insiste na responsabilidade que o cristão tem de viver uma vida totalmente coerente com o seu Batismo, sem a dividir em compartimentos estanques. Por outro lado, recorda o compromisso apostólico, a necessidade de dar testemunho e de “catequizar” com todos os meios à nossa disposição: “o nosso dever é dar doutrina sempre, em toda a parte e com todos os meios”[2].

Por este motivo, em minha opinião, São Josemaria conseguiu expor com grande clareza o caminho dos cristãos comprometidos com o mundo dos meios de comunicação (dimensão que, como veremos, é de certo modo tarefa de todos); não só com os seus ensinamentos específicos relativamente ao que ele chamava “o apostolado da opinião pública”, mas de um modo geral com os seus ensinamentos sobre a vocação cristã, sobre o chamamento à santidade dirigido a cada um, sobre a importância de fazer apostolado em todas as circunstâncias e com todos os meios e especialmente sobre o sentido da filiação divina que tem de impregnar a vida de cada cristão. O fato de ser filho de Deus em Cristo, de ser, de algum modo, herdeiro do Reino e partícipe do senhorio de Cristo sobre a criação, leva o cristão a afastar qualquer sintoma de inferioridade, a sentir-se como em sua casa em todos os ambientes humanos, também nos ambientes aparentemente mais difíceis ou que parecem hoje – por vários motivos, frequentemente por circunstâncias históricas – mais afastados de Cristo.

Nas considerações seguintes não me deterei a comentar detalhadamente ou a sistematizar os textos de São Josemaria sobre o apostolado da opinião pública – questão que exigiria um estudo bastante mais extenso que este breve ensaio[3] – tentarei, antes, alinhavar algumas reflexões básicas sobre a influência dos meios de comunicação social (em particular da televisão e do cinema) na sociedade contemporânea. Para tanto, citarei alguns argumentos recorrentes na pregação do fundador do Opus Dei, concretamente sobre a orientação da vida moral e espiritual do cristão. Procurarei deixar clara a disposição intelectual com que São Josemaria abordava e pedia que se abordassem os diversos e múltiplos problemas que se apresentam nos meios de comunicação em relação com a vida do cristão. Deste modo, como é óbvio, não pretendemos expor os ensinamentos de São Josemaria sobre este assunto de modo exaustivo, nem tão pouco que o nosso seja o único modo de interpretá-los.

Obviamente, como contexto, existem também os textos do Magistério relativos aos meios de comunicação[4], mas também aqui adotaremos de novo uma abordagem mais geral dos problemas, em certo sentido mais eclesiológica ou de moral e pastoral geral, do que estritamente específica e própria das comunicações sociais.

2. A evolução das tecnologias

Para captar as verdadeiras dimensões do problema, pode ser útil considerar novamente que também um livro, assim como um manuscrito da época romana antiga, é uma "tecnologia da palavra". As mudanças que a introdução da escrita provocou na organização do pensamento e nas formas da nossa comunicação são muito relevantes e têm sido objeto de estudos sugestivos e profundos por parte de autores do séc. XX, entre eles, por exemplo, o jesuíta Walter J. Ong[5]. Séculos da civilização do livro familiarizaram-nos com a existência desta tecnologia; todos aceitam hoje que se escrevam livros para difundir uma mensagem, ou que se utilizem revistas, por exemplo, ou escritos: nunca ninguém se lembrou de censurar S. Paulo por ter redigido cartas, como se S. Paulo tivesse querido subestimar a relação pessoal (Jesus, pelo contrário, como é bom recordar, não escreveu nada).

Poucos são os que sentem necessidade de lembrar a algum autor de livros, que “o essencial é a convivência pessoal”. Os livros – a começar pela própria Sagrada Escritura – foram importantíssimos para a evangelização ao longo da história da Igreja, e nunca ninguém no catolicismo propôs seriamente substituir a confissão por uma carta, ou a participação na Santa Missa pela leitura de um livro. Obras, como as de Sto. Agostinho, São Tomás, Sta. Teresa, São João da Cruz, Sto. Afonso Maria de Ligório, Sta. Teresa do Menino Jesus, etc., fizeram um bem imenso à cristandade.

No que se refere aos meios mais modernos (rádio, televisão, cinema, internet) talvez seja necessário um século ou dois para os incorporar de modo “natural” na vida dos cristãos. Possivelmente, estamos ainda na primeira época, plena de perplexidade; uma época em que alguns acreditam demasiado no poder dos meios de comunicação de massa, enquanto outros o subestimam excessivamente. O resultado é um movimento pendular entre o medo e a exaltação, entre o impulso "salvador" e o ceticismo radical.

Por outras palavras, tenho a impressão de que ainda estamos numa fase de difícil assimilação, de tentativas de "aproximação", de "testar" os novos meios.

Por um lado, alguns setores do mundo protestante (especialmente na América) usam a televisão de modo habitual, estratégico, e – pelo menos se se considerarem os resultados humanos – com certa eficácia. No âmbito católico, após o papel desempenhado por pessoas como Fulton J. Sheen, cujos programas semanais de rádio ou televisão, que se prolongaram por mais de um decénio, tinham uma audiência de mais de 30 milhões de ouvintes[6], manifesta-se uma maior perplexidade, também porque o mundo dos chamados tele-evangelistas não ficou imune de escândalos e/ou de aspectos econômicos frequentemente pouco claros. Contudo, no campo do uso catequético da televisão (que, também para os cristãos, é apenas uma das funções dos meios de comunicação de massa) existem fenômenos que deviam suscitar reflexões interessantes ou uma maior consideração: o papel de emissoras de rádio nascidas "das bases" e como minoritárias (por exemplo, a Rádio Maria), que são emissoras diretamente a serviço da evangelização e da catequese, e que têm cifras de audiência altíssimas. Em Itália, por exemplo, a Rádio Maria tem uma média diária de ouvintes de mais de um milhão e meio (dados de Audiradio), e coloca-se, portanto, entre as cadeias de rádio italianas mais populares.

Em 2004 produziu-se o tsunami de The Passion of the Christ, um dos raríssimos casos na história da arte cinematográfica em que um filme com forte conteúdo religioso e catequético gozou de uma enorme difusão entre o público.

Estes "casos" ajudam a compreender que na melhor das hipóteses há que considerar mais e apreciar melhor o papel decisivo que estes meios desempenham sempre, tanto como meios de informação e de diversão "profana", como também suscetíveis de ser usados de modo moralmente bom, devido às suas possibilidades específicas de utilização com fins catequéticos ou de anúncio evangélico (ou de pré-anúncio, como alguns especificam).

No que se refere à dimensão da difusão das "notícias", basta pensar no alcance numérico e na facilidade de acesso à televisão.

Na sociedade atual, o primeiro efeito que produz algo que é transmitido num canal de televisão importante, é a sua visibilidade, amplamente difundida e evidente: se a notícia é de índole internacional (como a eleição de um Papa, de um Presidente dos EUA, um atentado terrorista importante, um grande acontecimento esportivo) milhões de pessoas veem o mesmo acontecimento, do mesmo modo e ao mesmo tempo que é mostrado nas telas. Se a notícia é de alcance nacional, os espectadores são milhões: em Itália são quase 20 milhões os espectadores que "veem" algo ou alguém numa notícia apresentada pelas diversas edições dos telejornais nacionais. Não é pouco. Também na Itália, quase 7 milhões de pessoas assistem todas as noites ao programa mais visto na TV. Para dar uma ideia do que isto representa, este número corresponde à capacidade de quase 100 estádios de futebol cheios, de dimensões semelhantes ao estádio Meazza de Milão, onde jogam o Inter e o Milan. E não são só estes acontecimentos excepcionais: é o que sucede todos os dias (em outros canais há uma audiência que corresponde a 80 ou 50 ou 30 estádios cheios, todas as noites, conforme a difusão que o canal tiver), num país de média dimensão como é a Itália.

O primeiro efeito da televisão é sempre este, evidente e, precisamente por isso, frequentemente esquecido: a grande quantidade de espectadores – que só dificilmente podemos imaginar –, o imediatismo e a simultaneidade de acesso por parte do público[7].

A dimensão do número de espectadores, as quotas de audiência, tem efeitos econômicos e sociais muito evidentes: publicidade de produtos, consenso sobre ideias e opiniões, apresentação de personagens, ênfase quanto a problemas tidos como relevantes, fixação das prioridades na “agenda”, que é o fenômeno que os estudiosos chamam agenda setting, ou seja, a decisão sobre os problemas que as pessoas consideram mais ou menos importantes.

A mera presença "física" de uma pessoa nas telas televisivas pode ter também efeitos muito evidentes: começou agora a ser estudada a relação entre João Paulo II e a televisão, mas é indiscutível que em 1978 o seu robusto aspecto físico, e a sua voz forte e muito bem timbrada, tiveram também um papel importante para transmitir, desde o momento da sua eleição, a mensagem (correspondente à realidade dos fatos, mas ofuscada naqueles anos difíceis) de uma Igreja "jovem", vibrante, ativa, que reclamava que a sua voz fosse escutada[8]. O próprio estilo de João Paulo II (também nos gestos, na figura, no uso do espaço) e o seu comportamento converteram-no num Papa muito fácil de apresentar na televisão. Obviamente, este fato não só prestou um serviço notável à figura do homem Karol Wojtyla, como sobretudo à sua missão evangelizadora. É suficiente recordar – entre os milhares de exemplos que se podiam citar – como percorreram o mundo inteiro as imagens do Papa quando pela primeira vez desceu à Basílica de São Pedro numa Sexta-feira Santa para confessar: foi um impacto na opinião pública mundial, provavelmente – pelo menos a curto prazo – muito mais forte do que muitos discursos ou documentos[9].

Este mero poder de difusão da televisão torna-se, contudo, ainda mais forte se lhes juntarmos a componente das emoções que o meio audiovisual frequentemente implica (no cinema e na ficção televisiva), para dar a conhecer uma história bem construída, elaborada para envolver o espectador tanto do ponto de vista intelectual como – e ainda mais – do ponto de vista emocional. São Josemaria afirma de modo muito realista (com o que, pessoalmente, concordo plenamente[10]) que os meios de comunicação são – quer queiram ou não – educadores: “São educadores, fazem o papel – muitas vezes oculto e impessoal – de mestres: a eles se entregam, quase incondicionalmente, as inteligências, e até as consciências de milhões de homens”[11].

3. Literatura, cinema, televisão e a realização pessoal

Por vezes o cinema ou o mundo das histórias de ficção da televisão apresentam o perigo de serem considerados pelos que são católicos como um território "estrangeiro", em que é particularmente difícil inserir – se não a mensagem cristã – pelo menos um estilo de vida coerente com a visão cristã do homem.

Está muito difundida, não só entre a opinião pública, mas também entre os peritos (especialmente entre os europeus, muito menos entre os americanos que conhecem mais e melhor o mercado), a ideia de pensar que, para ter produtos narrativos (literatura, cinema, ficção televisiva) com sucesso, é necessário ir contra a moral cristã. Infelizmente também muitos peritos dos meios de comunicação de massa se deixam levar frequentemente por tópicos não fundamentados em evidências experimentais, muito mais do que se possa imaginar. E, na realidade, as coisas não são assim. É o que nos diz a nossa fé (as exigências de Deus, quer dizer, a lei moral não pode ser irracional nem contrária às aspirações mais profundas do homem), e confirmam-no-lo inumeráveis dados empíricos, a partir da atualidade perene (comprovada pelas vendas) de autores como Shakespeare, Tolstoi ou Dostoievski e, também, saber quais são os filmes com maior sucesso em todo o mundo, que são quase sempre produtos de entretenimento para todos, e que na quase totalidade dos casos oferecem conteúdos que estão de acordo com uma antropologia cristã[12].

Nos grandes clássicos do cinema, nos filmes de Frank Capra, por exemplo, o herói tem de enfrentar quase sempre decisões cada vez mais difíceis para ser coerente com os seus princípios morais.

Constatar este fato tem, em nossa opinião, uma grande importância. Porque um relato, longe de ser uma criação arbitrária fruto da pura imaginação, é sempre, essencialmente, uma resposta a uma grande questão moral. As melhores escolas de roteiristas estão de acordo em afirmar que um relato histórico é expressão da busca radical e profunda de um argumento chave; a afirmação de um valor por parte do personagem principal que, depois de uma série de contrariedades cada vez mais fortes, é chamado a tomar decisões que determinam de modo definitivo, em primeiro lugar, quem ele é ou, melhor, quem decide ser e, por conseguinte, forjam o seu destino[13]. Nos grandes clássicos do cinema, nos filmes de Frank Capra, por exemplo, o herói tem de enfrentar quase sempre decisões cada vez mais difíceis para ser coerente com os seus princípios morais: resiste até ao esgotamento, mas se salva no último instante como prêmio (frequentemente inesperado) à sua fidelidade ao bem. No filme italiano A vida é bela (citamo-lo porque ganhou três Óscares e registrou a maior venda de ingressos na Itália), o herói defende a inocência do filho até ao ponto de sacrificar a sua vida, quase com alegria, na esperança de que o filho se possa salvar, como depois acontece. Para citar outro exemplo, entre os filmes com um sucesso enorme e permanente, e muito apreciadas, emProcurando Nemo, o pai Marlin tem de resgatar o seu filho Nemo, perdido, mas deve sobretudo aprender a controlar a sua ansiedade como pai, enquanto o pequeno Nemo tem de aprender a controlar a sua impaciência. Não é por acaso que no final do filme, no momento do clímax, os dois protagonistas se salvam juntos, quando confiam mutuamente e reconstroem entre si uma relação equilibrada.

Tudo isto se pode exprimir afirmando que cada história responde, à sua maneira, a uma pergunta – simples ou complexa –, mas sempre de algum modo radical, sobre a felicidade e sobre onde se encontra o fim último do homem.

Em outras palavras, uma boa história é também uma exemplificação de um princípio moral: uma reflexão moral levada a cabo não de modo abstrato, mas a partir de um caso concreto. É absolutamente certo que a habilidade retórica e a confusão acerca dos valores poderiam fazer com que um autor particularmente hábil e eficaz conseguisse cativar o seu público e impor uma visão antropológica errada. Isto é possível e, de fato, não poucas vezes ocorre na atualidade, sobretudo quando os autores recorrem, de modo muito forte, ao plano emotivo.

Contudo, também nesta situação estamos convencidos de que é válido o princípio exposto na Retórica aristotélica, segundo o qual, em igualdade de condições, quer dizer, de per si, a verdade é mais convincente do que o erro.

O motivo pelo qual os filmes "verdadeiros" e com grande sucesso são relativamente poucos está quase sempre na fraca qualidade com que é elaborada uma história que tenha uma mensagem antropologicamente "verdadeira", e não na recusa do público para aceitar essa verdade.

São considerações que também estão presentes – sem entrar em avaliações técnicas específicas – na Carta de São Josemaria que citamos. Não parece que a situação tenha mudado muito em comparação com 1946: “a razão do sucesso e do predomínio, quase absoluto, dos instrumentos de comunicação liderados por anticatólicos não está só no fato de terem chegado antes: está também em que geralmente são melhores, do ponto de vista técnico (...). É verdade que se pode atrair público com aliciantes que uma pessoa honesta, um cristão responsável não pode utilizar: neste aspecto temos de admitir, sem dúvida, que os corruptores têm um trabalho mais cômodo. Porém, não é menos certo que, se muitos católicos trabalhassem neste terreno, com um conhecimento apropriado das suas exigências específicas, encontrariam o modo de atrair as pessoas com coisas honestas. O que não se pode fazer, com esperanças de sucesso, é chegar a essa competência sem ter estudado e vivido de perto a psicologia de cada público; sem ter um domínio real da técnica de cada meio de comunicação; sem ter aprendido a expressar-se eficazmente – o dom de línguas! – com a linguagem própria da notícia, da reportagem, do romance, da imagem, da cena cinematográfica, da ação teatral”[14].

É interessante comprovar que muitas vezes os poucos filmes "bons", se estão bem feitos, atingem grande sucesso. Para apresentar alguns exemplos que, em maior ou menor medida, apresentam uma mensagem positiva, poderíamos citar, entre os filmes recentes, as doze últimas produções da Pixar (a partir de Toy Stories), que praticamente conseguiram um enorme sucesso mundial. A saga do Senhor dos Anéis e de Harry Potter, e muitos filmes economicamente mais “reduzidos”, mas ricos em valores morais ou até diretamente espirituais, conseguiram, em alguns países ou em todo o mundo, um grande sucesso e frequentemente também prêmios importantes e, de qualquer modo, apresentaram conteúdos de grande qualidade[15].

A presença destes filmes mostra que, pelo menos, é possível haver um cinema bom em conteúdos, que não só é economicamente sustentável, mas até merecedor de prêmios do ponto de vista econômico. Fazer um cinema moralmente bom e com êxito econômico não é uma quimera, como conseguir a quadratura do círculo. É coisa possível, embora não seja fácil, como é evidente. Alguns dos exemplos citados exigiram até dez ou mais anos de trabalho, de pesquisa, de voltar a redigir a história para aperfeiçoá-la cada vez mais, antes de a trazer para a tela. O problema surge para aqueles que pensam que as coisas são fáceis e imediatas: como a primeira tentativa de quem se engana considerando que tudo é fácil quase sempre fracassa ruidosamente, muitos passam rapidamente ao outro extremo e pensam que fazer bom cinema é simplesmente impossível.

Há, portanto, um problema de capacidade dramatúrgica, de habilidade profissional (de ter a fórmula, poderíamos dizer, de contar bem histórias boas), que no terreno dos meios audiovisuais põe em jogo aptidões profissionais muito variadas e muito complexas. Por outro lado, os meus não poucos anos como consultor em produções importantes convenceram-me de que a habilidade principal, absolutamente decisiva, é a de escrever o roteiro e/ou a de avaliar os roteiros escritos por outros.

O principal problema, portanto, não consiste – em minha opinião – no fato de que o público quer ver histórias imorais. O verdadeiro problema está em que o cinema e a ficção de um modo geral são âmbitos em que há poucas pessoas com uma visão cristã da vida, por motivos indeterminados, mas reais, contingentes e históricos. Tanto as investigações científicas de alguns autores americanos, como a experiência vivida em Itália e o conhecimento dos resultados em alguns países vizinhos[16], demonstram que de fato (mas não de direito!) o cinema e a televisão são em muitos países âmbitos em que a ideologia dominante está normalmente fechada ao transcendente e, em algumas questões antropológicas importantes, está frequentemente longe das posições cristãs.

Estas ideias invadem os meios audiovisuais não porque – essencialmente – os produtores queiram ganhar mais: muitas vezes os poucos filmes "bons" são, como vimos, os que alcançam maior sucesso. Estas ideias invadem o cinema e a televisão devido às limitações culturais da chamada elite dos meios de comunicação de massa, devido à falsa ideia que têm do homem os que neste momento histórico dominam a indústria audiovisual em muitos países.

De fato, uma parte muito grande das produções de cinema e de televisão que se fazem em todo o mundo é levada a cabo por uma minoria cultural laicista, na qual escasseiam de modo surpreendente os que acreditam em Deus, e onde são raras, por exemplo, as pessoas casadas de modo estável e com filhos[17]. Há, pelo contrário, uma elevada percentagem de pessoas com uma vida familiar e afetiva instável, que se dedicam de corpo e alma ao seu trabalho, vivendo um estilo de vida boêmio que só conserva do ideal romântico original a absolutização do contexto artístico em que se vive[18]. De resto, este estilo de vida está submetido – não sempre, mas com muita frequência – aos perigos da corrupção que traz a abundância de dinheiro, à tensão atormentada do êxito instável que hoje se consegue, mas que amanhã pode acabar, ao medo de perder a posição adquirida, à ameaça do desespero e à solidão, que sempre acompanham quem aposta tudo no seu trabalho, ainda que seja em teoria o mais belo e satisfatório do mundo.

O tipo de histórias que estas pessoas apresentam não depende – em muitíssimos casos – da vontade de ganhar mais, mas das próprias convicções ideológicas e artísticas e do desejo de conseguir um reconhecimento por parte dos colegas e do ambiente profissional em que se movem: para um roteirista, um realizador ou um ator, um Óscar tem mais valor do que um grande resultado de bilheteira ou um grande benefício econômico[19].

Como é óbvio, no mundo profissional do cinema e da televisão há também crentes convictos, porém hoje, de fato, não são muitos. Não obstante convém salientar que num livro muito interessante e recente, que reúne testemunhos de roteiristas e realizadores de Hollywood – trata-se frequentemente de autores de filmes ou de séries televisivas muito importantes – que partilham o desejo de viver intensamente a sua fé cristã (quer sejam católicos ou protestantes), nenhum deles se lembra do problema de uma possível incompatibilidade entre as suas crenças pessoais e as expectativas do público, como se fazer filmes "bons" equivalesse a ser condenado ao fracasso[20]: o problema para eles seria antes não se limitar ao fácil, saber abordar questões profundas, e também e sobretudo – num ambiente supercompetitivo que converte o êxito num ídolo – saber viver a sua própria vida pessoal com equilíbrio para evitar ser arrastado pelas pressões do ambiente profissional, ou pela ansiedade de conseguir grandes resultados ou pelo ritmo do trabalho[21].

4. O drama da existência e a ética da primeira pessoa

Mas voltemos à relação entre construção de histórias e reflexão moral. Como afirmamos, uma história bem elaborada subentende habitualmente a pergunta sobre qual é a "vida justa ou boa" para um determinado personagem numa situação concreta, que é quase sempre uma situação de luta, submetida a pressões existenciais, que se enfrenta com um dilema (frequentemente, embora nem sempre) intelectualmente árduo e interessante.

Falar de "vida boa" não é outra coisa senão falar de moral. Como bem se sabe, a visão da moral como busca da "vida boa" tem sido realçada de novo nas últimas décadas graças ao regresso a um tomismo mais fiel; esta orientação, que tem ligação á Patrística, é seguida em muitos documentos recentes do Magistério, como a encíclica Veritatis splendor (1993) de João Paulo II, como também o Catecismo da Igreja Católica (1992) e o seu Compêndio (2005) e o mesmo fazem muitos estudiosos contemporâneos da moral, que promovem a chamada "ética das virtudes" ou "ética da primeira pessoa"[22].

Também muitos dos ensaios atuais sobre filosofia moral, que se reconhecem como pertencentes a esta corrente, voltaram a considerar a importância das formas narrativas na formação moral da pessoa e consideram de novo que existe uma certa unidade (não identidade, mas uma relação estreita), entre filosofia e literatura, moral e histórias[23].

Neste sentido, os ensinamentos de São Josemaria oferecem uma visão muito interessante, porque o autor – sem se ocupar nunca de definir formalmente ou academicamente os fundamentos de teologia moral – teve sempre muito claro que a vida boa é a resposta do homem às propostas que Deus lhe dirige ao longo da sua existência. Para São Josemaria, não há felicidade – quer dizer, vida boa, realização plena – fora da união com Deus e da resposta amorosa às suas solicitações. São Josemaria faz notar em toda a sua pregação o vínculo entre fidelidade a Deus e felicidade, entre vida boa e cumprimento dos anseios mais profundos do homem. Entre os muitos textos, editados e inéditos que se podiam citar, limitamo-nos a dois pontos sucessivos retirados de Forja:

“Estou cada vez mais persuadido disto: a felicidade do Céu é para os que sabem ser felizes na terra”[24].

“Vejo com meridiana clareza a fórmula, o segredo da felicidade terrena e eternal: não somente conformar-se com a Vontade de Deus, mas aderir, identificar-se, querer – numa palavra –, com um ato positivo da nossa vontade, a Vontade divina. – Este é o segredo infalível – insisto – da alegria e da paz”[25].

Na mesma direção se situam os ensinamentos de João Paulo II sobre os fundamentos da vida moral do homem. Numa importante homilia pronunciada no ano 2000 no monte Sinai, dizia, por exemplo, que “Os Dez Mandamentos não são a imposição arbitrária de um Senhor tirânico. Eles foram escritos na pedra, mas antes de tudo foram impressos no coração do homem como Lei moral universal, válida em todos os tempos e lugares. Hoje como sempre, as Dez Palavras da lei fornecem a única base autêntica para a vida dos indivíduos, das sociedades e nações; hoje como sempre, elas são o único futuro da família humana. Salvam o homem da força destruidora do egoísmo, do ódio e da mentira. Evidenciam todas os falsos bens que o arrastam para a escravidão:o amor de si mesmo até à exclusão de Deus, a avidez do poder e do prazer que subverte a ordem da justiça e degrada a nossa dignidade humana e a do nosso próximo (...). Observar os Mandamentos significa ser fiéis a Deus, mas significa também ser fiéis a nós mesmos, à nossa autêntica natureza e às nossas mais profundas aspirações”[26].

Muitos autores[27] frisaram a importância da formação teatral de Karol Wojtyla (os longos anos no "teatro rapsódico"), não tanto e não só pela sua presença física "em cena" e a sua capacidade de dialogar com as multidões, mas sobretudo pela sua capacidade de compreender o "drama da existência" e de compaginar um profundo sentido da subjetividade, da liberdade e da história do homem com a adesão aos princípios metafísicos e às dimensões de objetividade da natureza humana e das leis morais.

Em São Josemaria encontramos, exposta com linguagem diversa e a partir de uma experiência existencial e pastoral pessoal, um apreço idêntico pela subjetividade humana e pelo "futuro do homem na história" (expressões que podiam ser atribuídas a Wojtyla), considerados, sobretudo, do ponto de vista da valorização positiva da liberdade e também, por conseguinte, da ponderação dos seus riscos; e isto, numa época em que a pedagogia católica procedia de uma tradição de imposições e de atenção à obediência exterior e aos resultados obtidos. Por exemplo, numa homilia publicada no livro É Cristo que passa, afirma: “A obra de Cristo, a tarefa que seu Pai lhe encomendou está-se realizando; sua força atravessa a história trazendo-nos a verdadeira vida (…). Nessa tarefa que vai realizando no mundo, Deus quis que fôssemos seus cooperadores, quis correr o risco da nossa liberdade (…) Deus condescende com a nossa liberdade, com a nossa imperfeição, com as nossas misérias”[28].

Esta "tarefa de todos" significava para ele que cada cristão tem de se perguntar o que pode fazer para que Cristo esteja presente também nestes meios.

Em outra homilia, publicada no livro Amigos de Deus e dedicada à liberdade, o autor afirma: “Que verdade é essa, que inicia e consuma em toda a nossa vida o caminho da liberdade? (...): saber que saímos das mãos de Deus, que somos objeto da predileção da Trindade Beatíssima, que somos filhos de tão grande Pai. Eu peço ao meu Senhor que nos decidamos a tomar consciência disso, a saboreá-lo dia a dia. Assim nos conduziremos como pessoas livres. Não o esqueçamos: aquele que não se sabe filho de Deus desconhece a sua verdade mais íntima e, na sua atuação, não possui o domínio e o senhorio próprios dos que amam o Senhor acima de todas as coisas”[29].

E, pouco depois: “De onde nos vem essa liberdade? De Cristo, Senhor Nosso. Essa é a liberdade com que Ele nos redimiu. (cf. Gal IV, 31). (...)Nós, cristãos, não temos de pedir emprestado a ninguém o verdadeiro sentido deste dom, porque a única liberdade que salva o homem é cristã. Gosto de falar da aventura da liberdade, porque é assim que se desenvolve a vossa vida e a minha: livremente – como filhos, insisto, não como escravos –, seguimos a senda que o Senhor marcou a cada um de nós. Saboreamos esta liberdade de movimentos como uma dádiva de Deus”[30].

Tudo isto, na minha opinião, nos leva a duas consequências importantes. Se as coisas são assim, um "dramaturgo" (romancista, roteirista, realizador) de fé não tem por que temer abordar qualquer argumento e qualquer problema existencial: pelo contrário, irá ao fundo do assunto e, quanto mais "veraz" conseguir ser, mais as suas respostas estarão em sintonia com a fé que professa.

Deste ponto de vista, o sentido da filiação divina pregado por São Josemaria como elemento central da espiritualidade do cristão, ajuda a afastar todo o complexo de inferioridade face a qualquer tópico cultural hoje dominante e face a toda a tentativa enganadora de fundar humanismos (e, portanto, de dar resposta às perguntas existenciais e radicais do ser humano) fora da nossa relação com Deus. Não se pode dar uma resposta verdadeira às perguntas que o homem se faz a si próprio (que constituem, no fundo, o objeto tanto da literatura como da arte dramática, do cinema e da televisão) fora da nossa relação com Deus e do conhecimento do seu desígnio sobre o homem.

Vejamos outro texto, que nos parece muito eloquente, da Carta já várias vezes citada: “Não tenhais medo, portanto, da situação atual, nem penseis que não tem remédio. Não vos assustem as ondas embravecidas pela tempestade no oceano do mundo. Não tenhais desejos de fugir, porque este mundo é nosso: é obra de Deus e foi-nos dado como herança. (…) Nós, filhos de Deus, irmãos de Jesus Cristo, participamos da sua herança, que é o mundo inteiro: "si autem filii, et heredes: heredes quidem Dei, coheredes autem Christi" (Rom. VIII, 17): porque se somos filhos, somos herdeiros: herdeiros de Deus, coerdeiros com Cristo. (…) O Senhor quer que O coloquemos novamente no cume de todas as atividades humanas: espera, especialmente de nós, este serviço, esta cooperação, para fazer que sejam ainda mais abundantes na terra os frutos da Redenção, que é a única e verdadeira liberdade para o homem. Estamos trabalhando com esta esperança e com esta responsabilidade”[31].

A segunda consequência é que se hoje o cinema e, com modalidades diversas, a ficção televisiva[32], são uma espécie de "laboratório de vanguarda" de reflexão moral e existencial (coisa de que estou pessoalmente convencido), é hoje então ainda mais importante a presença de cristãos nestes setores profissionais. O cinema, de fato, para atrair o público, tende a ocupar-se dos temas mais controversos (simplificando muito, um argumento candente nos anos noventa era o reconhecimento da homossexualidade; nesta última década é a eutanásia) precisamente porque os autores sabem que trabalhar nos argumentos polêmicos e acesos ou antes, de algum modo, "adiantar-se", garante o interesse por parte do público e apresenta aquele sentido de "novidade" e de "nunca ouvido"[33], que é uma parte importante daquilo que atrai os espectadores.

Longe, portanto, de ser uma presença acessória – que se deve fomentar, quando se tiverem solucionado outros problemas mais urgentes – ou de ser uma forma de "cristianização do tempo livre", para "encher as horas vazias", a presença dos cristãos hoje no campo da produção de argumentos significa estar presente no laboratório onde se forjam as ideias morais que são vividas (em alguns casos imediatamente, em outros, passados poucos anos) por uma parte muito significativa da sociedade, sobretudo nos países socioeconomicamente mais desenvolvidos, em que o consumo destes meios é tão elevado que se pode tranquilamente considerar como uma doença contagiosa e de rápida propagação[34].

Estar presente na literatura, no cinema e na ficção televisiva significa, portanto, estar presente na (re)elaboração das normas morais da sociedade.

5. Uma relação íntima

Aludíamos antes ao fato de que um dos fatores que exigem grande cautela, quando às vezes se fala da presença dos cristãos nos meios de comunicação, é que estes não substituem – e não devem substituir – a relação pessoal.

Sendo totalmente certo, precisamente essa justa cautela não pode fazer esquecer que os meios de comunicação modernos, como afirmávamos antes, não só permitem chegar muito rapidamente a uma multidão de pessoas, mas que também as formas narrativas, quando estão bem construídas, chegam com profundidade e de um modo extraordinariamente eficaz ao coração dos leitores/espectadores e não só à sua cabeça. E atingir o coração significa influir sobre decisões também radicais e posturas existenciais determinantes para a pessoa.

A mesma cautela se devia manter, para se ser coerente, também por parte dos que escrevem livros… Também o livro é um mass medium. Esta cautela também a deveriam ter mantido os evangelistas, que puseram por escrito as palavras de Jesus, e São Paulo, que não se limitou a pregar e a falar de tu a tu, mas escreveu as suas cartas. E O mesmo com cada autor de livros ou artigos de jornal.

O temor a que os meios de comunicação de massa como o cinema e televisão substituam a relação pessoal é talvez, em nossa opinião, excessivo, embora se compreendam as razões de quem expressa estas preocupações por causa do uso, por vezes desordenado e disperso que se faz destes meios. É, contudo, importante recordar que aquilo que o leitor/espectador percebe é precisamente a existência de uma relação pessoal à qual se entrega de modo quase sempre totalmente indefeso, porque – devido também as técnicas sofisticadas que se ensinam e se utilizam – a facilidade da tela para provocar emoções abre as portas do coração. Quando estou embrenhado numa leitura emocionante, tenho a impressão de que o autor do romance está falando comigo. Aquele filme que me chamou profundamente a atenção converteu-me em amigo, vizinho, irmão do personagem principal, construindo uma ligação fortíssima de empatia com aquele protagonista[35], que considero como uma pessoa real, que agora amo profundamente e com a qual partilho com muita frequência as minhas opções existenciais.

Em outras palavras, estes meios são de massa pelo número de pessoas que envolvem, mas são fortemente personalistas na percepção. Pode dizer-se, talvez, que é uma ilusão, mas geram um efeito muito real de intimidade e de "pessoalização"[36].

O interessante é que esta intimidade é causada por um romance de sucesso com centenas de milhares de leitores; por um produto televisivo num país como a Itália, com cinco, seis, oito milhões de pessoas ao mesmo tempo; ou por um filme de Hollywood como o Titanic que atingiu num ano talvez mais de um ou dois bilhões de pessoas como espectadores.

A percepção desta paradoxal "intimidade de massa" é hoje apreendida com muito maior nitidez, graças à possibilidade de os leitores/espectadores comentarem nos "sites" de referência ou nas páginas que (também por razões de publicidade, é claro) as obras importantes abrem nas redes sociais. Hoje os autores de obras de êxito recebem tal avalanche de comentários e de feedback que pode até arrastá-los, mas são, em cada caso, uma confirmação empírica de como estas obras chegam ao coração de um grande número de pessoas[37].

Esta capacidade de ser, ao mesmo tempo, enormemente um fenômeno de massas, mas também chegar ao coração de cada leitor/espectador é talvez o aspecto mais delicado dos meios de comunicação modernos. Porém, a união destes dois extremos, que podem parecer irreconciliáveis, multiplica a importância para nós, como cristãos, de estar presentes também aqui, onde se formam estas ondas de relatos que revelam aspectos antes desconhecidos ou não avaliados da realidade, estas manifestações que se convertem em emoções, aquelas emoções que se transformam em decisões existenciais.

Uma grande oportunidade

Neste sentido, a pregação de São Josemaria, que anima os leigos a tomarem consciência da sua responsabilidade e a estarem presentes nas encruzilhadas das relações humanas, tem uma aplicação particularmente forte nos nossos tempos – é difícil pensar em "lugares" que sejam mais importantes –, e que pode ser extraordinariamente fecunda neste âmbito. Ele próprio indicava como um grande dano para a Igreja a ausência (que, como notávamos, tem raízes históricas que agora seria complexo investigar) de cristãos bem formados nestas ágoras planetárias como são o cinema e a televisão.

São Josemaria salientava também o fato de que o "apostolado da opinião pública" é tarefa de todos e não é, portanto, uma espécie de "reserva" para pessoas superespecializadas. É importante, contudo, recordar que, como vimos numa passagem da Carta de 1946 que já citamos antes, esta ampliação da responsabilidade para a estender a todos os cristãos não significa para ele reduzir minimamente a necessidade de uma preparação específica, que tem de ser longa, paciente, exigente, para os que querem trabalhar profissionalmente nestes meios com a esperança de influir positivamente. Não nos podemos enganar pensando que a boa vontade ou as boas intenções são suficientes[38].

Esta "tarefa de todos" significava para ele que cada cristão tem de se perguntar o que pode fazer para que Cristo esteja presente também nestes meios. Desde os simples cidadãos, que escrevem cartas para dar ânimo ou para protestar (sempre com espírito construtivo) pelo conteúdo de um jornal, um filme ou um programa de televisão, até aos que organizam associações de espectadores ou de ouvintes para influir mais e melhor na orientação dos meios de comunicação de massa; desde os que vivem com responsabilidade a sua condição de utilizadores destes meios (influindo também, como é obvio, nas vendas maiores ou menores de determinados produtos), até os que se dedicam a investir em publicidade e decidem comprar ou não espaços em alguns meios de comunicação de massa mais do que em outros, porque certos meios respeitam mais a dignidade dos seus ouvintes e espectadores. Para não falar dos que formam os filhos para que apreciem uma diversão rica de conteúdos, e que podem propor a criação de cine-fóruns ou desenvolver uma coluna ou um espaço de crítica e de orientação (em jornais, revistas, internet, programas de rádio e de televisão) para conseguir uma leitura positiva de romances, ou a apreciação de filmes com interesse ou de programas de televisão.

Também neste caso, não se trata para São Josemaria de mais uma ocupação, mas de uma responsabilidade que advém do Batismo e que o cristão deve viver sem complexos de inferioridade de nenhuma espécie. Trata-se simplesmente de viver a dimensão social e cultural da fé, com um pluralismo justo (também nos gostos, nos estilos que se preferem, nas coisas que se amam de acordo com as legítimas preferências), mas sem faltar à coerência pessoal como cristão a cem por cento.

6. Não é uma utopia

Numa recente lectio magistralis pronunciada na Aula Magna da Pontifícia Universidade Lateranense, um conhecido produtor da televisão italiana, ao cumprir 90 anos, Ettore Bernabei – que, durante catorze anos (desde 1961 a 1974) foi diretor geral da televisão pública italiana Rai, e, depois, desde 1992 promotor e presidente de uma empresa produtora para a televisão, que realizou produções quase sempre de grande sucesso em Itália, e frequentemente no mundo[39] – testemunhou com a força de quem passou quarenta anos na primeira linha do duro e competitivo mundo da comunicação televisiva: “Na minha experiência de comunicador vi que, quando se procura inspirar a comunicação numa concepção do bem comum, se encontra sempre correspondência por parte do público”[40].

Podíamos citar outras experiências parecidas[41], mas vamos limitar-nos a algumas breves considerações finais apoiadas nesta experiência, que conhecemos bem e de perto, para destacar um elemento que consideramos crucial. Na experiência de Ettore Bernabei, com quem o autor destas linhas teve muitas ocasiões de colaborar a partir de 1999, o primeiro lugar é sempre o da pessoa, devido à sua cultura, à sua formação intelectual. Os recursos técnicos (nos quais, de modo equivocado e pouco clarividente, bastantes investem demasiadas energias, subtraindo-as em troca à dimensão humanística, narrativa, filosófica e teológica) são sempre um elemento secundário, que se deve pôr ao serviço da produção narrativa, isto é, do conteúdo que se quer transmitir. Na produtora Lux Vide, a ênfase até agora tem estado – também nos investimentos e no uso dos recursos econômicos – na fase que na indústria do cinema se chama de “desenvolvimento”, ou seja, do trabalho paciente, profundo, exigente – e historicamente documentado sempre que se tratou de algo relativo à história – em apurar o roteiro, isto é, o projeto que se pretendia levar à tela, eventualmente sacrificando algo do orçamento no que dizia respeito à encenação e à produção. É uma estratégia que não é seguida por muitos, mas que, na opinião de quem está escrevendo, é absolutamente o modo justo de atuar, que se tem revelado sempre eficaz tanto na qualidade das produções como no sucesso entre os espectadores[42].

Para concluir, como vimos, a disposição e a atitude que São Josemaria pregou e propôs – e que é obviamente prévia e está acima dos aspectos concretos que cada iniciativa formativa ou produtiva assume – dirige-se, em qualquer caso, exatamente nesta direção de ausência de complexos de inferioridade, de trabalho sério e exigente, mas desempenhado com a consciência de que somos herdeiros do Reino.

Trata-se certamente de tarefas que não são fáceis, e o caminho a percorrer é longo, mas nesta mudança de século e de milênio nota-se que há uma renovada tomada de consciência por parte dos cristãos, de que têm a responsabilidade de estar presentes nestes meios. Referimo-nos tanto a iniciativas fomentadas e propostas pela hierarquia episcopal (pensemos nas televisões católicas como a italiana Tv2000 ou o renovado esforço dos jornais católicos – apoiando no caso da Itália o conceituado Avvenire), mas também e sobretudo a iniciativas pessoais dos cristãos (de algumas delas já falamos embora muito resumidamente) que seria excessivamente longo descrever aqui.

Quem escreve está bem consciente – com uma consciência que procede também da experiência de fatos e leva já mais de dez anos no setor tanto da formação como da realização – de que na verdade, como São Josemaria gostava de dizer “se abriram os caminhos divinos da terra”. E estes caminhos, que nós temos de percorrer, são também os dos meios de comunicação.

Armando Fumagalli

Artigo publicado no número 56 de Romana. O autor, professor da Universidade Católica do Sagrado Coração (Milão) apresenta uma reflexão acerca da importância dos meios de comunicação na sociedade atual.


[1] SÃO JOÃO PAULO II, Enc. Redemptoris Missio, 7­XII­1990, n. 37.

[2] SÃO JOSEMARIA, Carta 30/04/1946, n. 43 (APG, P07 12, p. 124).

[3] Deste ponto de vista, há vários aspectos que precisam ser enfatizados e desenvolvidos: por exemplo, a importância de repetir as mesmas ideias, com paciência e constância, mudando a apresentação e a maneira de dizer as coisas, apresentando-as de forma atraente, mas sem o medo de voltar a explicar alguns conceitos essenciais; e também as diferentes formas de "dar doutrina" nos vários contextos e nos vários meios de comunicação, etc.

[4] Como se sabe, os principais são: CONCILIO VATICANO II, Decreto Inter mirifica (1964); COMISSÃO PONTÍFICA PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Communio et progressio (1971); CONSELHO PONTÍFICO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Aetatis novae (1992); outros documentos mais específicos do mesmo Conselho Pontifício sobre vários aspectos das comunicações (Pornografia e violência; Ética na publicidade; Ética na Internet, etc.); as mensagens de PAULO VI, JOÃO PAULO II, BENTO XVI por ocasião do Dia Mundial das Comunicações; JOÃO PAULO II, Carta Apostólica O Rápido Desenvolvimento (24/01/2005). Entretanto, um posicionamento muito importante, que é citado frequentemente e corretamente (também na Carta Apostólica de 2005 acima mencionada), é encontrado no n. 37 da encíclica Redemptoris missio de 7 de dezembro de 1990, onde João Paulo II afirma: “Talvez se tenha descuidado um pouco este areópago: deu-se preferência a outros instrumentos para o anúncio evangélico e para a formação, enquanto os meios de comunicação de massa foram deixados à iniciativa de particulares ou de pequenos grupos, entrando apenas secundariamente na programação pastoral. O uso dos meios de comunicação de massa, no entanto, não tem somente a finalidade de multiplicar o anúncio do Evangelho: trata-se de um facto muito mais profundo porque a própria evangelização da cultura moderna depende, em grande parte, da sua influência. Não é suficiente, portanto, usá-los para difundir a mensagem cristã e o Magistério da Igreja, mas é necessário integrar a mensagem nesta "nova cultura", criada pelas modernas comunicações”.

[5] Cfr. por exemplo, Walter J.ONG, The Presence of the Word, Yale University Press, New Haven 1967; trad. it. La presenza della parola, Il Mulino, Bologna 1970; IDEM, Orality and Literacy. The Technologizing of the Word, Methuen, London ­ New York 1982; trad. es. Oralidad y escritura. Le tecnologías de la palabra, Fondo de Cultura Económica, México 1987.

[6] Fulton J. Sheen, que também era bispo de Rochester, morreu em 1979. Seu processo de beatificação já foi aberto.

[7] Algumas reflexões ulteriores em Gianfranco BETTETINI – Paolo BRAGA – Armando FUMAGALLI (dir.), Le logiche della televisione, Angeli, Milano 2004.

[8] Alumas considerações iniciais no livro de Giuseppe MAZZA (dir.), Karol Wojtyla, un Pontefice in diretta. Sfida e incanto nel rapporto fra Giovanni Paolo II e la TV, Rai­Eri, Torino 2006.

[9] Obviamente o Papa também escreveu discursos e redigiu documentos, mas tenho a impressão de que ele estava plenamente consciente da importância de alguns mecanismos fundamentais da comunicação contemporânea (por exemplo, a importância do gesto visível para câmeras de televisão e fotógrafos) e que ele os utilizava conscientemente.

[10] Cfr. Gianfranco BETTETINI – Armando FUMAGALLI, Quel che resta dei media. Idee per un’etica della comunicazione, edição revisada, Angeli, Milano 2010 (a primeira edição é de 1998). Trad. es. Lo que queda de los medios: ideas para una ética de la comunicación, La Crujía, Buenos Aires 2001.

[11] SÃO JOSEMARIA, Carta 30/04/1946, n. 9 (AGP, P07 12, p. 25).

[12] No momento em que este artigo foi escrito (agosto de 2011) a lista mundial de filmes com as melhores bilheterias (sem o ajuste da venda de ingressos e, portanto, onde os filmes contemporâneos têm vantagem) estão entre os dez melhores: Avatar, Titanic, Lord of the Rings 3, Piratas do Caribe 2, Toy Story 3, o último Harry Potter, outro Piratas do Caribe, Alice no País das Maravilhas, Transformers 3, e Batman: The Dark Knight. Neste ranking, os elementos realmente discutíveis são apenas a visão panteísta de Avatar, que é um fenômeno muito particular (também nas causas de seu sucesso). Embora seja interessante notar que O Senhor dos Anéis é uma adaptação substancialmente fiel de um grande romance inspirado em uma visão cristã da vida e, outros filmes como, por exemplo, Toy Story 3, nascem de uma sensibilidade humana e poética que também está em profunda sintonia com uma visão cristã. Se olharmos para os primeiros 100 melhores sucessos de bilheteria de todos os tempos (a fonte é sempre o banco de dados do cinema mundial: www.imdb.com), os únicos filmes que colocam problemas do ponto de vista de conteúdo são O Código Da Vinci que está – no momento de escrever – no número 38, e seu primo, que apresenta problemas muito menores, Anjos e Demônios, que está em 91º lugar. Entre estes primeiros cem, além disso, não há nenhum filme que, na minha opinião, coloque sérios problemas em termos de imagens com conteúdo sexual ou violência excessiva.

[13] Os principais professores e consultores de roteiro que treinaram gerações de escritores nos EUA concordam com isso: de Robert McKee até John Truby y a muchos otros. cfr. por exemplo Robert MCKEE, Story: substance, structure, style, and the principles of screenwriting, HarperCollins, New York 1997; John TRUBY, The Anatomy of Story, Faber and Faber, New York 2007.

[14] SÃO JOSEMARIA, Carta, 30/04/1946, n.39 (AGP, P07 12, p.50).

[15] Para citar apenas filmes dos últimos anos em alguns países europeus, este é o caso, por exemplo, na Alemanha para Das Leben des Anderen (A Vida dos Outros), que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro (custou 2 milhões de euros e arrecadou 77 milhões), na França para Des hommes et des dieux (Deuses e Homens), que custou 4 milhões de euros arrecadou 27 só naquele país, na Itália de Benvenuti al Sud (30 milhões arrecadados só na Itália), a um custo de cerca de 4), na Inglaterra de O Discurso do Rei, que custou 15 milhões de euros e ganhou cerca de 400 milhões, além de ganhar vários Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Roteiro.

[16] Cfr. por exemplo Stanley ROTHMAN – Amy BLACK, Elites revisited: american social and political leadership in the 1990s, en International Journal of Public Opinion Research, 1999, n. 2, pp.169­ 195; Cfr. também Michael MEDVED, Hollywood vs. America, Harper Collins, New York 1993; Gianfranco BETTETINI – Armando FUMAGALLI, Quel que resta dei media, cit.; Armando FUMAGALLI, Le elites mediali e le scelte culturali dei media, en Credere oggi, n. 124 (2001), pp. 71­93.

[17] Uma exceção importante, que já se tornou um "caso" real e significativo, é o mundo da produtora Pixar, onde, por outro lado, quase todos os autores/diretores são casados e têm filhos. Nesta produtora, onde naturalmente há pessoas com diferentes orientações culturais, há, no entanto, – muito obviamente como em The Incredibles and Up, ou mais em um background como em Toy Story, Finding Nemo e todos os outros filmes produzidos – uma visão muito mais positiva das relações familiares do que em muitos outros filmes de Hollywood ou das elites secularistas e boêmios do cinema europeu.

[18] Sobre a importância cultural da ideologia romântica em sua versão boêmia, veja algumas considerações muito interessantes em Charles TAYLOR, Sources of the Self. The making of modern identity, Harvard University Press, Cambridge (Mass.) 1989; trad. es. Fuentes del yo. La construcción de la identidad moderna, Paidós, Barcelona 2006; IDEM, The Malaise of Modernity or The Ethics of Authenticity, Harvard University Press, Boston (Mass.) 1991; trad.it. Il disagio della modernità, Laterza, Rosino­Bari 1994; Colin CAMPBELL, The Romantic Ethic and the Spirit of Modern Consumerism, Blackwell, Oxford 1987; trad.it. L’etica romantica e lo spirito del consumismo moderno, Edizioni Lavoro, Torino 1992.

[19] Sobre estes temas, Cfr. também Michael MEDVED, Hollywood vs. America, cit., que conhece muito bem o ambiente de Hollywood por ter trabalhado muitos anos como crítico de cinema e escreve declarações muito claras sobre isto.

[20] Spencer LEWERENZ – Barbara NICOLOSI, (eds.), Behind the Screen, Baker Books, Grand Rapids (Michigan) 2005; trad.it. Cristiani a Hollywood, Ares, Milano 2007.

[21] Este é um argumento muito atual na vida das pessoas que trabalham em várias profissões: também auditoria, planejamento estratégico, assessoria financeira, etc. Há uma tendência a assumir ritmos de trabalho pouco compatíveis com o desejo de viver em equilíbrio, harmonizando o trabalho com outras exigências da vida (desenvolvimento de uma vida espiritual, vida familiar, etc.).

[22] Cfr. por exemplo, Servais PINCKAERS, o.p., Les sources de la morale chrétienne, Éditions Universitaires, Fribourg 1985; trad. es. Las fuentes de la moral cristiana, Eunsa, Pamplona 2007. IDEM, La morale catholique, Les Éditions du Cerf/Fides, Paris 1991; trad.es. La moral católica, Rialp, Madrid 2001; Robert SPAEMANN, Moralische Grundbegriffe, H.C. Beck, München 1986; trad. it. Concetti morali fondamentali, Piemme, Casale Monferrato 1993; IDEM, Glück und Wohlwollen, Ernst Klett, Stuttgart 1989; trad. it. Felicità e benevolenza, Vita e pensiero, Milano 1998; Giuseppe ABBÀ, Felicità, vita buona e virtù. Saggio di filosofia morale, Las, Rosino 1989; IDEM, Quale impostazione per la filosofia morale? (Ricerche di filosofia morale ­ 1), LAS ­ Roma 1996; Gabriel CHALMETA, Ética especial, Eunsa, Pamplona 1996; trad. it. Etica applicata, Le Monnier, Firenze 1997; Ángel RODRÍGUEZ LUÑO, Ética general, Eunsa, Pamplona 2001; trad. it. Etica, Le Monnier, Firenze 2004, Martin RHONHEIMER, Die Perspektive der Moral. Grundlagen der philosophischen Ethik, trad. it. La prospettiva della morale: fondamenti dell’etica filosofica, Armando, Roma 1994; Giacomo SAMEK LODOVICI, La felicità del bene, Vita e pensiero, Milano 2002; IDEM, L’emozione del bene, Vita e pensiero, Milano 2010.

[23] Cfr. os já clássicos Alasdair MAC INTYRE, After Virtue. A Study in Moral Theory, University of Notre Dame Press, Indiana 19842; trad.es. Tras la virtud, Crítica, Barcelona 2001; os textos de Charles TAYLOR citados anteriormente, Sources of the Self e The Malaise of Modernity, cit. Algunas consideraciones se encuentran también en Armando FUMAGALLI, Il valore delle forme narrative per la formazione umana e professionale, en “Vita e pensiero”, LXXXI (1998), n. 9, pp. 563­593; trad. parcial La aportación de la literatura a la valoración de la realidad social y a la eficacia de la acción empresarial, en “Empresa y humanismo”, I (1999), n. 2, pp. 223­260.

[24] SÃO JOSEMARIA, Forja, n. 1005.

[25] Ibidem, n. 1006.

[26] SÃO JOÃO PAULO II, Celebração da Palavra no Monte Sinai, 26/02/2000.

[27] Um deles é George Weigel na sua extensa biografia de João Paulo II, publicada em 1999: cfr. Witness to Hope, trad. it. Testimone della speranza, Mondadori, Milano 1999.

[28] SÃO JOSEMARIA, É Cristo que passa, n.113.

[29] IDEM, Amigos de Deus, n.26.

[30] Ibidem, n. 35.

[31] Carta 30/04/1946, n. 46 (AGP, P07 12, pp. 183­184).

[32] Este aspecto assume diferentes formas em diferentes países do mundo (minha consideração, por razões fáceis de entender, foca principalmente a Europa, a América do Norte e – menos – a América Latina): filmes para televisão, minisséries e – especialmente no mercado norte-americano – séries de televisão que são, às vezes, mecanismos narrativos muito sofisticados (pensemos na série Lost ou, de uma forma muito diferente, a sofisticação intelectual e citações de uma série como The Simpsons).

[33] Bobette Buster, uma experiente consultora de Hollywood e professora da prestigiosa Universidade do Sul da Califórnia em Los Angeles, fala em suas aulas sobre a necessidade de audacity, audácia temática ou de trama, que os filmes de alto impacto devem possuir. Não se trata da tendência a apresentar um argumento chocante ou anticonvencional (este é um atalho que os autores muitas vezes tomam com pouco valor, mas é muito menos eficaz do que se pensa), mas precisamente a audácia de expor assuntos "intangíveis": no caso dos filmes citados acima, veja A Vida dos Outros, e seu argumento de como pessoas individuais (e, portanto, também um povo em geral) podem ou não resistir à opressão de um regime comunista: outro exemplo é A Vida é Bela, que trata de como a inocência de uma criança pode ser defendida nas circunstâncias mais extremas. Todos estes são casos de audácia na escolha do argumento.

[34] Lembramos que a atenção média à mídia de ficção na televisão na Itália (como em muitas outras sociedades ditas desenvolvidas) ainda era em 2011 de quase três horas e meia por dia por pessoa. Este é o valor médio: então, para cada pessoa que nunca vê televisão, há outra que vê sete horas por dia.

[35]Sobre estas questões, estudadas especialmente no caso da literatura, ver as reflexões de Wayne C. BOOTH, The Rhetoric of Fiction, 2nd edition, University of Chicago Press, Chicago 1983; reimp. Penguin, Harmondsworth 1987 (1st ed. 1961); trad. it. Retorica della narrativa, La Nuova Italia, Firenze 1996. IDEM, The Company We Keep. An Ethics of Fiction, University of California Press, Berkeley ­Los Angeles ­ London 1988. Em Paolo BRAGA, Dal personaggio allo spettatore. Il coinvolgimento nel cinema e nella serialità televisiva americana, Angeli, Milano 2003, encontra-se uma forte reflexão focalizada, em vez disso, nos aspectos dinâmicos específicos, típicos do cinema e da televisão.

[36] John B. THOMPSON fala sobre "intimidade não recíproca à distância" (John B. THOMPSON, The Media and Modernity. A Social Theory of the Media, Polity Press, Cambridge 1995; trad. it. Mezzi di comunicazione e modernità. Una teoria sociale dei media, Il Mulino, Bologna 1998).

[37] Em uma recente entrevista pública, um diretor de cinema contou como tinha ficado surpreendido por um e-mail de uma espectadora feminina que afirmava que, depois de ver um dos seus filmes no fim de semana (o filme narrava de um aborto, mas também aparecia um personagem que afirmava explicitamente que " não se pode jogar fora as crianças"), ela havia cancelado sua hora marcada para fazer um aborto. Vejo também que um jovem, ex-aluno do curso de cenografia que estou desenvolvendo, autor de um romance de muito sucesso (400.000 exemplares na Itália em dois anos e traduções em mais de quinze países), que lida com argumentos existenciais em profundidade, especialmente para adolescentes, está recebendo uma infinidade de e-mails, comentários em blogs e facebook, que mostram que o romance mudou a vida de uma pessoa e de outra e de outra... chegando a milhares de pessoas. De uma mulher de trinta e cinco anos, que diz ter mudado de ideia e decidido ter filhos, a pessoas que escrevem que "isso mudou minha maneira de ver o mundo". Ler os comentários ao romance em sites de redes sociais (facebook, blog do autor, etc.) foi extraordinariamente instrutivo.

[38] Nos últimos anos, Barbara NICOLOSI HARRINGTON, professora e roteirista que trabalha no mundo de Hollywood, voltou várias vezes a este assunto em muitas de suas contribuições: veja, por exemplo, o seu ensaio no volume Behind the Screen, citado acima, e – entre os textos mais recentes – a entrevista com Aletheia Writing Magazine, Summer 2011, pp.18 ss., também em: https://www.patheos.com/Resources/Additional­Resources/Storytelling­a­Dying­Art­Nick­Muzekari­08­05­2011.

[39] É uma produtora especializada em séries de televisão e séries curtas com alto orçamento, que muitas vezes tratam de questões históricas e religiosas, e que visa explicitamente oferecer entretenimento de acordo com os valores cristãos. Muitos dos programas produzidos tiveram audiências recordes na Itália e foram transmitidos em vários outros países (alguns também foram vendidos para dezenas e dezenas de territórios). Vários desses programas receberam importantes reconhecimentos, entre eles a indicação ou o prêmio Emmy, que é considerado o Oscar da televisão em todo o mundo.

[40] Ettore BERNABEI, Lectio magistralis, Pontificia Università Lateranense, Roma, 16 de maio de 2011, parcialmente reproduzido em L'Osservatore Romano, 16-17 de maio de 2011, p. 4, sob o título La televisione può salvarci dalla Torre di Babele. Algumas reflexões importantes sobre o seu trabalho também em Ettore BERNABEI (com Gabriele LA PORTA), Tv qualità. Terra promessa, Eri, Roma 2003.

[41]Por exemplo, o trabalho formativo de Act One (www.actoneprogram.com) em Los Angeles ou, no mundo protestante, a produtora Walden Media, ou – novamente no campo formativo – a experiência empreendida pelos abaixo assinados e alguns colegas de trabalho em 2000, dentro da Università Cattolica del Sacro Cuore di Milano, em estabelecer o que é hoje o programa Master in Scrittura e produzione per la fiction e il cinema. Como dissemos anteriormente, nos últimos anos testemunhamos um despertar de iniciativas formativas e produtivas dos cristãos em vários países do mundo, além, é claro, do trabalho que os cristãos que os cristãos fazem em produções e áreas não caracterizadas por elementos particulares de pertencimento religioso ou ideológico.

[42] Em vez disso, é uma tentação frequente, tanto para produzir filmes ou na gestão de um canal de televisão, quanto para iniciativas de formação como as universidades, pensar que o essencial é estar na vanguarda da tecnologia, ter muitos instrumentos, ter estúdios de gravação muito avançados, etc. Em nossa opinião, o importante para uma Universidade é formar profissionais com uma grande e sólida cultura (e obviamente com grandes raízes na fé) e, para iniciativas produtivas, colocar as pessoas em condições de desenvolver conceitualmente projetos da melhor maneira possível (portanto, também com tempo e recursos econômicos para trabalhar no seu melhor). Este não é o lugar para entrar em especificações técnicas, mas muitas vezes os autores começam a produção antes de ter estudado bem os projetos. Perder muito dinheiro no cinema e na televisão é, infelizmente, muito fácil.