O Carvão e o Rubi

Excertos do livro “São Josemaria Escrivá no Brasil”, texto que fala sobre a devoção do Fundador do Opus Dei ao Espírito Santo.

Durante romaria em Aparecida

Quero deter-me um pouco para falar da devoção do Padre ao Paráclito, ao Espírito Santo, o “doce Hóspede da alma". No Brasil, tivemos a fortuna de que a solenidade de Pentecostes – que naquele ano caiu em dois de junho – coincidisse com a estadia do nosso Fundador entre nós. Por isso, vou acrescentar aqui mais um item, complementar do anterior, contendo apenas alguns flashes “brasileiros" dessa devoção de São Josemaria ao Espírito Santo, tal como a vimos e vivemos com ele.

Na véspera de Pentecostes, ou seja, na noite de um a dois de junho desse ano de 1974, Mons. Escrivá, por causa de uma indisposição física, não conseguiu dormir quase nada, “não pregou olho". É natural que um homem de setenta e dois anos, com a saúde fragilizada, depois de uma noite em claro, tenha acordado sentindo uma grande fadiga.

Justamente para essa manhã de Pentecostes estava programada uma segunda “tertúlia geral" (a primeira fora no dia anterior, no Palácio das Convenções do Parque Anhembi), para milhares de pessoas de todas as idades – homens e mulheres, solteiros e casados, anciãos e adolescentes... –, que teria lugar no auditório do Palácio Mauá, na Praça João Mendes.

Mas Deus iria mostrar-nos, mais uma vez, como a alma de um santo supera a fraqueza e “arrasta o corpo". Confesso que eu, e muitos outros que conheciam fazia tempo São Josemaria, ficamos assombrados ao verificar que nunca o tínhamos visto tão bem disposto, tão exuberante, tão transbordante de vitalidade e alegria, tão ágil e rápido de pensamento e de palavra, tão cheio de entusiasmo contagiante, como nesse dia de Pentecostes.

Quero sublinhar que o que estou dizendo tem o valor de um testemunho. Eu estava lá, como mais um na multidão. Mas não foi uma impressão subjetiva. Todos ou a maioria dos que lá nos encontrávamos sentimos e comentamos exatamente a mesma coisa. Descrever o como e o porquê excede a minha capacidade de narração. Lá, sem dúvida, havia uma graça especial.

– “Estamos em família – dizia o Padre a uma moça que pedia orientação – ,como se estivéssemos você e eu sozinhos, com Nosso Senhor que nos escuta e o Espírito Santo que habita na tua alma e na minha".

Ela tinha-lhe perguntado o que é preciso fazer para ajudar a cada pessoa com o apostolado, e as palavras do Padre exalavam calor de Pentecostes:

“Você tem zelo apostólico e deseja fazer o bem às almas. Peça ao Espírito Santo, neste dia de Pentecostes, que lhe faça ver com clareza qual é o alimento que deve dar àquela criatura a quem deseja ajudar. Veni, Sancte Spiritus! – diga-lhe isso hoje –. Vem, Espírito Santo, e ilumina o meu coração e o coração dessa pessoa que amo; dá-me palavras de fogo; faz com que eu possa me explicar, com “dom de línguas", e ela me entenda; que o que eu explique seja a palavra de Deus, a verdade de Cristo".

Novamente saiu à baila, após outras perguntas, um tema tão próprio da festa como o do apostolado (esse apostolado que deslanchou, com a Igreja nascente, em Pentecostes). Deste vez foi uma senhora, que indagou o que precisávamos fazer para multiplicar a eficácia do apostolado. Na resposta do Padre, outra vez via-se o lampejo de Pentecostes:

“Minha filha, se alguém lhe fizesse hoje essa pergunta, você, movida pelo Espírito Santo, empregaria as mesmas palavras que Nosso Senhor: Pedi e recebereis, procurai e achareis, batei e vos abrirão. Quer dizer que você deve rezar ao Senhor para conseguir toda essa multiplicação de almas que se ocupem dos demais, que sejam uma sementeira de paz, de alegria, de trabalho, de carinho, de compreensão, de convivência, de fraternidade cristã. Você pedirá ao Espírito Santo que venha às almas de todos, e o Paráclito tomará posse das nossas almas – Ele já está vindo – para cumulá-las de alegria, de verdadeiro amor, de realidades de fraternidade".

O dia parecia fazer girar os corações à volta do zelo por levar os outros a Deus. Agora era um juiz, Paulo, que queria aprofundar sobre o modo mais eficaz de cumprir esse dever cristão:

– “Meu filho, que bom dia hoje para falarmos disso! É verdadeiramente o Espírito Santo quem coloca no seu coração e na sua boca essas perguntas, esses temas".

São Josemaria, então, espraiou-se numa resposta que mostrava um traço essencial da mensagem do Opus Dei: recordou-lhe que é dever de todos os cristãos comuns – de todos! – procurar a santidade e o apostolado no meio do mundo; e fez-lhe ver, por outro lado, que o apostolado só pode ser eficaz se for um "transbordamento" da vida interior, do amor de Deus. A resposta, um tanto longa, densa de doutrina, terminou com uma comparação expressiva:

“Todos os cristãos temos a obrigação de ser apóstolos. Todos os cristãos temos a obrigação de levar o fogo de Cristo a outros corações. Todos os cristãos temos que fazer com que se alastre a fogueira da nossa alma.

“Olhe, você e eu somos pouca coisa ... No fundo do meu coração, vejo-me como uma espécie de nada. Vamos dizê-lo com uma comparação: vejo-me a mim mesmo como um carvão que nada vale: preto, escuro, feio... Mas o carvão, metido no fogo, se acende e se converte numa brasa: parece um rubi esplêndido. Além disso, dá calor e luz: é como uma jóia reluzente. E caso se apague? Outra vez carvão! E caso se consuma? Um punhadinho de cinza, nada.

“Meu filho, você e eu temos de inflamar-nos no desejo e na realidade de levar a luz de Cristo, a alegria de Cristo, as dores e a salvação de Cristo a tantas almas de colegas, de amigos, de parentes, de conhecidos, de desconhecidos – sejam quais forem as suas opiniões em coisas da terra –, para dar a todos um abraço fraterno. Então, seremos rubi aceso, e deixaremos de ser esse nada, esse carvão pobre e miserável, para sermos voz de Deus, luz de Deus, fogo de Pentecostes!"

Adaptado do livro «São Josemaria Escrivá no Brasil, esboços do perfil de um santo», Francisco Faus, " Editora Quadrante", São Paulo, 2007.