Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença

Dez anos depois do AVC sofrido por sua esposa, Jorge recorda os momentos de angústia que sofreu durante os 44 dias em que ela esteve no hospital, e como em meio àquelas visitas redescobriu o sentido da sua promessa matrimonial.

Juliana e Jorge com os filhos e netos, em dezembro de 2020

Minha esposa Juliana estava ali inerte, desfalecida sobre a maca ainda na sala de espera do Pronto Atendimento do Hospital das Clínicas, em São Paulo. O relógio já marcava a primeira hora do sábado, 7 de agosto de 2010. Após presenciarmos uma belíssima cerimônia de casamento do filho de um amigo, tínhamos regressado ainda no auge da festa. E em casa ela sentiu tontura como primeira manifestação do AVC hemorrágico que nos fez levá-la às pressas para os cuidados médicos. Foi uma longa madrugada.

Aos 56 anos, era mãe de sete filhos e, na época, avó de três e um quarto a caminho. Somos ambos supernumerários do Opus Dei, e a formação espiritual que recebemos desde os primeiros anos da época universitária foi decisiva para ajudar a sustentar a fragilidade humana posta cruamente em evidência para cada um de nós. Naquela fria madrugada, na lanchonete do HC, tomando um café com o Marcelo, o mais velho dos meus filhos, falávamos sobre o que fazer. Decidimos em seguida telefonar ao Japão para começar informando o filho Alberto, o que residia mais longe. Três dias mais tarde, ele desembarcava em Cumbica para se juntar a nós nesta grande prova que Deus nos propôs.

Na noite daquele sábado, ela foi à mesa de cirurgia para a remoção do coágulo que pressionava indevidamente o cérebro dentro da calota craniana. Durou quatro longas horas. Não sabíamos como seria o pós-operatório. Sobreviveria? Que sequelas teria? Reconheceria a todos? Rezamos muito. E lembro que no Santuário de Fátima do Sumaré rezamos o terço em família.

Rezamos muito. Nossas vidas foram transformadas. A família tornou-se muito mais unida

Ninguém está humanamente preparado para uma situação como aquela. Tudo mudou de um momento para o outro, tudo foi novidade, uma experiência inédita. Vivemos uma interminável romaria diária ao hospital, para aproveitar ao máximo o breve tempo de visitas que permitia apenas dois visitantes diários. A escala de rodízio de visitas era cuidadosamente programada e muito esperada, e eram os filhos que decidiam entre si quem seria o visitante do dia: era sempre o outro ou a outra. A mim me foi concedido o privilégio de ser um dos dois visitantes todos os dias, vaga garantida, por unanimidade entre eles.

Ficou entre a vida e a morte na UTI durante 44 dias, e a cada visita, a cada conversa com o médico responsável, a cada micrométrica evolução renovava-se em nós a esperança de vê-la recuperar-se. Rezamos muito, pedimos as orações de muitos, e nossas vidas foram sendo transformadas. A família tornou-se muito mais unida, monolítica, imensamente cooperativa. Impressionavam os e-mails de solidariedade e de ânimo, carregados de orações: a Juliana recebia esses presentes cheios de fé, trazidos de pessoas que visitaram Lourdes, Fátima, Terra Santa e Roma, e até relíquias de alguns santos.

Repentinamente vieram à minha mente as palavras “... na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da minha vida!”

Numa noite, há algumas semanas imersos neste cenário e após ter ministrado aulas em uma universidade onde eu lecionava, estava sozinho no meu veículo rumo ao Hospital das Clínicas. Aproveitando a circunstância de estar internada, ela foi submetida a uma outra cirurgia. Repentinamente vieram à minha mente as palavras “... na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da minha vida!”, que proferi solenemente durante a cerimônia de casamento 31 anos antes. Durante todas estas décadas não é que tivesse me esquecido delas, mas compreendi naquele momento que eu não havia entendido até então o seu real significado e a verdadeira dimensão daquela promessa: “na doença” não se referia somente a situações em que ela está com uma gripe ou com um mal estar, como tinha sido até então; aquelas palavras ganhavam um significado especial durante aqueles dias em que ela estava entre a vida e a morte, e cada um de nós ajudando-a no que podíamos! E o lembrete estava ali, na aliança do meu dedo!

Com nossos filhos na comemoração das Bodas de Prata, 6 anos antes do AVC.

Hoje, após 10 anos daquele incidente e com 41 anos de feliz casamento, oito netos nascidos e mais um a caminho, Juliana Mariko Abe Shintani ainda vive na cadeira de rodas. Viver essa última década tem sido certamente muito mais heroico para ela que para mim. Não perdeu a sua alegria e continua recebendo formação na Obra, que a ajuda a oferecer as incomodidades para Deus e pelas outras pessoas.

Ela se convenceu há muito tempo de que o trabalho materno dela passou a ser santificar-se na doença e rezar pelos filhos e filhas – que hoje estão dispersos pelo Brasil, Estados Unidos, Suécia e Itália, pelos netos e netas, e pelas outras pessoas; e também pelas intenções específicas que lhe são solicitadas. Um motivo de felicidade extra foi ela ter constatado que muitas pessoas rezam muito, e que rezam também por ela. Até hoje muitas pessoas me perguntam como está a Juliana, e asseguram que continuam rezando por ela: a corrente de orações por ela prossegue muito ativa e forte! Graças a Deus e a muitas pessoas atualizamos cada dia aquela promessa de estar muito unidos “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”!

Jorge Makoto Shintani