"Las mil primeras": entrevista com a María Luisa Galdón e o Julio Montero

Os historiadores Julio Montero e María Luisa Galdón são os autores do novo livro editado por Rialp, intitulado “Las mil primeras. Supernumerarias del Opus Dei en España (1945-1963)”.

Las mil primeras. Supernumerarias del Opus Dei en España (1945-1963)

“Las mil primeras” documenta a história de mil mulheres que, em um contexto de limitações e preparação para a modernização da Espanha, se sentiram chamadas a começar algo grande e “se converteram em protagonistas de uma revolução apaixonante e serena”.

▶ Índice e introdução do livro em PDF


O livro narra os inícios do apostolado do Opus Dei com mulheres casadas e destaca como compreenderam a necessidade de transformar interiormente suas vidas para conseguir um forte impacto exterior. Sua incorporação à Obra como supernumerárias, depois da aprovação da Santa Sé, permitiu completar a fundação do Opus Dei e deixou clara a chamada universal à santidade.

Julio Montero-Díaz é catedrático de História da Comunicação da Universidade Complutense de Madri e desde 2014 trabalha na Universidade Internacional de La Rioja. María Luisa Galdón Cabrera é licenciada em História pela Universidade de Valladolid. Há anos dedica-se a pesquisar a história do Opus Dei, em especial o início e o desenvolvimento das supernumerárias da Espanha. Por ocasião do lançamento do livro conversamos com ambos sobre alguns pontos.

Por que escrever um livro que relata o início dos apostolados da Obra com mulheres casadas?

María Luisa Galdón (MLG): O primeiro motivo é que não havia nada escrito sobre este tema e parecia-nos que a história destas pessoas, pioneiras desse campo apostólico, devia ser conhecida.

Julio Montero (JM): Do ponto de vista do interesse histórico, estamos falando de um grupo de mulheres, mil mulheres de um país. Sua história em si já tem interesse. Este grupo de pessoas apresentava uma novidade muito importante: uma mulher casada, uma dona de casa espanhola dos anos 50, podia aspirar a ser santa, e a Igreja reconhecia este fato.

Como estas mulheres tiveram conhecimento do Opus Dei e qual foi sua primeira impressão sobre a instituição?

JM: As mulheres que solicitaram a incorporação à Obra como supernumerárias, aproximadamente as 20 ou 30 primeiras, conheciam o Opus Dei através de seus maridos, irmãos, tios e inclusive primos que em muitos casos já estavam familiarizados com a Obra ou eram membros da instituição, e deram então a conhecer a mensagem a estas mulheres.

MLG: Poderíamos acrescentar que algumas conheceram o Opus Dei por intermédio de seus filhos. Vimos nas pesquisas que muitas dessas mulheres eram um pouco mais velhas, já que foram seus filhos que solicitaram a admissão primeiramente. Depois este cenário mudou e foram elas que conheceram a Obra primeiro e deram-na a conhecer em seu ambiente familiar e a pessoas próximas.

De acordo com os testemunhos dados, quais foram os aspectos da mensagem do Opus Dei que mais impactaram e atraíram estas mulheres?

MLG: A maioria delas aspirava a viver uma vida cristã como um compromisso, pelo que, ao conhecer a mensagem do Opus Dei, ela lhes pareceu natural por estar de acordo com seus desejos de buscar a santidade através do casamento e das responsabilidades cotidianas. Em algumas das entrevistas que fiz para esta pesquisa, muitas expressaram esta ideia: “eu havia enfim encontrado o que procurava, ser santa através do casamento”.

Além disso, nas entrevistas destacaram vários aspectos da mensagem que chamaram bastante a sua atenção. Muitas mencionaram a coerência e a alegria que descobriram na mensagem, despertando algo muito profundo nelas. Mencionaram ainda a forma positiva como a mensagem era transmitida, insistindo no amor de Deus, no amor e serviço aos outros e, sobretudo, na compreensão da filiação divina: sentiam-se filhas de Deus.

JM: Muitas, embora não tivessem tido nenhuma relação prévia com a Obra, começaram a ter contato com o Opus Dei ao ir a igrejas onde sacerdotes da Obra atendiam confissões. Tais encontros despertaram nelas novas metas de vida espiritual que nunca tinham considerado.

Algumas cartas consultadas para este trabalho são verdadeiramente emocionantes e refletem o impacto que provocou nelas a mensagem de santidade no meio do mundo, manifestando uma autêntica revolução interior.

O mundo católico da época facilitou ou dificultou a compreensão da mensagem da santidade na vida diária?

JM: O ambiente da Espanha nos anos 50 proporcionou, poderíamos dizer, uma cultura católica arraigada, hábitos católicos e um conhecimento, pelo menos, do que se podia fazer para estar mais perto de Deus. Embora talvez nem todos rezassem com sinceridade, havia um entendimento geral sobre o que significava rezar sinceramente. Quer dizer, era uma sociedade majoritariamente católica, na qual o conhecimento básico da doutrina cristã estava bastante estendido, o que permitia que as inquietações espirituais pudessem ser dirigidas pessoalmente para um caminho de santidade.

É possível traçar um retrato coletivo dessas mil mulheres?

MLG: O ponto mais radical na vida destas mulheres foi sua chamada ao Opus Dei. Esta vocação impulsionou-as a dedicar e orientar sua vida na direção que Deus lhes indicava. Desde o princípio, além disso, a chamada fez com elas sentissem que pertenciam a uma nova família. Uma família da qual deviam cuidar, rezando uma pelas outras, ajudando-se e apoiando-se mutuamente. Observa-se nelas um espírito de entrega aos outros e o desejo de transmitir a familiares, amigos e conhecidos o que haviam descoberto.

JM: Do ponto de vista cultural e social, estamos falando de mulheres em um período de tempo bem específico, de 1950 a 1963. Pertenciam, na sua grande maioria à classe média e à classe média alta da época, que é diferente das atuais. Eram mulheres cultas em geral, tendo algumas concluído o ensino médio e outras, poucas, os estudos universitários. Este quadro será modificado anos depois, a partir de 1975, porque o contexto será diferente. As circunstâncias de muitas mudarão, participarão de promoções em grupos, terão carreira profissional e algumas, inclusive, dedicar-se-ão à política. Estamos falando, de qualquer forma, de mulheres normais e iguais às suas contemporâneas.

Como estas mulheres contribuíram para a expansão do Opus Dei na Espanha?

MLG: Além do apostolado pessoal de cada uma através da amizade e das relações familiares, com o tempo e à medida que amadureciam tanto do ponto de vista humano como espiritual, estas mulheres superaram estereótipos da sociedade da época e passaram a ter um certo protagonismo.

Encarregaram-se de diversas iniciativas, colaboraram em obras corporativas do Opus Dei e participaram de projetos sociais e assistenciais, tais como dispensários médicos, fundações para obter bolsas de estudos em cidades e países desfavorecidos, e realizaram outras ações similares de atendimento e serviço.

JM: É importante ter em conta que nesses anos considerados, as obras corporativas das mulheres do Opus Dei eram poucas. Havia o Colegio Mayor Zurbarán e, no fim deste período, começa o Colegio Guadalaviar e algumas Escolas do Lar. As supernumerárias estavam profundamente envolvidas em todas essas tarefas, desde o princípio, tanto para promovê-las como para angariar recursos e algumas inclusive como professoras. É interessante observar o que aconteceu nos anos posteriores aos que estudamos em nossa pesquisa, ou seja, a partir de 1963, quando mais supernumerárias continuaram a incorporar-se e a levar a cabo numerosos projetos.

Poderíamos dizer que os anos entre 1950 e 1963 foram de preparação e formação para estas mulheres que assimilaram a mensagem da Obra e a puseram em prática com espírito de iniciativa, tanto na expansão dos apostolados da Obra como em iniciativas específicas para mulheres.

Como se explica o crescimento do apostolado entre mulheres casadas durante esses anos?

MLG: É notável a dedicação destas mulheres para superar diversas dificuldades sociais e inclusive estruturais para aceder aos meios de formação, como círculos, recolhimentos mensais, retiros e convivências.

A fidelidade e esforço que fizeram em sua formação permitiu chegar, em pouco tempo, a um maior número de mulheres. Em suma, essas pioneiras tinham consciência da transcendência da missão que receberam e da necessidade de comunicar e transmitir a mensagem de santificação no meio do mundo.