Ir à Aparecida como um romeiro

«Com que alegria fui a Aparecida! Com que fé rezáveis todos! Eu dizia à Mãe de Deus, que é Mãe vossa e minha: Minha Mãe, Mãe nossa, eu rezo com toda esta fé dos meus filhos.»

Já no século XIX, um grande número de peregrinos chegava de todas as partes do Brasil para rezar diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida.

O médico e botânico francês Augusto de Saint Hilaire comentou, em 1822:“A uma légua pequena de Guaratinguetá, passamos frente à Capela de Nossa Senhora Aparecida. A imagem, que ali se venera, passa por milagrosa e goza de grande reputação, não só na região, como nas partes mais longínquas do Brasil. Aqui vem ter gente, dizem, de Minas, Goiás, Bahia, cumprir promessas feitas a Nossa Senhora Aparecida”[1].

Lúcia Hermann, ao descrever a vida religiosa da região, por volta de 1850, afirma: “A vida religiosa continua intensa. A “Casa dos milagres” em Aparecida é o grande foco da sua manifestação”.

No mês de julho de 1860, o jornalista Augusto Emílio Zaluar pôde contemplar de perto a imagem e comoveu-se com o seu olhar sorridente e compassivo. Também o impressionou como muitos romeiros realizavam muitos sacrifícios para chegar à Capela e como os peregrinos rezavam piedosamente lá dentro, saindo depois com alegria e esperança estampadas em seus rostos. Ele descreve os seus sentimentos nas seguintes palavras: “A protetora imagem da Senhora Aparecida, coberta com seu manto azul parece sorrir compassiva a todos os infelizes que a invocam, a quem jamais negou consolação e esperança”.

A fama e projeção nacional da Capela, verificada no século XIX, foram veiculadas principalmente pelo povo, que narrava aos demais o conforto e a esperança que experimentava quando apresentava as suas angústias diante da imagem[2].

Em 1897, o Pe. Valentin von Riedl acrescenta: “Construiu-se uma pequena Capela, que foi se tornando centro do culto mariano e como o número de peregrinos crescesse sempre mais, foi preciso construir-se uma igreja”[3].

Na última década do século, o Pe. Lourero Gahr fez uma interessante descrição das romarias: “Os romeiros, conforme o jornal do lugar, chegam a 150.000 por ano. Todas as classes também as mais elevadas são representadas: vêm senhores importantes, acompanhados dos seus criados... A maior parte dos romeiros vem de trem, mas no tempo seco, de abril a novembro, vêm muitas caravanas com 15 até 30 cavalos, burros e cargueiros...”.

As romarias à Aparecida sempre conservaram um sentido mais espiritual. Tudo girava em torno da devoção, preces e cumprimento de promessas. Não havia distinção de pessoas. Em todas elas a devoção criou raízes e se manifestava com os mesmos atos e gestos: beijar a imagem, ir de joelhos até o altar, varrer a Igreja, subir de joelhos a rua da Calçada, vestir mortalha, guardar silêncio durante a viagem, jejuar, dar esmola aos pobres, joias e donativos à Igreja.

Em 1897, o Pe Valentin von Riedl, sobre os romeiros comenta: “São negros, brancos, mulatos, são senhores e damas ricamente trajados e pobres maltrapilhos; oficiais e ministros de Estado; militares uniformizados se ajoelham junto de um pobre e com uma vela acesa nas mãos fazem as suas orações e cumprem as suas promessas ... De fato é uma fé viva e filial, havendo casos de famílias se privarem de tudo para dar a Nossa Senhora, não tendo às vezes o suficiente para a viagem de volta. Vê-se assim uma devoção generosa, um amor pronto aos sacrifícios”.

As grandes romarias de 1900, organizadas pelos bispos de São Paulo e do Rio de Janeiro, imprimiram um novo impulso às peregrinações ao Santuário de Aparecida.

Por volta de 1926, os capelães e os peregrinos sentiam a necessidade de se construir uma igreja mais ampla. Durante o Congresso Mariano, em 1929, a ideia começou a ganhar forma e, durante várias décadas, diversos projetos foram sendo apresentados. O início efetivo da construção ocorreu em novembro de 1955, e, embora as obras seguissem, o movimento religioso do domingo foi transferido para a nova Basílica já em 21 de junho de 1959.

A imagem de Nossa Senhora Aparecida foi transladada, definitivamente, para a nova Basílica apenas no dia 03 de outubro de 1982. Na época, a quantidade de peregrinos anuais ultrapassava o número de 3 milhões. Em 2013, esse número chegou a 11,8 milhões de devotos.

Entre os milhões de romeiros que passaram por Aparecida, esteve também um santo. No dia 28 de maio de 1974, São Josemaria foi de helicóptero até o santuário antigo de Nossa Senhora Aparecida. Centenas de pessoas o esperavam para acompanhá-lo na recitação do terço. O fundador do Opus Dei se ajoelhou no chão do presbitério e começou a rezar, em português, o Terço.

Com o olhar fixo na pequena imagem, São Josemaria respondia em voz baixa às orações. Pausadamente, em uníssono, toda a igreja rezava em voz alta. Quando terminou, o fundador do Opus Dei levantou-se e rodeou o altar pelo lado direito, para subir até ao camarim de Nossa Senhora Aparecida. Olhou por uns instantes a Virgem e beijou o escudo enquanto dizia em voz baixa: “Mãe!”. No dia seguinte, comentou: Com que alegria fui a Aparecida! Com que fé rezáveis todos! Eu dizia à Mãe de Deus, que é Mãe vossa e minha: Minha Mãe, Mãe nossa, eu rezo com toda esta fé dos meus filhos. Te queremos muito, muito. E parecia escutar, no fundo do coração: com obras!.

São Josemaria ao regressar de Aparecida comentou: Foi um grande consolo para mim ver o amor e a fé com que vocês rezavam lá em cima, naquele santuário. A devoção lá é verdadeiramente espiritual, porque quase não se vê a imagem. Mesmo chegando perto, quase não se vê!.

A nossa fé deve levar-nos a sempre termos anseios de ir à Aparecida como um romeiro, para estar com a nossa Mãe espiritual. O Santuário Nacional de Aparecida é a casa da nossa Mãe! E, especialmente, neste Ano Mariano Nacional devemos intensificar esse desejo e, se possível, colocá-lo em prática.

No último Ano Mariano Universal, o Papa João Paulo II nos escreveu: “O Ano Mariano tornou-se, podemos bem dizê-lo, o tempo de uma «peregrinação» singular, na esteira d'Aquela que «precede» na peregrinação da fé todo o Povo de Deus: precede todos e ao mesmo tempo cada um, e cada uma. Esta peregrinação tem muitas dimensões e âmbitos: nações inteiras e até mesmo continentes reúnem-se nos Santuários marianos, sem falar já do fato que cada um dos cristãos tem o seu santuário «interior», no qual Maria Santíssima lhe faz de guia no caminho da fé, da esperança e da união amorosa com Cristo...

Estes «lugares» recordam os mistérios particulares da Virgem Mãe, as qualidades e os acontecimentos da sua vida...

Neste Ano, procurai ser particularmente assíduos a estes «lugares», a estes «Santuários». Ide buscar aí novas forças e as vias para uma renovação autêntica da vossa vida [...] Sim! Procurai junto de Maria a vitalidade espiritual e rejuvenescei com Ela! Rezai pelas vocações! E, por fim, «fazei o que Ele (Cristo) vos disser», como a Virgem Maria sugeriu em Caná da Galileia (cf. Jo 2, 5). É isso que espera de vós e é isso que deseja para vós Maria, Esposa mística do Espírito Santo e nossa Mãe[4].

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[1] Nas seis páginas do seu diário, dedicadas à Capela, menciona o reflexo do culto encontrado por ele nos ex-votos deixados na igreja: “As paredes da Capela quase que não tem já lugar para as figuras de cera; troncos, cabeças, braços, pernas e mãos de todos os tamanhos e feitios que se veem pendurados, ao lado de numerosos painéis, representando este um pai salvando um filho das garras de uma fera, aquele moribundo restituído à vida por haver invocado, cheio de religiosa piedade, o nome da sua celestial protetora, e, finalmente, a simbólica epopeia de todos os martírios e de todas as dores que angustiam a existência humana. Afortunados os sertanejos que têm mais fé na intervenção divina do que nos resultados tantas vezes mentirosos da ciência humana”.

[2] São muitos os documentos que atestam essa realidade: diários, crônicas e reportagens de jornais. Valiosas são também as impressões dos primeiros capelães redentoristas.

[3] Analisando a influência do amor do povo a Nossa Senhora Aparecida na conservação de sua fé católica, escreveu: “Não é sem razão que Nossa Senhora é tão amada e invocada; esse amor e devoção foram proteção contra a descrença e se tornaram o filão de ouro da sua perseverança na fé católica. Sem essa devoção, teria o povo caído em completa indiferença religiosa”.

[4] Papa João Paulo II, Carta Apostólica Litterae Encyclicae, 22 de maio de 1988, parte V.

Flávio Sampaio