Homilia do Prelado do Opus Dei na festa litúrgica de São Josemaria

"Ut in gratiarum semper maneamus", vivamos em perene ação de graças; "Deo omnis gloria", a Deus toda a glória. Eram estas duas das aspirações que animavam São Josemaria, cuja festa hoje celebramos.

Queridos irmãos e irmãs

Ut in gratiarum semper maneamus, vivamos em perene ação de graças; Deo omnis gloria, a Deus toda a glória. Eram estas duas das aspirações que animavam São Josemaria, cuja festa hoje celebramos, com o vivo desejo de imitar o exemplo da sua vida quotidiana. Agradecemos também ao Senhor porque - como diz o prefácio da Missa – toda a Igreja é fortalecida com o exemplo dos santos, instruída com a sua palavra e protegida com a sua intercessão (1), que hoje contemplamos em S. Josemaria.

Como nos anos precedentes, convido-vos a meditar sobre alguns dos aspectos da sua resposta a Deus, que possa servir de ajuda à nossa conduta cristã. Hoje quero deter-me sobre o amor e veneração à Igreja e ao Romano Pontífice que sempre o caracterizaram. A ocasião é muito propícia, por dois motivos: em primeiro lugar porque nos encontramos no início de um novo pontificado, momentos sempre caracterizados por esperanças e desafios. Por outro lado, porque há três dias, a 23 de Junho, se completaram sessenta anos da chegada de São Josemaria à Cidade Eterna, onde permaneceu até à morte que sobreveio, como sabemos, no dia 26 de Junho de 1975.

Foi uma viagem em que não faltaram sérios obstáculos. À grave diabetes de que sofria – ao ponto de os médicos lhe desaconselharem vivamente a deslocação -, acresciam então as dificuldades de comunicação entre Espanha e Itália – estava-se ainda no rescaldo da guerra mundial – e a absoluta ausência de meios econômicos em que este sacerdote se movia. Impelido pelo zelo apostólico e pelo desejo de cumprir a vontade de Deus, São Josemaria empreendeu, apesar de tudo, a viagem, aconselhado pelo meu caríssimo predecessor, D. Álvaro del Portillo, que partira para Roma meses antes.

Os historiadores descreveram com abundância de pormenores as circunstâncias que o induziram a não atrasar a viagem. Para nós é uma ocasião, como disse anteriormente, de meditar sobre o amor apaixonado pela Igreja e pelo Romano Pontífice, traço característico do fundador do Opus Dei, que também naqueles momentos se manifestou de modo claro.

Desde os primeiros anos da sua vocação, quando era ainda jovem sacerdote, São Josemaria cultivava o desejo vivo de visitar Roma. Escreveu em Caminho: Católico, Apostólico, Romano! - Gosto que sejas muito romano. E que tenhas desejos de fazer a tua "romaria", “videre Petrum”, para ver Pedro. (2) Num dos primeiros documentos sobre o espírito da Prelatura do Opus Dei, datado de 1934, leem-se estas outras palavras: Devemos prestar a Deus toda a glória: Ele assim o quer: “gloriam meam alteri non dabo”, não darei a minha glória a nenhum outro (Is 42, 8). É por isso que nós queremos que Cristo reine, “per ipsum, et cum ipso, et in ipso, est tibi Deo Patri Omnipotenti in unitate Spiritus Sancti omnis honor et: gloria” : Por Ele, e com Ele, e n’Ele , a ti Deus Pai omnipotente, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e glória. Exigência do seu reino é que todos, com Pedro, vamos a Jesus por intermédio de Maria. (3)

Por vezes, ainda nos primeiríssimos anos da Obra, contava-nos alguns pormenores da sua veneração pelo Santo Padre. Por exemplo, sempre que rezava o Terço, quando ainda vivia em Madrid, concluía esta oração com uma comunhão espiritual, imaginando receber a Sagrada Hóstia das mãos do Papa, na capela privada do Santo Padre. Este e outros pequenos estratagemas ajudavam-no a crescer em amor à Igreja, fundada por Cristo sobre o Príncipe dos Apóstolos, e a favorecer uma união mais estreita, afetiva e efetiva, com o sucessor de Pedro.

Podemos, pois, imaginar a emoção e vibração espiritual de São Josemaria quando chegou a Roma em Junho do longínquo ano de 1946. Quando se entra na cidade pela Via Aurélia, há um momento em que se divisa a cúpula da Basílica de São Pedro. A comoção interior do Fundador do Opus Dei brotou na recitação de um Credo, cujas palavras saboreava uma a uma, como profissão da fé cristã pela qual Simão Pedro e tantos homens e mulheres haviam dado aqui mesmo nesta cidade o supremo testemunho do martírio, nos primeiros séculos do cristianismo.

Uma vez entrados na Cidade Eterna, São Josemaria e as pessoas que o acompanhavam dirigiram-se à Praça da Città Leonina, perto dos muros do Vaticano, onde se encontrava instalado provisoriamente o primeiro centro do Opus Dei em Roma. Enquanto os outros se retiravam para descansar, São Josemaria permaneceu num pequeno terraço da casa, que dava para os aposentos pontifícios. Graças às luzes acesas das janelas, estava em condições de seguir o trabalho do Sucessor de Pedro, que era então Pio XII. Aquelas circunstâncias revelaram-se uma ocasião mais para intensificar a união íntima com o Romano Pontífice. Quando todas as luzes se foram apagando, ele permaneceu recolhido em oração, até de manhãzinha. Assim decorreu a sua primeira noite romana.

Temos aqui um primeiro momento de reflexão de que podemos retirar consequências práticas. Nós vivemos, talvez desde há muito tempo, nesta cidade que é a sede do Papa. Temos, pois, uma maior facilidade de vedere Pietro, talvez participando mesmo nalgumas audiências ou cerimônias, e podemos estar mais unidos no dia-a-dia à sua pessoa e às suas intenções. Por isso me pergunto e vos pergunto: lembramo-nos de rezar todos os dias por Bento XVI e de oferecer pela sua pessoa e pela sua missão universal o nosso trabalho e alguma pequena mortificação durante o dia? Esforçamo-nos por conhecer os seus ensinamentos, por os pôr em prática e por os transmitir a outras pessoas?

Recordai o que Bento XVI pediu a todos os cristãos desde os primeiros momentos do seu serviço como Sucessor de Pedro. Na Missa do início do seu Pontificado, por umas três vezes nos pediu para estarmos junto dele com a oração: Recordo-vos as suas palavras: “Rezai por mim, para que eu aprenda cada vez mais a amar o Senhor. Rezai por mim, para que eu aprenda a amar cada vez mais o seu rebanho - vós, a Santa Igreja, cada um de vós singularmente e todos vós juntos. Rezai por mim, para que eu não fuja, por receio, diante dos lobos. Rezai uns pelos outros, para que o Senhor nos guie e nós aprendamos a guiar-nos uns aos outros”. (4)

São Josemaria amava com paixão a Igreja; considerava-a – segundo as palavras de São Paulo e conforme os ensinamentos do Magistério – Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, mas santa e imaculada (5). Deu-nos um exemplo luminoso de como distinguir entre a santidade da Igreja e as falhas dos seus representantes na terra. Não se escandalizava com os certos erros pontuais dos cristãos, que são sempre atribuídos a pessoas e não podem ser imputados – assim, de um modo generalizado – à Igreja, aos bispos e aos sacerdotes, ao conjunto do povo de Deus. Pelo contrário, se em alguma ocasião testemunhou – ou ouviu falar – do comportamento menos próprio de um membro da Igreja, este facto levava-o a aumentar a sua fé no Espírito Santo e na Igreja. Demonstraria pouca maturidade – escreveu – aquele que, na presença de defeitos e misérias que encontrasse em alguma pessoa que pertencesse à Igreja – por mais alto que estivesse colocada em virtude das suas funções – sentisse diminuir a sua fé na Igreja e em Cristo. A Igreja não é governada nem por Pedro, João, ou Paulo; é governada pelo Espírito Santo e o Senhor prometeu que permanecerá a seu lado “todos os dias até à consumação dos séculos” (Mt. 28,20) (6).

Como referia o Servo de Deus D. Álvaro del Portillo - e, eu também, fui disso testemunha –, São Josemaria tinha como costume ir rezar à Basílica Vaticana. Durante muitos anos fazia isso quase todos os dias. Em frente da Basílica e dos Palácios do Vaticano recitava o Símbolo dos Apóstolos, acrescentando algumas palavras. Por exemplo, quando chegava à frase «Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, etc.», dizia sempre três vezes seguidas «Creio na minha Mãe a Igreja Romana, apesar dos pesares». Certa vez, achou que era oportuno contar este pormenor ao então Secretário de Estado, Cardeal Tardini, e quando este lhe perguntou que queria dizer com «malgrado tutto» apesar dos pesares), São Josemaria respondeu-lhe afavelmente: «Os seus pecados pessoais e os meus».

Irmãs e irmãos! Peçamos a Deus nosso Pai que nos dê uma fé e um amor à Igreja tão profundos como os de São Josemaria. São Josemaria afirmava, com frases bastante incisivas, que preferia morder a língua e cuspi-la para longe a falar dos pecados ou das faltas dos outros. Que não saia nunca da nossa boca uma palavra de crítica ou de murmuração! Nunca!

Pelo contrário, sintamo-nos chamados a defender esta nossa Mãe dos ataques que venham de outros, e a nunca ficar calados por respeitos humanos ou por medo. Aprendamos a expor, de uma maneira serena, a verdade que possa ter sido adulterada, sem elevar a voz, sem faltar ao respeito às pessoas. Mas para isto é preciso formar-se bem, conhecer o Catecismo da Igreja Católica ou, pelo menos, o Compêndio publicado no ano passado. Tudo isto deve estar assente numa vida de oração, alimentada pela oração individual e pela frequência dos sacramentos. Só assim estaremos dispostos a dar cumprimento à pertinente recomendação que, há poucos dias, o Papa fez dirigindo-se, especialmente, aos fiéis leigos: «Peço-vos que sejais, ainda mais, mesmo muito mais, colaboradores do ministério apostólico universal do Papa abrindo as portas a Cristo» (8).

Abrir de par em par as portas a Cristo, como nos aconselhava o venerável Servo de Deus João Paulo II, as do nosso coração e as dos corações dos outros, incansavelmente, é missão de todos os cristãos. O apostolado deve ser feito com os que estão longe e com os que estão perto, porque todos têm o direito de conhecer Cristo. De facto, «a Igreja não deve nunca considerar-se satisfeita com a multidão daqueles a quem, em certo momento, chegou, e afirmar que os outros estão bem como estão: muçulmanos, hindus, etc. A Igreja não pode instalar-se comodamente nos limites do seu próprio ambiente. Tem o compromisso da solicitude universal, deve preocupar-se por todos e (ocupar-se) de todos» (9).

São estas as intenções que hoje, por intercessão de São Josemaria, depomos nas mãos de Nossa Senhora Senhora, Mãe da Igreja e nossa Mãe. Seja Ela que a ajudar-nos a fazer com que essas intenções frutifiquem na nossa vida e no nosso trabalho. Ámen.

Homilia na festa litúrgica de São Josemaria

Basílica de Santo Eugênio, 26 de Junho de 2006, D. Javier Echevarría

Notas

1. Cfr. Comum dos Pastores.

2. São Josemaria, Caminho, n. 520.

3. São Josemaria, Instrução, 19-III-1934, n.36-37.

4. Bento XVI, Homilia no início do pontificado, 24-IV-2005.

5. Ef 5, 27.

6. São Josemaria, Homilia Lealdade à Igreja, 4-VI-1972.

7. Cfr. D. Álvaro del Portillo, nota ao n. 84 da Instrução de São Josemaria com data de Maio-1935/14-IX-1950.

8. Bento XVI, Homilia na vigília de Pentecostes, 3-VI-2006.

9. Bento XVI, Homilia no IV Domingo da Páscoa, 7-V-2006.