Getsêmani : oração e agonia de Jesus

Os relatos evangélicos transmitiram-nos a situação do local para onde Jesus se retirou uma vez terminada a Última Ceia: saindo então, foi, como de costume, para o monte das Oliveiras (Lc 22, 39), para o outro lado da torrente do Cédron (Jo 18, 1), e chegou com os Apóstolos a um lugar chamado Getsémani (Mt 26, 36; Mc 14, 32). Segundo estas indicações, tratava-se de um horto onde havia uma prensa para extrair azeite – é esse o significado do nome -, e ficava fora das muralhas de Jerusalém, a este da cidade

Panorâmica da torrente do Cedron e o monte das Oliveiras vista de Jerusalém. Foto www.biblewalks.com

Quando chega a hora marcada por Deus para salvar a humanidade da escravidão do pecado, contemplamos em Getsêmani Jesus Cristo que sofre dolorosamente, até derramar um suor de sangue (cfr. Lc 22,44), e que aceita espontânea e rendidamente o sacrifício que o Pai lhe reclama[1].

Os relatos evangélicos transmitiram-nos a localização do lugar onde Jesus se retirou uma vez terminada a Última Ceia: Jesus saiu e, como de costume, foi para o monte das Oliveiras[2], para o outro lado da torrente do Cedron[3], e chegou com os Apóstolos a um lugar chamado Getsêmani[4].

Segundo estas indicações, tratava-se de um horto onde havia uma prensa para extrair azeite – é esse o significado do nome –, e ficava fora das muralhas de Jerusalém, a leste da cidade, no caminho para Betânia.

Aquele lugar devia ser muito conhecido, pois Jesus muitas vezes ali se reunia com seus discípulos[5]. Além disso, não é estranho que os primeiros cristãos conservassem a memória de um local onde ocorreram fatos transcendentais da história da salvação. No horto das Oliveiras, perante a proximidade da Paixão, que se desencadeará com a traição de Judas, o Senhor sente a necessidade de rezar: Sentai-vos aqui, enquanto eu vou orar. Levou consigo Pedro, Tiago e João, e começou a sentir pavor e angústia. Jesus, então, lhes disse: “Sinto uma tristeza mortal! Ficai aqui e vigiai”! Jesus foi um pouco mais adiante, caiu por terra e orava para que aquela hora, se fosse possível, passasse dele. Ele dizia: “Abbá! Pai! tudo é possível para ti. Afasta de mim este cálice! Mas seja feito não o que eu quero, porém o que tu queres”[6].

A angústia era tal, que apareceu-lhe um anjo do céu, que o fortalecia. Entrando em agonia, Jesus orava com mais insistência. Seu suor tornou-se como gotas de sangue que caíam no chão[7]. A oração de Cristo contrasta com a atitude dos Apóstolos: Levantando-se da oração, Jesus foi para junto dos discípulos e encontrou-os dormindo, de tanta tristeza. E perguntou-lhes: “Por que estais dormindo? Levantai-vos e orai, para não cairdes em tentação”[8].

A cena da traição de Judas e a prisão de Jesus.

Jesus voltou três vezes para junto dos que o acompanhavam, e nas três vezes os encontrou carregados de sono, até que já era tarde demais: “Ainda dormis e descansais? Basta! Chegou a hora! Vede, o Filho do Homem está sendo entregue às mãos dos pecadores. Levantai-vos! Vamos! Aquele que vai me entregar está chegando”. Jesus ainda falava, quando chegou Judas, um dos Doze, acompanhado de uma multidão com espadas e paus[9]. Com um beijo traiu o Senhor, que foi preso enquanto os discípulos o abandonavam e fugiam.

Graças à peregrina Egéria, sabemos que na segunda metade do séc. IV se celebrava uma liturgia na Quinta-Feira Santa “no lugar onde o Senhor rezou”, e que havia aí “uma igreja formosa”[10]. Os fiéis entravam no templo, oravam, cantavam hinos e escutavam os relatos evangélicos sobre a agonia de Jesus no horto. Depois, dirigiam-se em procissão para outro local de Getsêmani onde se recordava a prisão[11].

A basílica da Agonia chama-se também de Todas as Nações porque foram dezesseis os países que contribuíram para a sua construção Foto: Israel Tourism (Flickr).

Seguindo esta tradição e outras igualmente antigas, são venerados atualmente três lugares relacionados com os acontecimentos daquela noite: a rocha sobre a qual o Senhor rezou, um horto que conserva oito oliveiras milenárias com alguns dos seus rebentos, e a gruta onde teria sido realizada a prisão. Menos de dez metros os separam. Na zona mais baixa do monte das Oliveiras, quase no fundo do Cedron, no meio de uma paisagem muito sugestiva: esta torrente, tal como a maioria dos “wadis” palestinos, é um vale seco e só recebe água com as chuvas do inverno; a encosta do monte, ao contrário do cimo, está pouco habitada, porque grandes extensões do terreno foram destinadas a cemitérios; abundam os olivais, dispostos em terraços, e também os ciprestes, nas beiras dos caminhos.

A basílica da Agonia

A rocha sobre a qual, segundo a tradição, o Senhor orou, encontra-se no interior da basílica da Agonia ou de Todas as Nações. Recebeu este nome porque dezesseis países colaboraram na sua construção, que foi levada a cabo entre 1922 e 1924. Segue a planta da igreja bizantina, da qual chegou até nós pouco mais do que os alicerces, pois foi destruída por um incêndio, possivelmente antes do século VII. Media 25 por 16 metros, tinha três naves e três absides, e pavimentos adornados com mosaicos; conservam-se destes alguns fragmentos, protegidos por vidros, junto dos atuais. Ao edificar o santuário moderno, também se encontraram vestígios de outro da época medieval. Foi erigido pelos cruzados no mesmo lugar da basílica primitiva, mas de tamanho maior e com uma orientação diferente, virado para sudeste, o que leva a pensar que não perceberam os restos precedentes. Ficou abandonado após a conquista de Jerusalém por Saladino.

Do Cedron, destaca-se o amplo átrio da basílica, com três arcos sustentados por pilastras e colunas unidas. A fachada está arrematada por um frontão. No tímpano, decorado com mosaicos, está representado Cristo como Mediador entre Deus e a humanidade. Nos dias de sol, a luminosidade no exterior contrasta com a penumbra do interior: as janelas filtram a luz com tons azulados, lilás e violeta, que recordam as horas de agonia de Jesus e convidam o peregrino ao silêncio, ao recolhimento e à contemplação. As doze cúpulas, sustentadas no centro da igreja por seis esbeltas colunas, reforçam esta sensação através de mosaicos que recordam o céu estrelado.

No presbitério, diante do altar, sobressai do pavimento a rocha venerada. Está rodeada por uma coroa de espinhos artística. Por trás, na abside central, está representada a agonia de Jesus no horto; nas absides laterais, também em mosaico, figuram a traição de Judas e a prisão de Jesus.

As oito oliveiras mais antigas de Getsêmani poderão remontar ao primeiro milênio.

O horto das Oliveiras

O terreno onde se ergue a basílica é propriedade da Custódia da Terra Santa desde a segunda metade do séc. XVII. Quando foi adquirido, o mais notável que conservava, além das ruínas medievais e bizantinas, era o chamado ‘jardim das flores’: uma área não cultivada, cercada por um muro, onde cresciam oito oliveiras que a tradição local datava da época de Cristo.

Enquanto os franciscanos esperavam o momento oportuno para reconstruir a igreja, protegeram aquelas oliveiras milenárias, ligadas sem dúvida à tradição cristã do lugar, de modo que chegaram até nós com vida. O seu aspecto antigo é impressionante. Os botânicos que as estudaram não chegaram a um consenso quanto à sua idade: alguns defendem que foram plantadas no séc. XI e que todas vêm do mesmo ramo; outros que a sua enorme espessura permite sugerir que remontam ao primeiro milênio. Sejam mais ou menos antigas, isso não tira interesse à sua preservação como testemunhas silenciosas que perpetuam a recordação de Jesus e da última noite da sua passagem pela terra.

A gruta da Prisão

O recinto da basílica da Agonia e do horto de Getsêmani inclui também um convento franciscano. Fora da propriedade, umas dezenas de metros para norte, está a gruta da Prisão, que também pertence à Custódia da Terra Santa. Acede-se a ela através de um corredor estreito, que parte do pátio de entrada para a Sepultura da Virgem. Este santuário mariano merece um artigo separado, em conjunto com a basílica da Dormição do monte Sião: por agora, basta dizer que, de acordo com algumas tradições, para ali teria sido trasladado o corpo de Nossa Senhora do bairro do Cenáculo, antes da Assunção; a igreja é partilhada pelas comunidades grega, armênia, síria e copta.

O corredor à direita da igreja da Assunção leva à gruta da Prisão. Foto: Leobard Hinfelaar.

A gruta mede uns 19 metros de comprimento por uns 10 de largura. Alguns vestígios arqueológicos permitem pensar que era utilizada como residência temporária ou como armazém pelo dono do horto. Pensa-se que foi aqui que os oito Apóstolos descansaram na noite em que Jesus foi preso. Depois das horas em agonia e oração, quando o Senhor percebeu a chegada de Judas, teria ido aí com os outros três Apóstolos para avisá-los do que ia suceder. Portanto, desse lado de Getsêmani Jesus terá saído ao encontro dos guardas.

Numerosos grafites, gravados pelos peregrinos em diversas línguas e épocas, sobre o reboco das paredes e o teto, constituem testemunho de uma veneração quase ininterrupta: no séc. IV, a caverna já era utilizada como capela e o pavimento tinha sido adornado com mosaicos; do séc. V até ao VIII, acolheu sepulturas cristãs; na época dos cruzados, foi decorada com afrescos; a partir do séc. XIV, os franciscanos obtiveram alguns direitos de culto sobre o lugar, até que finalmente conseguiram adquiri-lo. Uma restauração realizada em 1956 revelou a estrutura primitiva, com um lagar e uma cisterna; acima da gruta, na mesma propriedade, descobriram-se os restos de uma antiga prensa de azeite.

Dom Álvaro em Getsêmani

O bem-aventurado Álvaro esteve no Getsêmani na tarde de 18 de março de 1994. Fez a oração na Basílica da Agonia. Deram-lhe alguns ramos das oliveiras do jardim, que ele agradeceu muito. Pensou que poderia enviar um deles a São João Paulo II no Domingo de Ramos, e Dom Javier Echevarría fez isso em nome de Dom Álvaro, que neste dia já estava no céu. Além disso, Dom Javier contou depois que nesta peregrinação “também quis passar o seu peitoral, o crucifixo e o terço na rocha da agonia. O lugar que o Senhor escolheu para a sua oração naquela noite é muito duro: uma pedra áspera, afiada, em que ficou horas ajoelhado, depois do esforço e cansaço da Última Ceia e do dia que havia passado. Temos que agradecer ao Senhor até estes gestos materiais que expressam seu amor com tanta clareza. Manter-se horas em oração, de joelhos, naquela pedra, não é nada fácil. Tivemos a sorte de fazer ali a oração da tarde”[12].

Não se faça a minha vontade...

São tantas as cenas em que Cristo fala com seu Pai, que se torna impossível determo-nos em todas. Mas penso que não podemos deixar de considerar as horas, tão intensas, que precedem a sua Paixão e Morte, quando se prepara para consumar o Sacrifício que nos devolverá ao Amor divino. Na intimidade do Cenáculo, seu coração transborda: dirige-se suplicante ao Pai, anuncia a vinda do Espírito Santo, anima os seus íntimos a manterem um contínuo fervor de caridade e de fé. Esse inflamado recolhimento do Redentor continua em Getsêmani, ao perceber a iminência da Paixão, com as humilhações e as dores que se aproximam, essa Cruz dura em que se suspendem os malfeitores, e que Ele desejou ardentemente. Pai, se é possível, afasta de mim este cálice. E logo a seguir: Não se faça, porém, a minha vontade, mas a tua[13].

Se formos conscientes de que somos filhos de Deus, de que a nossa vocação cristã exige seguir os passos do Mestre, a contemplação da sua oração e agonia no horto das Oliveiras deve levar-nos ao diálogo com Deus Pai. “Ao orar, Jesus já nos ensina a orar”[14]; e além de ser o nosso modelo, convoca-nos à oração, tal como a Pedro, Tiago e João, quando os levou consigo e lhes pediu que vigiassem com Ele: Orai, para não entrardes em tentação. – E Pedro adormeceu. – E os demais Apóstolos. – E adormeceste tu, meu pequeno amigo..., e eu fui também outro Pedro dorminhoco[15].

Na abside central está representada a oração de Jesus.

Não há justificação para se abandonar ao sono: “todos podemos rezar; com mais exatidão, todos devemos rezar, porque viemos ao mundo para amar Deus, louvá-lo, servi-lo e depois, na outra vida – aqui estamos de passagem –, gozar eternamente. E o que é rezar? Simplesmente, falar com Deus através de orações vocais ou na meditação. Não há desculpas de que não sabemos ou nos cansamos. Falar com Deus para aprender d’Ele, consiste em olhá-lo, em contar-lhe a nossa vida – trabalho, alegrias, penas, cansaços, reações, tentações –; se O escutarmos, ouviremos o que nos sugere: deixa aquilo, sê mais amável, trabalha melhor, serve os outros, não penses mal de ninguém, fala com sinceridade e com educação”[16].

Bento XVI, em uma audiência que dedicou à oração de Jesus em Getsêmani, referia-se à capacidade que os cristãos têm, quando procuram uma intimidade cada vez maior com Deus, de trazer para esta terra uma antecipação do céu: “cada dia na oração do Pai-Nosso nós pedimos ao Senhor: ‘Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu’ (Mt 6, 10). Isto é, reconhecemos que há uma vontade de Deus conosco e para nós, uma vontade de Deus sobre a nossa vida, que deve tornar-se cada dia mais a referência da nossa vontade e do nosso ser; além disso, reconhecemos que é no ‘céu’ que se cumpre a vontade de Deus, e que a ‘terra’ só se torna ‘céu’, lugar da presença do amor, da bondade, da verdade e da beleza divina, se nela se cumprir a vontade de Deus. Na prece de Jesus ao Pai, naquela noite terrível e admirável do Getsêmani, a ‘terra’ tornou-se ‘céu’; a ‘terra’ da sua vontade humana, abalada pelo pavor e pela angústia, foi assumida pela sua vontade divina, de maneira que a vontade de Deus se cumpriu sobre a terra. E isto é importante inclusive na nossa oração: devemos aprender a confiar-nos mais à Providência divina, pedir a Deus a força para sairmos de nós mesmos e renovarmos o nosso ‘sim’, para lhe repetirmos: ‘Seja feita a vossa vontade’, para conformarmos a nossa vontade com a sua”[17].

Jesus, só e triste, sofria e empapava a terra com o seu sangue. De joelhos sobre a terra dura, persevera em oração... Chora por ti... e por mim: esmaga-O o peso dos pecados dos homens[18].

Dirige-te a Nossa Senhora e pede-lhe que te faça a dádiva – prova do seu carinho por ti – da contrição, da compunção pelos teus pecados, e pelos pecados de todos os homens e mulheres de todos os tempos, com dor de Amor. E, com essa disposição, atreve-te a acrescentar: – Mãe, Vida, Esperança minha, guiai-me com a vossa mão..., e se há agora em mim alguma coisa que desagrade a meu Pai-Deus, concedei-me que o perceba e que, os dois juntos, a arranquemos. Continua sem medo: – Ó clementíssima, ó piedosa, ó doce Virgem Santa Maria!, rogai por mim, para que, cumprindo a amabilíssima Vontade do vosso Filho, seja digno de alcançar e gozar das promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo[19].


[1] São Josemaria, Amigos de Deus, 25.

[2] Lc 22, 39.

[3] Jo 18, 1.

[4] Mt 26, 36; Mc 14, 32.

[5] Jo 18, 2.

[6] Mc 14, 32-36.

[7] Lc 22, 43-44.

[8] Mc 14, 37-42.

[9] Mc 14, 41-43.

[10] Itinerarium Egeriae, XXXVI, 1 (CCL 175, 79).

[11] Cf. Ibid., 2-3 (CCL 175, 79-80).

[12] Javier Echevarría, Palavras publicadas em Crónica, 1994, pp. 332 y 335 (AGP, biblioteca, P01).

[13] São Josemaria, Amigos de Deus, 240.

[14]Catecismo da Igreja Católica, 2607.

[15] Santo Rosário, 1º Mistério Doloroso.

[16] Javier Echevarría, Getsêmani: em oração com Jesus Cristo.

[17] Bento XVI, Audiência, 1-II-2012.

[18] Santo Rosário, I Mistério Doloroso.

[19] 19]Forja, 161.