Fugir da guerra para encontrar a Deus: a história de Jérôme

Jérôme não teve uma vida fácil. Assim ele se apresenta: “Nasci no Congo e, desde pequeno minha vida foi marcada pela dor”. Esta é a sua história.

Minha infância se desenvolveu na pequena cidade de Kilwa (República Democrática do Congo), rodeado pelo afeto dos meus pais e de meus três irmãos homens. Meus pais, católicos os dois, batizaram-me quando ainda era bebê. Graças à minha mãe, católica muito ativa na “Legião de Maria”, pude receber a catequese desde pequeno.

Minha mãe me ensinou as primeiras orações que ficaram gravadas em minha memória. Desses anos felizes lembro também a satisfação de poder ir ao colégio, onde entre canções, brincadeiras e aulas, dei meus primeiros passos na leitura e na escritura.

Aqueles anos felizes ficaram marcados pela dor. Eu tinha só oito anos quando minha mãe quis continuar uma gravidez que os médicos desaconselharam devido ao risco que envolvia o parto.

Desses meses no orfanato guardo como uma bonita recordação um pequeno evangelho

Uma menina graciosa, Justine, veio ao mundo, e minha mãe, por causa das complicações geradas pela cesárea, foi para o Céu. Em 1977 meu pai faleceu: foi assassinado exatamente dois anos depois do falecimento de minha mãe. Todos os irmãos saímos de Kilwa para Lubumbashi, num caminhão que nos arrumou monsenhor Tafunga, então bispo de Kilwa-Kasenga.

Uma graciosa menina, Justine, veio ao mundo, e minha mãe, por causa das complicações geradas pela cesárea, foi para o Céu.

Em Lubumbashi, meu irmão mais novo Arsène e eu passamos uma temporada na “Cité des Jeunes” de dom Bosco, um centro que acolhe órfãos e enfants de la rue (crianças da rua). Desses meses no orfanato guardo como uma bonita recordação um pequeno evangelho que levava sempre comigo e cuja leitura me atraia de modo muito especial e me dava uma grande paz.

Os colégios estavam fechados e passamos longas temporadas escondidos na selva, fugindo do conflito armado

Uns seis meses depois de chegar à “Cité des Jeunes”, nosso irmão mais velho Emmanuel, que tinha então 24 anos, nos tirou dali para nos levar à casa de uma tia em Kindu, centro-oeste do país Minha irmã Justine ficou em Lubumbashi em casa da irmã de mamãe e, desde então, embora nos falemos por telefone, não voltei a vê-la.

Os anos passados num povoado próximo à cidade de Kindu foram extremamente difíceis por causa da guerra. Os colégios estavam fechados e passamos longas temporadas escondidos na selva, fugindo do conflito armado. Os problemas de saúde eram frequentes e, uma noite, Deus levou de improviso meu irmão menor Arsène, que dormia junto a mim.

Os anos passados num povoado próximo à cidade de Kindu foram extremamente difíceis, por causa da guerra.

Duvidar de Deus?

Às vezes me perguntam se toda essa situação não me levou a duvidar de Deus. Tenho de reconhecer que essa pergunta me surpreende, porque jamais passou pela minha cabeça essa possibilidade. Ao contrário, desses anos me lembro de que tinha uma grande presença de Deus, não saberia explicá-lo, mas nunca me senti sozinho.

Um sacerdote vinha ao povoado para celebrar a Missa. Porém, quando estávamos escondidos na selva não tínhamos essa oportunidade. Estas circunstâncias ajudaram-me a valorizar ainda mais a oportunidade de assistir à Missa.

Um dos ensinamentos que mais me ajudou no período da catequese foi a necessidade de perdoar

Graças a Deus, a situação se acalmou. Em 2003, cinco anos depois de interromper meus estudos, alguns membros da família vieram nos buscar para nos animar a matricular-nos no colégio. Meu irmão Patrick e eu começamos a ir novamente às aulas enquanto trabalhávamos na fabricação e venda de tijolos, para poder pagar os estudos.

Pude terminar também a catequese e receber os sacramentos da Comunhão e da Crisma. Um dos ensinamentos que mais me ajudou no período da catequese foi a necessidade de perdoar. Isso me ajudou a perdoar aos que haviam assassinado o meu pai e animar os outros membros da família a fazer o mesmo.

Em 2003, cinco anos depois de interromper meus estudos, alguns membros da família vieram nos buscar para animar-nos a matricular-nos no colégio.

Um evento simpático desses anos aconteceu no dia de minha Crisma. Lembro que nos disseram que tínhamos de vir vestidos de cor vermelha, que simboliza o Espírito Santo na liturgia. Nesse momento vivíamos em extrema pobreza, e conseguir roupa nova era impossível, então me virei como pude. A única peça que encontrei entre as minhas roupas foi uma calça de agasalho e uma camiseta vermelha com o número doze. O que era claro para mim é que não podia perder a minha Crisma, assim tratei de passar despercebido escondendo-me entre os meus amigos. Não sei o que pensaria o bispo que me crismou, embora tenha me visto só pela frente, e não pôde ver o número que cobria as minhas costas

Nesse momento vivíamos em extrema pobreza, e conseguir roupa nova era impossível, então me virei como pude

Entretanto, Emmanuel, meu irmão mais velho, terminou os estudos em Kinshasa e foi destinado a trabalhar em Bukavu. Pouco tempo depois, me chamou para que fosse morar com ele e nessa cidade pude terminar a faculdade de Geologia em 2016.

O encontro com Dominique

Depois fui morar em Goma (outra cidade do leste do país) com Emanuel e sua família. Estando ali, decidi fazer um teste para ocupar uma das cem vagas que oferecidas pela Escola Nacional de Administração (ENA).

Selecionado entre os mais de onze mil que se candidataram, vindos de todo o país, fiz minhas malas e viajei, bem decidido, para Kinshasa, a capital, que se encontra no extremo oposto, a mais de dois mil quilômetros. Durante doze meses assisti às aulas da ENA, e fui admitido como funcionário no Ministério de Minas.

Neste ano de formação, tive a sorte de encontrar-me com Dominique, um médico que também estudava para ser funcionário do Estado

Neste ano de formação, tive a sorte de encontrar-me com Dominique, um médico que também estudava para ser funcionário do Estado. Um dia, tivemos uma longa conversa sobre religião, concretamente sobre as diferentes formas de rezar. O diálogo me pareceu interessante, e no dia seguinte me deu um terço que me ajudava a rezar.

Em princípios de 2018, Dominique me convidou a fazer uma visita a um centro de deficientes físicos e foi então que me falou pela primeira vez do Opus Dei. Depois, convidou-me a ir ao Centre Culturel Loango, onde se realizam atividades para universitários e que é atendido espiritualmente por sacerdotes do Opus Dei. O ambiente de alegria me cativou imediatamente e percebi imediatamente que era uma oportunidade para crescer na minha formação humana e espiritual.

Desde então, os ensinamentos de São Josemaria tem me ajudado a descobrir novos horizontes na minha vida. A possibilidade de encontrar a santidade pelo trabalho na vida diária foi uma novidade para mim. Absorvia como uma esponja todos os ensinamentos que me ofereciam em Loango, nos diversos meios de formação: a meditação, o curso de doutrina católica, as conversas com o sacerdote, os retiros, etc.

Aunque mi vida haya sido golpeada por el dolor, las caricias de Dios no me han faltado nunca

Apesar de a minha vida ter sido golpeada pela dor, as carícias de Deus não me faltaram nunca

Durante estes meses aprendi a viver de outra maneira. No exterior, não é que minha vida tenha mudado muito; mas a presença de Deus e conhecer que todas as minhas ações, até as menores, tem um valor infinito, transformou meu dia a dia completamente.

Agora vou me instalar e começar a trabalhar na capital. Se Deus quiser, logo poderei me casar e formar uma família. Apesar de a minha vida ter sido golpeada pela dor, as carícias de Deus não me faltaram nunca e, atrás deste encontro, vejo claramente a mão do Senhor.