É necessário falar com Deus

Apresentamos um artigo publicado no L'Osservatore Romano do dia 16 de novembro de 2011. O autor, Ferdinando Cancelli, fala da superioridade da oração sobre a ação, nos ensinamentos de São Josemaria.

26 de agosto de 1958, Londres. Na frente da Igreja de St Dunstan, onde se encontra a tumba de São Thomas More, Canterbury (Inglaterra).

“Principalmente úteis na Igreja de Jesus não são os chamados homens práticos nem tão pouco os simples divulgadores de teorias, mas sim os autênticos contemplativos” escrevia D. Álvaro del Portillo no “L’Osservatore Romano” do dia 23 de junho de 1985, num dos dias do aniversário do falecimento de Josemaria Escrivá de quem foi o seu primeiro sucessor. O tema da contemplação – da “familiaridade” com Deus que, segundo São Josemaria, leva a “conhecê-lO e a conhecer-se” – foi central também na homilia de D. Javier Echevarría, terceiro prelado do Opus Dei, pronunciada há dias na basílica de Santo Eugenio em Roma por ocasião da ordenação diaconal de 35 futuros sacerdotes.

Comove-me muito uma fotografia em que estão os três sacerdotes juntos no átrio da pequena igreja de St Dunstan em Canterbury no verão de 1958: o olhar profundo de Mons. Escrivá, ao centro, exprime bem o seu caráter, mas também D. Álvaro e D. Javier olham-nos nos olhos e parecem quase antecipar-se ao que, em grande sintonia com Bento XVI, nos dizem a uma só voz: é necessário falar com Deus. “Mas de quê?” Perguntava Josemaria Escrivá citado por D. Echevarría na homilia para os diáconos. “De quê? d’Ele, de ti: alegrias, tristezas, êxitos e fracassos, ambições nobres, preocupações diárias, fraquezas!”.

O olhar profundo de Mons. Escrivá, ao centro, exprime bem o seu caráter, mas também D. Álvaro e D. Javier olham-nos nos olhos e parecem quase antecipar-se ao que, em grande sintonia com Bento XVI, nos dizem a uma só voz: é necessário falar com Deus.

Quem experimenta na oração que Deus “está presente e atua no mundo e na nossa vida”, para usar palavras de Bento XVI, ficará maravilhado com os efeitos que daí vem: “Estaremos – disse Mons. Echevarría – mais serenos e contentes, estaremos mais atentos ao serviço dos outros” e “realizaremos melhor o nosso trabalho”. Este último aspecto, o de “melhorar a qualidade técnica do trabalho em si” que deriva da “presença de Deus no campo laboral”, como já em 1985 acentuava Mons. Del Portillo, parece que devem descobri-lo muitos até que se consideram católicos fiéis.

Os três sacerdotes parecem sugerir que convém tentar pôr em andamento um círculo virtuoso: trabalhar sempre na presença de Deus ajuda a evitar “qualquer negligência, ligeireza, descuido ou diletantismo” e a transformar o trabalho num “serviço vivo e concreto ao Corpo vivo de Cristo”, para voltar, purificados, também a Deus e aos irmãos. “A contemplação – prosseguia D. Álvaro del Portillo – modifica a ação quando ela não está à altura da dignidade da pessoa ou da superioridade dos filhos de Deus” e tende a torná-la perfeita, quer se trate de um trabalho manual repetitivo quer de uma atividade intelectual esmerada; de fato, “um instrumento, ainda que muito modesto, só serve se estiver adequado à sua finalidade”. Seria um erro grosseiro, muito mais no atual momento histórico, descuidar este ensinamento. Face a um ativismo frenético e desumano por estar longe de Deus, a verdadeira proposta cristã sempre tem sido desconcertante: o primado da oração sobre a ação.

A madre Teresa de Calcutá dá-nos o segredo para compreender melhor este primado: tudo o que fez “no meio da rua”, como diria São Josemaria, tinha um motor secreto, trabalhando silenciosamente no coração da noite: a oração diante de Jesus Eucaristia. Talvez também a nossa noite se se usa assim, conduza ao alvorecer de um dia realmente novo e quem sabe inesperado.

Comove-me muito uma fotografia em que estão os três sacerdotes juntos no átrio da pequena igreja de St Dunstan em Canterbury no verão de 1958