Da conversão à vocação: eu, Thalita e a Obra

​No dia 19 de junho, eu estava aos pés do Cristo, verdadeiramente mais perto do céu, e com a graça de Deus, mais longe do velho homem que com alegria deixava morrer dentro de mim.

Era o dia do nosso casamento no Cristo Redentor. Um cenário impressionante, que além de espetacular visualmente, tem, com seu esplendor e imponência, o poder de nos colocar no devido lugar. Equilibrava-me com dificuldade entre a minha nova consciência de dignidade e pertencimento, e a pequenez de criatura.

Maravilhava-me com a velocidade e a perfeição de como se deram os acontecimentos até aquele “ponto alto”. Certamente não provinham de mim, disso eu sabia bem, mas para que nada se perca com o tempo e para que toda glória seja dada a quem de direito, penso que seja necessário voltar seis meses atrás.

Em dezembro de 2020, fiz duas novenas pela saúde da minha mãe, uma a São Padre Pio de Pietrelcina e outra a São Josemaria Escrivá, que eu conhecia pouquíssimo e por quem não tinha nenhuma devoção particular. Acabada a novena, Talitha, minha esposa, mostrou-me um convite para um “tal” de recolhimento na escola do nosso filho, Porto Real. Perguntei do que se tratava, ela disse não saber, mas insistiu para que eu fosse porque estávamos contentíssimos com a escola. Eu não impus resistência, fui de certa maneira atraído, suavemente e sem me dar conta.

Importante mencionar que desde o nascimento do nosso segundo filho, Pedro, em 26 de junho, dia de São Josemaria, nascia no coração da Talitha uma inquietação. Passou a ir à Missa com frequência, rezava o terço e interessava-se por assuntos e pessoas ligados à Obra. Como é próprio às mulheres, ela sentiu e percebeu primeiro.

Voltemos ao recolhimento.

Cheguei ao colégio e não poderia estar mais deslocado, ansioso e interiormente perturbado. Vendo a minha inadequação, uma pessoa aproximou-se de mim com uma simpatia incomum. De fato, percebi algo muito diferente naquele senhor, como se o mundo não lhe pesasse sobre os ombros; uma leveza própria das crianças. O simpático amigo apresentou-se, me fez umas três ou quatro perguntas, conversamos por um minuto e depois teve início o esperado recolhimento.

Entra então na sala, um padre bem alto de batina, Monsenhor Vicente Ancona. Ele se ajoelhou, todos se ajoelharam. Fiquei muito tocado, sobretudo porque havia ali muitos jovens.

Acabado o recolhimento, já sentia com toda a convicção que era aquilo que eu buscava há anos. Pareciam todos uma família, mas, como eu não pertencia àquela família, senti-me de novo deslocado e me preparei para ir embora. No caminho, o senhor simpático me interceptou novamente, agora mais incisivo. Puxou assunto. Percebi que ele estava bem envolvido com tudo aquilo que eu, agora, subitamente, desejava para a minha vida.

Logo de início, senti a oportunidade e disparei: - Você está com tempo?

- Tenho todo o tempo do mundo, respondeu.

Foi uma resposta perigosa a um interlocutor prolixo e tagarela como eu. Disse-lhe que estava tentando marcar uma direção espiritual e que pretendia colocar a vida espiritual em ordem. Falei por uns dez minutos sem parar, usando o precário poder de síntese que tenho para tentar compactar tudo que fosse relevante, um tipo de confissão grosseira, desforme e um pouco confusa. Depois deixei que falasse. Percebi ter sido um pouco deselegante no tagarelar, mas era a oportunidade de uma vida.

Ouvi com toda a atenção o que dizia e lembro ter pedido claramente e com confiança que ele me conduzisse, que me dissesse tudo que eu deveria fazer. Saí dali com a direção espiritual marcada para o fim de semana, com o próprio Padre Vicente.

Fernando, assim se chama o meu hoje grande amigo, pediu-me para que fosse então na sua casa, no bairro de Humaitá. Não compreendi o que o Padre estaria fazendo na casa dele e confesso ter ficado intrigado com tudo aquilo. Eu realmente não fazia a mínima ideia do que fosse realmente o Opus Dei.

Voltei para casa radiante, como se tivesse encontrado um pote de ouro. Liguei para a Talitha, ainda do caminho, para reportar aquela experiência que a envolvia diretamente. Ela tivera, como mencionado, as suas próprias experiências de aproximação com a Obra, de forma que fomos atraídos ao mesmo tempo, mas de forma independente, cada qual pelo seu caminho particular.

No domingo estávamos no Humaitá. Chamaram-me a atenção, dentre outras coisas, a beleza e a ordem daquela casa, e o tempo dedicado pelo Padre Vicente a mim, talvez uma hora e meia. A mim, um estranho. Essa disponibilidade de todos me impressionou por muito tempo.

Saí de lá com mais convicção, instruções diretas, orientações para um Curso de Doutrina Católica, plano de casamento, carinho por aquelas pessoas e com o livro “Caminho”, de São Josemaria.

Comecei a lê-lo na noite daquele mesmo dia, e se tudo aquilo havia me impactado, agora a coisa subia de nível. Considerando os recentes acontecimentos, era como se o santo se apresentasse e falasse diretamente comigo.

Após ter lido algumas passagens do livro, enviei a seguinte mensagem ao Fernando:

“... Estou muito impressionado com o Caminho de São Josemaria. Percebi que ele falou diretamente comigo. Não foi impressão, coincidência ou aqueles chavões de autoajuda. Não sou muito ingênuo nem supersticioso. Abri o livro antes de dormir como tenho feito e eis que na primeira sentença lida naquela noite, Josemaria denunciou uma falta terrível, que fora assunto do meu dia e para qual estava desatento, fraco de caráter. Depois, ainda tomei umas duas pauladas merecidas. O corretivo me trouxe alguma angústia, um certo desapontamento comigo mesmo, mas dissipou a nuvem de engano que havia tomado conta de mim naquele dia, e melhor, mostrou a grandeza do autor. Mais ainda, deixou claro o amor paternal, severo às vezes, dele por mim. Muito muito pessoal!

Foi tão preciso, com tal riqueza de detalhes, que me deixou assustado. E o pior é falar em segunda pessoa. É desconcertante. Rs...”

Comecei logo em seguida o curso de doutrina para a Crisma, dado por um pai de aluno do colégio, que é Supernumerário. Um material de formação excelente: "Doutrina Online 2020". O curso já estava muito adiantado, então assistia às aulas gravadas quase diariamente para alcançar a turma. Além do alto nível do conteúdo, eu via no professor a mesma doação, a mesma disponibilidade. Começava a me acostumar com este proceder.

Poucos dias depois do Natal, fizemos, Fernando e eu, a nossa primeira excursão. Surpreendentemente fez um belo dia de sol, contrariando as previsões. Para compensar, submeti o Fernando a uma chuva torrencial de perguntas, de todos os tipos que se possa imaginar. Eu estava disposto a extrair daquela caminhada o máximo de informações sobre a Obra, sobre São Josemaria, sobre todos os pontos que me pareciam controversos e que ainda me inquietavam de alguma forma. Ele me respondeu e percebi, mais tarde, que isso era apostolado, intrínseco ao Opus Dei.

Depois disso, em janeiro, tiveram início as direções espirituais de forma regular com o Pe. Augusto Dantas. Há uma coisa que eu não perco de vista e que de vez em quando comento com alguém: que eu devo ser mesmo um caso bem difícil, a julgar pela qualidade das pessoas com que Ele me cerca. E digo sinceramente.

Ainda em janeiro, o convite para o retiro, do qual saí cheio de entusiasmo e com algumas metas. Tudo isso em um mês! Parece, pela intensidade, aqueles amores de adolescente, mas sem as desilusões.

Na verdade, às vésperas do retiro, lembro-me perfeitamente onde estava quando recebi o telefonema do Fernando com a seguinte proposta inacreditável:

- O que achas de casar-se no Cristo Redentor?

Eu pesquisava à altura algumas capelas, mas isso...

Tomado por tantas bênçãos, achava-me envaidecido por sentir profundamente o amor de Deus nestes sinais. Felizmente, aprendi com São Josemaria que esse tipo de “soberba” amorosa eu poderia consentir.

Depois, pensando nas dificuldades e burocracias impostas pela crise sanitária, que adiariam bastante o casamento, e de como tudo foi resolvido, vi com ainda mais clareza a providência e os seus santos instrumentos.

Em fevereiro, Talitha e eu, nos tornávamos cooperadores. Em março e abril fazíamos o curso de noivos, também pela internet. A partir deste momento, já não admitia mais dúvidas quanto ao fato de que Deus queria algo de mim. E pelo modo como tudo acontecia, talvez quisesse logo.

Mas teria realmente vocação para o Opus Dei? Estou disposto a corresponder às exigências de Deus que virão com essa decisão? Não seria precipitado, fruto do entusiasmo? Deve haver outros melhores. Enfim, formulei tantas desculpas quanto me foi possível engendrar. Até que tive acesso a textos de São Josemaria e do Bem-Aventurado Álvaro del Portillo sobre vocação. Bom, aí todas as minhas defesas, tudo que o medo alicerçara em bases racionais aparentemente inexpugnáveis veio abaixo em quarenta minutos. Tentei inutilmente resistir, mas não havia mais meios razoáveis de fazê-lo.

Por honestidade a Deus e a mim, rendi-me e pedi a admissão ao Opus Dei.

Serenado o coração pelo fim do conflito, comecei algumas aulas pela internet, nas quais se explica, ponto por ponto, o plano de vida de uma pessoa da Obra; aspectos quanto ao espírito do Opus Dei, costumes, o que significa a admissão, enfim, indo mais além, um caminho seguro para a busca da santidade segundo o carisma do Fundador.

Em maio, um dos momentos mais importantes. Finalmente estava pronto para confessar-me pela primeira vez. Eu planejava o dia da confissão de forma que pudesse comungar, também pela primeira vez, no dia 13 de maio, por ser o dia de Nossa Senhora de Fátima, que tem o seu Santuário no Rio de Janeiro a 1 km da minha casa.

Mais uma vez, mudança de planos. Haveria uma Missa em honra ao Bem-Aventurado Álvaro del Portillo, no dia 11 de maio. E onde seria a Missa? Para a minha já rotineira perplexidade, no Santuário de Nossa Senhora de Fátima. Naquele dia abençoado, confessei-me e comunguei pelas mãos do Monsenhor Vicente Ancona.

Entretanto, faltava o casamento.

A dois dias da cerimônia, mais uma cena inesperada: O pároco não poderia presidir. E o que, a princípio, pareceria motivo de preocupação, revelou-se como mais um detalhe delicadíssimo, que se encaixava perfeitamente no conjunto. O sacerdote que o substituiu foi o Padre Marcus Vinícius, um novo amigo, também da Obra.

A homilia, repleta de ensinamentos de São Josemaria, encantou os presentes, inclusive alguns não católicos. De fato, muitos disseram estar emocionados, e confessaram que aquela cerimônia foi a mais bonita que já haviam visto. Um privilégio.

Daqui a alguns dias, Talitha e eu seremos crismados.

Talvez tenha sido um pouco cansativo acompanhar este testemunho até aqui, cheio de detalhes particulares e muito pessoais, mas como disse antes, é também um esforço, sempre insuficiente, de guardar para sempre essa história.

Penso, que servirá para que eu nunca perca de vista como tudo aconteceu, e não duvide da minha vocação ao Opus Dei. Porque seria tolice, diante de tudo que eu vivi em tão pouco tempo, de como tudo em nossas vidas se transformou, diante de tanto amor.

Fotos: Tatiana Farache