Belém: Basílica da Natividade

Bento XVI chamou a Terra Santa de “o quinto Evangelho”. Porque Jesus nasceu em um momento preciso e em um lugar concreto. Neste artigo, são explicadas as características e a história de Belém e da basílica que recorda o nascimento de Cristo.

Estamos no Natal. Vêm-nos à lembrança os diversos fatos e circunstâncias que rodearam o nascimento do Filho de Deus, e o olhar detém-se na gruta de Belém[1].

Calcula-se que Belém tenha sido fundada pelos cananeus por volta do ano 3.000 antes de Cristo. É mencionada em algumas cartas enviadas pelo governador egípcio da Palestina ao faraó, perto do ano 1.350 a C. Depois foi conquistada pelos filisteus. Na Sagrada Escritura, alude-se pela primeira vez à Belém – que então se chamava também Efrata: a fértil – no livro do Gênesis, quando se relata a morte e sepultura de Raquel, a segunda esposa do patriarca Jacó: Raquel morreu e foi sepultada no caminho de Éfrata (que é Belém)[2].

Mais tarde, quando as terras foram divididas entre as tribos do povo escolhido, Belém foi entregue à tribo de Judá e foi berço de Davi, o pequeno pastor – filho mais novo de uma família numerosa – escolhido por Deus para segundo rei de Israel. A partir de então, Belém ficou unida à dinastia davídica, e o profeta Miqueias anunciou que aí, nessa pequena localidade insignificante para os homens, havia de nascer o Messias:

Mas tu, Belém de Éfrata, pequenina entre as aldeias de Judá, de ti é que sairá para mim aquele que há de ser o governante de Israel. Sua origem é antiga, de épocas remotas. Por isso Deus os abandonará até o momento em que der à luz aquela que deve dar à luz. Então o resto de seus irmãos voltará para os filhos de Israel. Ele se levantará para apascentar com a força do Senhor, com o esplendor do nome do Senhor seu Deus. E estarão bem seguros, porque agora ele é grande até os limites do país, e ele próprio será a paz[3].

Lugar do nascimento de Jesus (foto: Darko Tepert, Wikimedia Commons).

Neste texto encontramos vários elementos relacionados com as profecias messiânicas de Isaías[4] e também com outras passagens das Escrituras em que se anuncia um futuro descendente de Davi[5]. A tradição judaica viu nas palavras de Miqueias um vaticínio sobre a chegada do Messias, como ficou expresso em vários lugares do Talmude[6]. São João, no seu Evangelho, também faz eco da opinião dominante entre os judeus do tempo de Jesus sobre a procedência do Messias: Não está na Escritura que o Cristo será da descendência de Davi e virá de Belém, o povoado de Davi?[7]

Mas é o Evangelho de São Mateus que cita explicitamente a profecia de Miqueias, quando Herodes reúne os sacerdotes e escribas para lhes perguntar onde devia nascer o Messias: Em Belém da Judéia, pois assim escreveu o profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um príncipe que será o pastor do meu povo, Israel”[8].

Diante da basílica da Natividade se abre uma praça (foto: Leobard Hinfelaar).

No princípio do séc. I, Belém era uma aldeia com menos de mil habitantes. Era formada por um pequeno conjunto de casas disseminadas pela encosta de uma colina, protegidas por uma muralha que estaria em más condições de conservação, ou mesmo em boa parte desmoronada, já que tinha sido construída quase mil anos antes. Os habitantes viviam da agricultura e da criação de gado. Havia bons campos de trigo e de cevada na extensa planície no sopé da colina: talvez se deva a estas culturas o nome de Beit Lehem, que em hebraico significa “Casa do pão”. Além disso, nos campos mais próximos do deserto, pastavam rebanhos de ovelhas.

A pequena aldeia de Belém continuou a contar os dias da sua monótona existência agrícola e provinciana até que se deu o inaudito acontecimento que a faria famosa para sempre no mundo inteiro. São Lucas relata com uma simplicidade impressionante:

Naqueles dias, saiu um decreto do imperador Augusto mandando fazer o recenseamento de toda a terra – o primeiro recenseamento, feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam registrar-se, cada um na sua cidade. Também José, que era da família e da descendência de Davi, subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, à cidade de Davi, chamada Belém, na Judéia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida [9].

Uns cento e cinquenta quilômetros separavam Nazaré de Belém. A viagem seria especialmente dura para Maria, no estado em que se encontrava.

As casas de Belém eram humildes e, como em outros lugares da Palestina, os vizinhos aproveitavam as cavernas naturais como armazéns e estábulos, ou então escavavam-nas na ladeira. Jesus nasceu numa destas grutas:

Quando estavam ali, chegou o tempo do parto. Ela deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria[10].

Uma estrela de prata de quatorze pontas assinala o lugar preciso do nascimento (foto: Alfred Driessen).

A Providência Divina tinha disposto os acontecimentos para que Jesus – o Verbo feito carne, o Rei do mundo e Senhor da história – nascesse rodeado de uma pobreza total. Não pôde ter sequer o mínimo de comodidades que uma família humilde teria preparado com carinho para o nascimento do seu filho primogênito: só teve uns paninhos e uma manjedoura.

Eu também contemplo agora Jesus reclinado numa manjedoura (Lc 2,12), num lugar próprio para animais. Onde está, Senhor, a tua realeza: o diadema, a espada, o cetro? Pertencem-lhe, e Ele não os quer; reina envolto em panos. É um Rei inerme, que se apresenta indefeso; é uma criança. Como não havemos de recordar aquelas palavras do Apóstolo: Aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo (Fil 2,7)?

Nosso Senhor encarnou-se para nos manifestar a vontade do Pai. E eis que já do próprio berço nos instrui. Jesus Cristo procura-nos - com uma vocação, que é vocação de santidade - para com Ele consumarmos a redenção. Consideremos o seu primeiro ensinamento: temos que corredimir procurando o triunfo, não sobre o próximo, mas sobre nós mesmos. Como Cristo, precisamos aniquilar-nos, sentir-nos servidores dos outros para os levar a Deus.

Onde está o Rei? Não será que Jesus deseja reinar antes de tudo no coração, no teu coração? Por isso se fez Menino[11].

A gruta venerada

Meditamos muitas vezes, sem pressa, nos menores detalhes das circunstâncias que acompanharam a chegada do nosso Salvador à Terra. Os discípulos do Senhor e os primeiros cristãos também foram desde o início, plenamente conscientes da importância que Belém tinha adquirido. Em meados do séc. II, São Justino, que era natural da Palestina, fazia eco das recordações que os habitantes da aldeia transmitiam de pais para filhos sobre a gruta, usada como estábulo, em que Jesus tinha nascido[12]. Nos primeiros decênios do século seguinte, Orígenes confirma que o lugar onde o Senhor nasceu era perfeitamente conhecido naquela localidade, mesmo entre os que não eram cristãos: “de acordo com a história evangélica de seu nascimento, em Belém, a gruta em que ele nasceu, e, na gruta, a manjedoura em que foi envolvido em panos. E o que se mostra aí é famoso em toda a região, mesmo entre os estranhos à fé, pois nesta gruta nasceu este Jesus que os cristãos adoram e admiram”[13].

Na época do imperador Adriano, as autoridades do Império edificaram templos pagãos em vários locais venerados pelos primeiros cristãos – por exemplo, no Santo Sepulcro e no Calvário –, com o intuito de apagar os vestígios da passagem de Cristo pela terra: Desde os tempos de Adriano até o império de Constantino, durante um período de uns cento e oitenta anos, no lugar da Ressurreição prestava-se culto a uma estátua de Júpiter, e no rochedo da cruz a uma imagem de Vênus em mármore, ali colocada pelos gentios. Os autores da perseguição imaginavam, sem dúvida, que, se contaminassem os lugares sagrados por meio dos ídolos, nos iam tirar a fé na Ressurreição e na Cruz[14].

Algo análogo pode ter acontecido em Belém, já que o lugar onde Jesus nasceu foi convertido num bosque sagrado em honra do deus Adônis. São Cirilo de Jerusalém viu os terrenos, onde se encontrava a gruta, cobertos de árvores[15], e São Jerônimo também se refere à tentativa falhada de paganizar esta memória cristã com palavras não isentas de ironia: Belém, que agora é nossa, o lugar mais augusto do mundo, aquele de que disse o salmista: da terra germinou a Verdade (Sl 84, 12), esteve sob a sombra de um bosque de Tamuz, quer dizer, de Adônis, e na gruta onde outrora Cristo deu os seus primeiros vagidos, chorava-se o amado de Vênus[16].

Basílica da Natividade (gráfico adaptado por Julián de Velasco).

Apoiando-se nesta tradição, contínua e unânime, o imperador Constantino mandou construir uma grande basílica sobre a gruta: foi consagrada a 31 de maio do ano 339, e Santa Helena, que tinha impulsionado decididamente esta empresa, esteve presente na cerimônia.

Não é muito o que se conserva da basílica primitiva, que foi saqueada e destruída durante uma revolta dos samaritanos, no ano 529. Quando se restabeleceu a paz, Belém foi fortificada, e o imperador Justiniano mandou construir uma nova basílica, que foi edificada no mesmo lugar da primeira, mas com proporções maiores. É a que chegou até nós, tendo sido salva durante as diversas invasões em que foram destruídos os outros templos de época constantiniana ou bizantina. Conta-se que os persas, que no ano 614 devastaram quase todas as igrejas e mosteiros da Palestina, respeitaram a basílica de Belém ao encontrar no seu interior um mosaico onde os Reis Magos estavam representados com trajes usados na sua terra. O templo saiu igualmente quase intacto da violenta incursão na Terra Santa do califa egípcio El Hakim, no ano 1009, bem como dos furiosos combates posteriores à chegada dos Cruzados em 1099.

Depois de várias vicissitudes históricas, que seria prolixo relatar, em 1347 foi concedida aos franciscanos a custódia da Gruta e da basílica. Atualmente continuam aí, embora os ortodoxos gregos, sírios e armênios também detenham direitos sobre este Lugar Santo.

A partir da praça que há diante da basílica, o visitante tem a impressão de se encontrar diante de uma fortaleza medieval: paredes e contrafortes espessos, com janelas escassas e pequenas. Entra-se por uma porta tão diminuta que obriga a passar uma pessoa de cada vez, e mesmo assim com dificuldade: é preciso inclinar-se bastante. Na sua homilia durante a Santa Missa da Noite de Natal de 2011, Bento XVI referiu-se a este acesso ao templo:

Hoje, quem entra na igreja da Natividade de Jesus em Belém descobre que o portal que outrora tinha cinco metros e meio de altura, por onde entravam no edifício os imperadores e os califas, foi em grande parte tapado, tendo ficado apenas uma entrada com metro e meio de altura. Provavelmente isso foi feito com a intenção de proteger melhor a igreja contra eventuais assaltos, mas sobretudo para evitar que se entrasse a cavalo na casa de Deus. Quem deseja entrar no lugar do nascimento de Jesus deve inclinar-se. Parece-me que nisto se encerra uma verdade mais profunda, pela qual queremos deixar-nos tocar nesta noite santa: se quisermos encontrar Deus manifestado como menino, então devemos descer do cavalo da nossa razão “iluminada”. Devemos depor as nossas falsas certezas, a nossa soberba intelectual, que nos impede de perceber a proximidade de Deus[17].

A basílica – de planta em forma de cruz latina e cinco naves – tem 54 metros de comprimento. As quatro filas de colunas, de cor rosada, dão-lhe um aspecto harmonioso. Em alguns lugares, é possível contemplar os mosaicos que adornavam o pavimento da primitiva igreja constantiniana; nas paredes, também se conservam fragmentos de outros mosaicos que datam do tempo das Cruzadas.

Mas o centro desta grande igreja é a Gruta da Natividade, que se encontra sob o presbitério: tem a forma de uma capela de dimensões reduzidas, com uma pequena abside do lado oriental. O fumo das velas, que a piedade popular aí acendeu durante gerações e gerações, escureceu as paredes e o teto. Tem um altar e, por baixo deste, uma estrela de prata que assinala o lugar onde Cristo nasceu da Virgem Maria. Acompanha-a uma inscrição, que reza: Hic de Virgine Maria Iesus Christus natus est.

A manjedoura onde Maria deitou o Menino, depois de o envolver em paninhos, encontra-se numa capela anexa. Na verdade, é um buraco na rocha, embora hoje esteja recoberto de mármore e anteriormente de prata. Em frente, há um altar chamado dos Reis Magos, porque tem um retábulo com a cena da Epifania.

O Bem-aventurado Álvaro celebrou ali a Santa Missa no dia 19 de Março de 1994, e na sua homilia referiu-se à extrema pobreza em que Jesus nasceu:

“O Senhor poderia ter vindo ao mundo para realizar a redenção da humanidade revestido de poder e majestade extraordinários; mas Ele escolheu vir em meio a uma pobreza incrível. Ao ver estes lugares, ficamos assustados: não havia nada! Nada além de muito amor de Deus e muito amor a nós! Por isso Jesus decidiu assumir nossa carne, e não considerou uma humilhação – Ele, que era Deus – deixar de ter o aspecto de Deus – que é um aspecto inefável, que não pode ser explicado – para se tornar como nós em tudo, exceto no pecado (cf. Fl 2,7; Hb 4,15). Com a diferença que Ele decidiu morrer, e com que morte: a da cruz, uma morte tremenda. Esse menino que nasce em Belém, nasce para morrer por nós”[18].

E. Gil


[1] É Cristo que passa, 22.

[2] Gn 35,19.

[3] Mi 5, 1-3.

[4] Cf. Is 7, 14; 9, 5-6; 11, 1-4.

[5] Cf. 2 S 7, 12; 12-16; Sl 89, 4.

[6] Cf. Pesachim 51, 1 e Nedarim 39, 2.

[7] Jo 7, 42.

[8] Mt 2, 5-6.

[9] Lc 2, 1-5.

[10] Lc 2, 6-7.

[11] É Cristo que passa, 31.

[12] Cf. São Justino, Diálogo com Trifão, 78, 5.

[13] Orígenes, Contra Celso, 1, 51.

[14] São Jerônimo, Cartas, 58, 3.

[15] São Cirilo de Jerusalém, Catequese, 12, 20: “Até alguns anos atrás era um lugar povoado de bosque”.

[16] São Jerônimo, Cartas, 58, 3.

[17] Bento XVI, Homilia, 24/12/2011

[18] Bem-aventurado Álvaro del Portillo, Homilia, 19-III-1994, publicada em Crónica, 1994, p. 342 (AGP, biblioteca, P01).