A vida após a morte, a esperança do cristão

Nos primeiros dias do mês de novembro, milhares de pessoas visitam os cemitérios e refletem sobre as verdades eternas. O que a fé cristã afirma sobre a morte e a vida?

Todo o Evangelho, desde a Anunciação de Nossa Senhora à Ressurreição de Jesus Cristo, é uma mensagem cheia de novidades. Com as páginas do Novo Testamento, um novo capítulo foi aberto na história da Humanidade. Evangelho significa exatamente isso: novidade, "boa nova".

Ao começar seu ministério público Jesus anunciou-nos claramente que tínhamos chegado à plenitude dos tempos, e confirmou-nos a vinda do reino de Deus: “Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e credes na Boa-Nova” (Mc 1, 15).

Isso não significa que o Senhor quisesse "mudar tudo" com a sua vinda, como podemos comprovar, por exemplo, com os seus ensinamentos sobre a indissolubilidade do casamento. Nestes ensinamentos Jesus não partiu do zero, por assim dizer, mas desenvolveu e completou o que Deus tinha estabelecido ao criar o homem e a mulher (cf. Mt 19: 3-9; Gen. 2, 24).

“Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para cumprir" (Mt 5,17). Lemos em várias passagens dos Evangelhos que Jesus ensinou os seus discípulos a obedecer fielmente os mandamentos que Deus deu a Moisés.

Mas a pregação do Senhor é acompanhada, sem nenhuma dúvida, por um ar novo e libertador. É verdade que Jesus desenvolveu um conjunto de ensinamentos que já conhecíamos pelo Antigo Testamento, tais como a necessidade de agir com reta intenção, de perdoar e amar a todas as pessoas, sem exceção, particularmente os pobres e pecadores. E que Nele se cumpriram as antigas promessas que Deus fez aos profetas. Mas, ao mesmo tempo, a sua chamada se dirige de um modo radical e peremptório não somente a um determinado povo, mas a todos os seres humanos, os chama – um por um – pelo próprio nome.

A rejeição do seu povo

Essa novidade da presença e ação de Cristo também é percebida de uma maneira que pode parecer desconcertante à primeira vista: há muitos que rejeitam: tanto a Deus como aos seus ensinamentos. Ele veio para os seus, mas os seus não o receberam (Jo 1,11), explica São João. Esta rejeição do seu povo dá um relevo maior ainda à doação incondicional do Senhor, a sua entrega, cheia de amor pela humanidade.

Foi essa rejeição dos seus que o levou à morte e à morte de Cruz. Uma morte que Jesus aceitou livremente e que constituiu um sacrifício único e definitivo, fonte de salvação para todos os homens.

Um Deus fiel

Deus é fiel à sua promessa e o poder do mal não conseguiu fazer nada contra a doação divina de Jesus, como a ressurreição deixa claro. A força salvadora que Deus introduziu no mundo por meio da Encarnação do seu Filho Jesus, Morto numa cruz e Ressuscitado, constitui uma novidade absoluta: uma novidade perene e universal.

Essa novidade está presente na pregação apostólica desde o princípio, quando os apóstolos e discípulos de Jesus partiram para pregar, com uma alegria indescritível, a mensagem cristã, primeiro na Judéia, depois em todos os países do Império Romano e, finalmente, no mundo inteiro.

Sua mensagem era que Jesus havia ressuscitado e, portanto, se Ele tinha ressuscitado, o mundo podia mudar: toda mulher, todo homem, podia, pode mudar, porque não estamos mais ferreamente sujeitos à lei do pecado e da morte eterna: Jesus sentado à direita do Pai nos disse: Eu faço novas todas as coisas (Ap 21,5). Em Cristo, Deus tomou em suas mãos as rédeas do mundo e da história humana para levá-la à sua plena realização. Essa é a razão pela qual os cristãos da primeira hora, apesar das dificuldades que tiveram que superar, olharam para o futuro com esperança e otimismo, e transmitiram a sua fé a todos que os cercavam.

A vida eterna após a morte

No mundo pagão, as pessoas costumavam pensar na vida após a morte como uma simples repetição do tempo passado. Os antigos pensavam que o cosmos sempre existiu e que, através de grandes mutações cíclicas, duraria para sempre. Seguindo o mito do eterno retorno, tudo o que aconteceu antes aconteceria novamente mais tarde.

Preso neste contexto antropológico religioso, o ser humano pensava que só poderia salvar-se fugindo do material, através de uma espécie de êxtase espiritual, que o ajudaria a separar-se da carne, ou a viver neste mundo, como disse São Paulo, sem objetivo e sem esperança (cf. 1 Tess 4,13; Ef 2,).

Nos primeiros séculos do cristianismo, os pagãos eram guiados por uma ética mais ou menos íntegra: acreditavam em Deus e frequentemente lhe davam culto, buscando proteção e consolo nele. Mas faltava a esperança segura de um futuro feliz. A morte para eles era um enigma que exigia um sentido mais completo.

O cristão é realista

O desejo de viver eternamente, para sempre, é uma aspiração profunda do homem, como filósofos, escritores, artistas, poetas – e especialmente as pessoas que amam – de todos os tempos demonstraram. O homem tem fome de eternidade. Esse anseio de eternizar-se e perpetuar-se se manifesta de diferentes maneiras: na forma de dirigir os seus projetos, no desejo de sobreviver e de perdurar, por meio dos filhos; na aspiração de influir na vida de outras pessoas ou de ser reconhecido ou lembrado no futuro... Em todas essas manifestações pode-se adivinhar o anseio, genuinamente humano, de eternidade.

Muitas pessoas acreditam na imortalidade da alma. Outras entendem essa imortalidade como uma reencarnação. E, por fim, há aqueles que se empenham em alcançar, apesar do fato inevitável da morte, um bem-estar material e um e um reconhecimento social a todo custo. Por esse caminho, não chegarão a satisfazer plenamente estes anseios, entre outras coisas porque o bem-estar e o reconhecimento não dependem somente da própria vontade.

Neste contexto, o cristão é profundamente realista: sabe que, com a morte, se desvanecerão para sempre todos os sonhos humanos fátuos.

Nesse dilema de morte / imortalidade, o cristão tem a certeza de que Deus o criou à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 27); e sabe que, quando a prova suprema se aproximar, Cristo o confortará, convertendo a sua angústia da morte em dor que colabora com a redenção. Ele está convencido de que o próprio Jesus, a quem serviu, imitou e amou nesta terra, o receberá no Céu, enchendo-o de glória e felicidade.

O cristão também sabe com certeza que, graças à imensa e alegre verdade da fé, graças a Cristo, a morte, o seu último inimigo nesta terra (1 Cor 15,26), não será o fim de tudo: depois dela, alcançará a visão eterna de Deus e a ressurreição do corpo no final dos tempos, quando todas as coisas se cumprirem em Cristo.

A vida não termina aqui: é por isso que estamos convencidos de que o sacrifício oculto e a generosa entrega de milhões de pessoas que ninguém conhece têm um significado profundo e alcançarão a sua justa recompensa na vida após a morte: uma recompensa que, pela infinita misericórdia de Deus, superará qualquer bem a que o homem possa aspirar. “Se alguma vez te intranquilizas com o pensamento da nossa irmã a morte – porque te vês tão pouca coisa! – anima-te e considera: que será esse Céu que nos espera, quando toda a formosura e grandeza, toda a felicidade e Amor infinitos de Deus se derramarem sobre o pobre vaso de barro que é a criatura humana, e a saciarem eternamente, sempre com a novidade de uma aventura nova?” (São Josemaria, Sulco, n. 891).

O tempo presente

Embora a novidade cristã se refira principalmente à outra vida, ao além, a Igreja nos ensina que a novidade da ressurreição de Cristo já está presente e se manifesta de certa forma nesta terra. Embora não saibamos quanto o universo vai durar na forma como o conhecemos, podemos dizer desse ponto de vista, que já estamos "no fim dos tempos", com a alegria de saber que o mundo já foi redimido, porque Cristo venceu a morte, o demônio e o pecado.

O reino de Deus está no meio de vós (Lc 17, 21) lemos nos Evangelhos. O que essa expressão significa: "no meio"? Com ela se denomina, para quem tem fé, não apenas uma presença externa, mas uma presença íntima, interior. Cristo está dentro da alma em graça, com uma presença real, atual e efetiva, embora essa presença não seja ainda totalmente visível e plena.

Todas essas coisas aconteceram a eles como um exemplo e foram escritas para a nossa lição, para quem chegou a plenitude dos tempos (cf. 1Cor 10, 11). Em certo sentido, a renovação foi antecipada, como mostra a santidade da Igreja. Vede que grande amor o Pai nos mostrou: que nos chamemos filhos de Deus e o sejamos de fato. Por isso o mundo não nos conhece, porque não o conheceu (Cf. 1 Jo 3, 1). Mas ainda não chegou o momento em que apareceremos gloriosos com ele (cf. Col. 3, 4), quando seremos semelhantes a Deus, porque nós o veremos como Ele é (Jo 3, 2) (Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, n. 48).

No meio do mundo, sem ser mundanos

A Igreja é a depositária, nesta terra, da presença antecipada do Reino de Deus, e por isso, mesmo anda como peregrinação neste mundo, todo o poder redentor de Deus já está operando de alguma forma no presente, por meio da palavra revelada e dos sacramentos, especialmente o sacramento da Eucaristia.

Esta força redentora manifesta-se também na vida santa dos cristãos que vivem no meio do mundo sem serem mundanos (cf. Jo 17, 14). O cristão está diante do mundo e vive no mundo depois de Christus, ipse Christus: como outro Cristo, como o próprio Cristo. Isso estabelece uma harmonia íntima entre a vida da Igreja e de cada fiel, entre o momento presente – tempo da graça – e o tempo final – tempo de plenitude. Essa tensão entre o tempo presente e a eternidade tem muitas consequências para a vida do cristão e para sua compreensão do mundo.

O cristão que vive por e para Deus se esforça para tornar essa boa notícia divina conhecida para os que o rodeiam. Na vida futura, esse estado de graça e vida sobrenatural será transformado em um estado de glória. O homem alcançará a plenitude da imortalidade com a ressurreição dos mortos.

No entanto, na vida presente, embora esteja aperfeiçoada pela graça, a existência humana goza de sua própria autonomia, mas não absoluta, em muitas áreas diferentes: o pessoal, a família, o social, o político. A vida sobrenatural acolhe a natureza humana, a aperfeiçoa e a traz à plenitude, mas sem substituí-la ou anulá-la.

Essa tensão entre o presente e a eternidade também se manifesta no conceito cristão de tempo e história. O pensamento pagão cai no fatalismo: o acontecer humano já estaria planejado e determinado pelo fatum pelo destino. O tempo transcorre intocado e destemido, como um espectador passivo e silencioso que abraça o curso da história.

Mas o tempo cristão não é apenas um tempo que passa, perecível, mas um tempo que Deus nos dá para o nosso aperfeiçoamento e progresso: é um tempo de redenção, em que atua da Providência divina para levar a cumprimento o mundo e história humana.

O Senhor quis contar com a resposta lúcida e livre dos seres humanos. Conta com as orações dos santos e as boas ações de milhares de pessoas, que influenciam decisivamente o curso da história. Fomos criados à imagem de Deus e é por isso que podemos influenciar a história, mudar a história: às vezes para pior, como aconteceu com o pecado de Adão e Eva e com os pecados de todos os homens, mas acima de tudo para melhor, quando as criaturas participam ativamente na realização dos planos divinos, já que o evento mais relevante e eficaz, o evento que mudou radicalmente a história do mundo, foi a Encarnação do Filho de Deus.

Com seu fiat, Maria forneceu a mais profunda e duradoura colaboração humana aos planos divinos, acolhendo o Filho de Deus em seu ventre e mudando o curso da história.

Em sua vida terrena, os cristãos sabem que são pecadores, assim como os outros homens, mas há algo que os distingue: eles estão convencidos de que a melhor maneira de aproveitar o tempo e melhorar o mundo que Deus nos confiou é por meio da sua conversão e serviço a Deus. Desta forma, de alguma maneira, o tempo é humanizado. “A criação tem sua própria bondade e perfeição, mas não saiu totalmente das mãos do Criador. Foi criada "em um estado de caminho" (In statu viae) em direção a uma perfeição final ainda a ser alcançada, para a qual Deus a destinou. Chamamos providência divina às disposições pelas quais Deus conduz a obra de sua criação em direção a esta perfeição” (Catecismo da Igreja Católica, n. 302).

Deus não queria fazer tudo sozinho desde o começo, queria contar com a inteligência e colaboração perseverante das criaturas, levando-as para o seu fim.

Habitualmente, o poder salvador de Deus está presente na vida de cada pessoa de maneira íntima e reservada. E a Providência divina influencia o curso da história da mesma maneira, não por grandes eventos, mas por eventos aparentemente pequenos.

Por isso, o Senhor nos convida a nos abandonar com confiança: Portanto, não vivais preocupados, dizendo: ‘Que vamos comer? Que vamos beber? Como nos vamos vestir?’. Os pagãos é que vivem procurando todas essas coisas. Vosso Pai que está nos céus sabe que precisais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. (Mt 6, 31-33).

“Deus – escreve São Josemaria – que é a Formosura, a Grandeza, a Sabedoria, anuncia-nos que somos seus, que nos escolheu como termo do seu amor infinito. É preciso uma forte vida de fé para não desvirtuarmos esta maravilha que a Providência Divina deposita em nossas mãos. Fé como a dos Reis Magos: a convicção de que nem o deserto, nem as tempestades, nem a tranquilidade dos oásis nos impedirão de chegar à meta do Presépio eterno: a vida definitiva com Deus” (São Josemaria, É Cristo que passa, nº 32).

Desde o início da sua existência terrena, Deus cumulou a que seria a Mãe de seu filho com uma extraordinária abundância de dons humanos e sobrenaturais. Concebida sem pecado original, ela é cheia de graça. (cf. Lc 1:28). Na existência da Virgem Maria, em meio a infinitas provações e incertezas, venceu heroicamente a fé, e com o seu exemplo, sustentou na fé os primeiros discípulos. No final da sua vida, livre de todo pecado, ela foi assunta ao Céu em corpo e alma, para participar para sempre, da glória do Senhor, como Rainha dos Anjos e de toda a criação.

Nela, se verificou plenamente a promessa divina de levar todos os homens à glória. Por esta razão, Nossa Senhora é, para cada pessoa, "spes nostra", nossa esperança: o farol que nos ilumina e a razão da nossa esperança.