Viagem do Papa Francisco à Colômbia (2017)

Agenda e intervenções do Papa Francisco durante a sua viagem à Colômbia (6 a 11 de Setembro de 2017).

Agenda do Papa Francisco

(fuso horário da Colômbia)

Quarta-feira, 6 de setembro de 2017 / Roma-Bogotá

11.00 Partida do Aeroporto de Roma/Fiumicino para Bogotá

16.30 Chegada à área militar (CATAM) do Aeroporto de Bogotá / Cerimônia de boas-vindas

Quinta-feira, 7 de setembro de 2017 / Bogotá

9.00 Encontro com as Autoridades na Praça das Armas da Casa de Nariño

9.30 Visita de cortesia ao Presidente no Salão Protocolar da Casa de Nariño

10.20 Visita à Catedral

10.50 Bênção aos fiéis da sacada do Palácio Cardinalício

11.00 Encontro com os Bispos no Salão do Palácio Cardinalício

15.00 Encontro com o Comitê Diretivo do CELAM na Nunciatura Apostólica

16.30 Santa Missa no Parque Simón Bolívar

Sexta-feira, 8 de setembro de 2017 / Bogotá - Villacencio - Bogotá

9.30 Santa Missa na esplanada CATAMA

15.40 Encontro de Oração para a Reconciliação Nacional no Parque Las Malocas

17.20 Parada na "Cruz da Reconciliação" no Parque de los Fundadores

Sábado, 9 de setembro de 2017 / Bogotá - Medellín - Bogotá

10.15 Santa Missa no Aeroporto Enrique Olaya Herrera de Medellín

15.00 Encontro na "Casa San José"

16.00 Encontro com os Sacerdotes, Religiosos/as, Consagrados/as, Seminaristas e suas famílias no Estádio Coberto La Macarena

Domingo, 10 de setembro de 2017 /Bogotá-Cartagena-Roma

10.30 Bênção da pedra fundamental das casas para os sem-teto e da Obra Talitha Qum na Praça S. Francisco de Assis

12.00 Ângelus em frente à igreja de São Pedro Claver

12.15 Visita à Casa Santuário de São Pedro Claver

16.30 Santa Missa na área do Porto de Contecar

18.45 Cerimônia de despedida

19.00 Partida para o Aeroporto de Roma/Ciampino

Segunda-feira, 11 de setembro de 2017

12.40 Chegada ao Aeroporto de Roma/Ciampino


Fuso horário: Roma: +2h UTC / Bogotá: -5h UTC / Villavicencio: -5h UTC / Medellín: -5h UTC / Cartagena: -5h UTC


Página oficial do viagem do papa Francisco a Colômbia


Intervenções do Santo Padre

  • 10 de setembro

«Dignidade da pessoa e direitos humanos» - Homilia do Santo Padre

Porto de Contecar, Cartagena das Índias

Celebro a última Eucaristia da viagem nesta cidade, que foi chamada «a heroica» pela sua tenacidade – há duzentos anos – na defesa da liberdade obtida. E, desde há trinta e dois anos, Cartagena das Índias é também a sede dos Direitos Humanos na Colômbia, porque aqui se valoriza o facto de que, «graças ao grupo missionário formado pelos sacerdotes jesuítas Pedro Claver y Corberó, Alonso de Sandoval e o irmão Nicolás González, acompanhados por muitos filhos da cidade de Cartagena das Índias, no século XVII, nasceu a preocupação por aliviar a situação dos oprimidos de então, especialmente a dos escravos, para quem reclamaram bom tratamento e a liberdade» (Congresso da Colômbia, 1985, Lei 95-art. 1).

Aqui, no Santuário de São Pedro Claver, onde de forma contínua e sistemática se procede à verificação, aprofundamento e promoção dos avanços na vigência dos direitos humanos na Colômbia, a Palavra de Deus hoje fala-nos de perdão, correção, comunidade e oração.

No quarto discurso do Evangelho de Mateus, Jesus fala-nos a nós que decidimos apostar na comunidade, que valorizamos a vida em comum e sonhamos com um projeto que inclua a todos. O texto anterior é o do bom pastor que deixa as noventa e nove ovelhas para ir atrás da perdida, e este aroma perfuma todo o discurso que acabamos de ouvir: não há ninguém tão perdido que não mereça a nossa solicitude, a nossa proximidade e o nosso perdão. Então, a partir desta perspectiva, compreende-se que uma falta, um pecado cometido por alguém nos interpele a todos, mas a primeira pessoa envolvida é a vítima do pecado do irmão; e ela é chamada a tomar a iniciativa para que não se perca quem lhe fez mal. Tomar a iniciativa: quem toma a iniciativa é sempre o mais corajoso.

Nestes dias, ouvi muitos testemunhos de pessoas que saíram ao encontro de quem lhes fizera mal. Feridas terríveis que pude contemplar nos seus próprios corpos, perdas irreparáveis pelas quais se continua a chorar, e contudo aquelas pessoas saíram, deram o primeiro passo num caminho diferente daqueles já percorridos. Porque, há decênios que a Colômbia multiplica as tentativas à procura da paz e, como ensina Jesus, não foi suficiente que duas partes se encontrassem e dialogassem; foi necessário incorporar muitos mais atores neste diálogo reparador dos pecados. «Se [o teu irmão] não te der ouvidos, toma contigo mais uma ou duas pessoas» (Mt 18, 16): diz-nos o Senhor no Evangelho.

Aprendemos que estes caminhos de pacificação, de primazia da razão sobre a vingança, de delicada harmonia entre a política e o direito, não podem prescindir das pessoas implicadas nos processos. Não basta o desenho de quadros normativos e acordos institucionais entre grupos políticos ou econômicos de boa vontade. Jesus encontra a solução para o dano causado no encontro pessoal entre as partes. Além disso, é sempre enriquecedor incorporar nos nossos processos de paz a experiência de setores que, em muitas ocasiões, foram deixados de lado, para que sejam precisamente as comunidades a revestir os processos de memória coletiva. «O autor principal, o sujeito histórico deste processo, é a gente e a sua cultura, não uma classe, uma fração, um grupo, uma elite [mas a gente toda e a sua cultura]. Não precisamos de um projeto de poucos para poucos, ou de uma minoria esclarecida ou testemunhal que se aproprie de um sentimento coletivo. Trata-se de um acordo para viver juntos, de um pacto social e cultural» (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 239).

Podemos dar uma grande contribuição para este novo passo que quer dar a Colômbia. Jesus indica-nos que este caminho de reinserção na comunidade começa por um diálogo a dois. Nada poderá substituir este encontro reparador; nenhum processo coletivo dispensa do desafio de nos encontrarmos, de esclarecer, de perdoar. As feridas profundas da história precisam necessariamente de instâncias onde se faça justiça, se dê possibilidade às vítimas de conhecer a verdade, seja devidamente reparado o dano e se atue claramente para evitar que se repitam tais crimes. Mas tudo isto deixa-nos apenas no limiar das exigências cristãs. A nós, cristãos, é-nos exigido gerar «a partir de baixo» uma mudança cultural: à cultura da morte, da violência, responder com a cultura da vida e do encontro. Já no-lo dizia aquele escritor tão querido para vós e tão querido para todos: «Este desastre cultural não se remedeia com chumbo nem com dinheiro, mas com uma educação para a paz, construída com amor sobre as ruínas dum país em chamas onde nos levantamos cedo para continuar a matar-nos uns aos outros... uma revolução legítima de paz que canalize para a vida a imensa energia criativa que, durante quase dois séculos, usamos para nos destruirmos e que reivindique e exalte o predomínio da imaginação» (Gabriel García Márquez, Mensagem sobre a paz, 1998).

Quanto atuamos nós a favor do encontro, da paz? Quanta omissão houve da nossa parte, permitindo que a barbárie se fizesse carne na vida do nosso povo? Jesus manda confrontar-nos com os modelos de comportamento, os estilos de vida que fazem mal ao corpo social, que destroem a comunidade. Quantas vezes se «normalizam» – se vivem como uma coisa normal – processos de violência, exclusão social, sem que a nossa voz se erga nem as nossas mãos acusem profeticamente! Ao lado de São Pedro Claver, havia milhares de cristãos, muitos deles consagrados; mas só um punhado iniciou a cultura contracorrente do encontro. São Pedro soube restaurar a dignidade e a esperança de centenas de milhares de negros e escravos que chegavam em condições absolutamente desumanas, cheios de pavor, com todas as suas esperanças perdidas. Não possuía títulos acadêmicos de renome; chegou-se mesmo a afirmar que era «medíocre» de inteligência, mas teve o «gênio» de viver cabalmente o Evangelho, de ir ao encontro daqueles que os outros consideravam apenas um desperdício. Séculos mais tarde, a senda deste missionário e apóstolo da Companhia de Jesus foi seguida por Santa Maria Bernarda Bütler, que dedicou a sua vida ao serviço dos pobres e marginalizados nesta mesma cidade de Cartagena.[1]

No encontro entre nós, descobrimos novamente os nossos direitos, recriamos a vida para voltar a ser verdadeiramente humana. «A casa comum de todos os homens deve continuar a erguer-se sobre uma reta compreensão da fraternidade universal e sobre o respeito pela sacralidade de cada vida humana, de cada homem e de cada mulher; dos pobres, dos idosos, das crianças, dos doentes, dos nascituros, dos desempregados, dos abandonados, daqueles que são vistos como descartáveis porque considerados meramente como números desta ou daquela estatística. A casa comum de todos os homens deve edificar-se também sobre a compreensão de uma certa sacralidade da natureza criada» (Francisco,Discurso às Nações Unidas, 25/IX/2015).

No Evangelho, Jesus prevê também a possibilidade de o outro se fechar, se negar a mudar, persistir no seu mal. Não podemos negar que há pessoas que persistem em pecados que ferem a convivência e a comunidade: «Penso no drama dilacerante da droga com a qual se lucra desafiando leis morais e civis» (Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2014, 8). Este mal ameaça diretamente a dignidade da pessoa humana e, gradualmente, rompe a imagem que o Criador moldou em nós. Condeno firmemente esta praga que apagou tantas vidas e que é mantida e sustentada por pessoas sem escrúpulos. Não se pode jogar com a vida do nosso irmão, nem manipular a sua dignidade. Lanço um apelo para que se procurem as formas de pôr fim ao narcotráfico, que para nada mais serve senão para semear morte por todo o lado, destroçando tantas esperanças e destruindo tantas famílias. Penso também noutro drama: «na devastação dos recursos naturais e na poluição em curso, na tragédia da exploração do trabalho; penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que, muitas vezes, assume caracteres predadores e nocivos para inteiros sistemas econômicos e sociais, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres; penso na prostituição que diariamente ceifa vítimas inocentes, sobretudo entre os mais jovens, roubando-lhes o futuro; penso no abomínio do tráfico de seres humanos, nos crimes e abusos contra menores, na escravidão que ainda espalha o seu horror em muitas partes do mundo, na tragédia frequentemente ignorada dos emigrantes sobre quem se especula indignamente na ilegalidade» (Ibidem, 8); e especula-se até com uma «assética legalidade» pacifista que não tem em conta a carne do irmão, que é a carne de Cristo. Também para isto devemos estar preparados e solidamente fundados em princípios de justiça que, em nada, diminuem a caridade. Não é possível conviver em paz, sem fazer nada contra aquilo que corrompe a vida e atenta contra ela. A propósito, lembramos todos aqueles que, ousada e incansavelmente, trabalharam e até perderam a vida em defesa e proteção dos direitos da pessoa humana e da sua dignidade. Como a eles, a história pede-nos para assumirmos um compromisso definitivo na defesa dos direitos humanos, aqui em Cartagena das Índias, lugar que escolhestes como sede nacional da defesa deles.

Por fim, Jesus pede-nos para rezarmos juntos; que a nossa oração seja sinfônica, com matizes pessoais, acentuações diferentes, mas que se erga de maneira concorde num único grito. Estou certo de que hoje rezamos juntos pelo resgate daqueles que erraram e não pela sua destruição, pela justiça e não pela vingança, pela reparação na verdade e não no seu esquecimento. Rezamos para cumprir o lema desta visita: «Demos o primeiro passo», e que este primeiro passo seja numa direção comum.

«Dar o primeiro passo» é sobretudo ir ao encontro dos outros com Cristo, o Senhor. Ele sempre nos pede para darmos um passo decidido e seguro rumo aos irmãos, renunciando à pretensão de sermos perdoados sem perdoar, de sermos amados sem amar. Se a Colômbia quer uma paz estável e duradoura, deve dar urgentemente um passo nesta direção, que é a do bem comum, da equidade, da justiça, do respeito pela natureza humana e as suas exigências. Só se ajudarmos a desatar os nós da violência, é que desenredaremos a complexa teia dos conflitos: é-nos pedido para darmos o passo do encontro com os irmãos, tendo a coragem duma correção que não quer expulsar mas integrar; é-nos pedido para sermos caridosamente firmes naquilo que não é negociável; em suma, a exigência é construir a paz «falando, não com a língua, mas com as mãos e as obras» (São Pedro Claver), e juntos erguermos os olhos ao céu: Jesus Cristo é capaz de desatar aquilo que nos parecia impossível; Ele prometeu acompanhar-nos até ao fim dos tempos, e não deixará estéril um esforço tão grande.

Despedida depois da Comunhão

Ao concluir esta celebração, desejo agradecer a D. Jorge Enrique Jiménez Carvajal, Arcebispo de Cartagena, as amáveis palavras que me dirigiu em nome dos seus irmãos no episcopado e de todo o povo de Deus.

Agradeço ao Senhor Presidente Juan Manuel Santos o seu convite para visitar o país; e agradeço às autoridades civis e a todos os que quiseram unir-se conosco nesta Celebração Eucarística, aqui ou através dos meios de comunicação.

Agradeço o esforço e colaboração que tornaram possível esta visita. Há tantos que colaboraram oferecendo o seu tempo e disponibilidade. Foram dias intensos e belos, durante os quais pude encontrar tantas pessoas e conhecer tantas realidades que me tocaram o coração. Vós ajudastes-me imenso.

Queridos irmãos, gostaria de vos deixar uma última palavra: não nos contentemos com «dar o primeiro passo», mas continuemos diariamente a caminhar juntos, procurando ir ao encontro do outro, em busca da harmonia e da fraternidade. Não podemos ficar parados. Aqui mesmo, a 8 de setembro de 1654, morria São Pedro Claver, depois de quarenta anos de escravidão voluntária, de trabalho incansável a favor dos mais pobres. Ele não ficou parado; depois do primeiro passo, seguiram-se muitos outros. O seu exemplo nos leve a sair de nós mesmos para ir ao encontro do próximo. Colômbia, o teu irmão precisa de ti! Vai ao seu encontro, levando o abraço da paz, livre de toda a violência, «escravos da paz para sempre».

[1] Também ela teve a inteligência da caridade e soube encontrar Deus no próximo; nenhum dos dois ficou paralisado à vista da injustiça e das dificuldades. É que «perante o conflito, alguns limitam-se a olhá-lo e passam adiante como se nada fosse, lavam-se as mãos para poder continuar com a sua vida. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem o horizonte, projetam nas instituições as suas próprias confusões e insatisfações e, assim, a unidade torna-se impossível. Mas há uma terceira forma, a mais adequada, de enfrentar o conflito: é aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo» (Francisco, Exort. ap.Evangelii gaudium, 227).

*

Angelus

Igreja de São Pedro Claver, Cartagena das Índias

Queridos irmãos e irmãs!

Pouco antes de entrar nesta igreja, onde se conservam as relíquias de São Pedro Claver, benzi as «primeiras pedras» de duas instituições destinadas a cuidar de pessoas com graves necessidades e visitei a casa da senhora Lorenza, onde todos os dias recebe muitos dos nossos irmãos e irmãs para lhes dar alimento e carinho. Estes encontros ajudaram-me muito, porque lá se pode palpar o amor de Deus que se torna concreto e diário.

Todos juntos, vamos rezar o Angelus, recordando a encarnação do Verbo. Pensamos em Maria que concebeu Jesus e O trouxe ao mundo. Contemplamo-La, nesta manhã, sob a invocação de Nossa Senhora de Chiquinquirá. Como sabeis, durante um longo período de tempo, esta imagem esteve abandonada, perdeu a cor e encontrava-se rota e esburacada. Era tratada como um pedaço de saco velho, usada sem qualquer respeito até que acabou entre as coisas descartadas.

Foi então que uma mulher simples (chamada, segundo a tradição, Maria Ramos), a primeira devota da Virgem de Chiquinquirá, viu naquela tela algo de diferente. Teve a coragem e a fé de colocar aquela imagem arruinada e corroída num lugar de destaque, devolvendo-lhe a sua dignidade perdida. Soube encontrar e honrar Maria, segurando o Filho nos seus braços, precisamente naquilo que, para os outros, era desprezível e inútil.

E, assim, fez-se paradigma de todos aqueles que, de várias maneiras, procuram recuperar a dignidade do irmão prostrado pelo sofrimento das feridas da vida, daqueles que não se conformam e trabalham por lhes construir uma morada decente, assisti-los nas suas impelentes necessidades e sobretudo rezam com perseverança para que possam recuperar o esplendor de filhos de Deus que lhes fora arrebatado.

O Senhor ensina-nos através do exemplo dos humildes e dos que não contam. Se à Maria Ramos, uma mulher simples, concedeu a graça de acolher a imagem da Virgem na pobreza daquela tela rota, à Isabel, uma mulher indígena, e ao seu filho Miguel deu-lhes a capacidade de serem os primeiros a ver transformada e renovada aquela tela da Virgem. Foram os primeiros a ver, com olhos simples, este pedaço de pano inteiramente novo e, nele, o esplendor da luz divina, que transforma e faz novas todas as coisas. É aos pobres, aos humildes, aos que contemplam a presença de Deus, que se revela com maior nitidez o Mistério do amor de Deus. Eles, pobres e simples, foram os primeiros a ver a Virgem de Chinquinquirá e tornaram-se seus missionários, arautos da beleza e santidade da Virgem.

E, nesta igreja, rezaremos a Maria, que de Si própria disse ser «a escrava do Senhor», e a São Pedro Claver, o «escravo dos negros para sempre», como a si mesmo se designou desde o dia da sua profissão solene. Ele esperava os navios que chegavam da África ao principal mercado de escravos no Novo Mundo. Muitas vezes recebia-os apenas com gestos, gestos evangelizadores, devido à impossibilidade de comunicar pela diferença das línguas. Mas uma carícia ultrapassa todas as línguas; e São Pedro Claver sabia que a linguagem da caridade, da misericórdia era entendida por todos. Na verdade, a caridade ajuda a compreender a verdade, e a verdade reclama gestos de caridade: as duas caminham juntas, não se podem separar. Quando sentia repugnância deles – aqueles infelizes chegavam num estado que era repugnante – Pedro Claver beijava-lhes as feridas.

Austero e caritativo até ao heroísmo, depois de ter confortado a solidão de centenas de milhares de pessoas, não acabou rodeado de honras; pelo contrário, esqueceram-se dele e passou os últimos quatro anos da sua vida doente e na sua cela num estado espantoso de abandono. Assim paga o mundo; Deus pagou-o doutra maneira.

Realmente São Pedro Claver testemunhou, de forma estupenda, a responsabilidade e a solicitude que cada um de nós deve ter pelos seus irmãos. Apesar disso, este santo foi injustamente acusado, pelos outros, de ser indiscreto no seu zelo e teve que enfrentar duras críticas e uma tenaz oposição da parte de quantos temiam que o seu ministério ameaçasse o lucrativo comércio dos escravos.

Ainda hoje, na Colômbia e no mundo, milhões de pessoas são vendidas como escravos, ou então mendigam um pouco de humanidade, uma migalha de ternura, fazem-se ao mar ou metem-se a caminho porque perderam tudo, a começar pela sua dignidade e os seus direitos.

Maria de Chiquinquirá e Pedro Claver convidam-nos a trabalhar pela dignidade de todos os nossos irmãos, especialmente os pobres e descartados da sociedade, aqueles que estão abandonados, os emigrantes, as vítimas da violência e do tráfico humano. Todos eles têm a sua dignidade, e são imagem viva de Deus. Todos fomos criados à imagem e semelhança de Deus, e a todos nos sustenta a Virgem nos seus braços como filhos amados.

Dirijamos agora a nossa oração à Virgem Mãe, para que nos faça descobrir em cada um dos homens e mulheres do nosso tempo o rosto de Deus.

Angelus Domini

Depois do Angelus

Queridos irmãos e irmãs!

Daqui, quero assegurar a minha oração por cada um dos países da América Latina, em particular pela vizinha Venezuela. Expresso a minha proximidade a cada um dos filhos e filhas desta amada nação, e também aos venezuelanos que encontraram guarida nesta terra colombiana. Daqui, desta cidade sede dos direitos humanos, faço apelo para que se rejeite todo o tipo de violência na vida política e se encontre uma solução para a grave crise que se está a viver e afeta a todos, especialmente aos mais pobres e desfavorecidos da sociedade. A Santíssima Virgem interceda por todas as necessidades do mundo e de cada um dos seus filhos.

E saúdo também a vós, aqui presentes, vindos de diferentes lugares, bem como a quantos acompanham esta visita pelo rádio e a televisão. A todos, desejo um domingo feliz. Por favor, não se esqueçam de rezar por mim.

E agora gostaria de vos dar a bênção. Cada um de nós, antes de receber a bênção, durante uns momentos de silêncio, coloque no próprio coração os nomes das pessoas que mais amamos, e também os nomes das pessoas que não amamos; o nome das pessoas que gostam de nós, e os nomes das pessoas que sabemos que não gostam de nós; para todas e cada uma delas, peçamos a bênção… para todos.

  • 09 de setembro

Encontro com os Sacerdotes, Religiosos/as, Consagrados/as, Seminaristas e suas famílias - Discurso do Santo Padre

Estádio Coberto La Macarena (Medellín)

Caríssimos irmãos Bispos,
Queridos sacerdotes, consagrados, consagradas, seminaristas,
Prezadas famílias, queridos amigos colombianos!

A alegoria da videira verdadeira, que acabamos de ouvir no Evangelho de João, situa-nos no contexto da Última Ceia de Jesus. Naquele clima de intimidade, de uma certa tensão mas carregada de amor, o Senhor lavou os pés dos seus discípulos, quis perpetuar a sua memória no pão e no vinho, e também abriu profundamente o seu coração àqueles que mais amava.

Naquela primeira noite «eucarística», naquele primeiro ocaso, Jesus, depois do gesto de serviço, abre-lhes o seu coração; entrega-lhes o seu testamento. E, como naquele Cenáculo continuaram depois a reunir-se os Apóstolos, com algumas mulheres e Maria, a Mãe de Jesus (cf. At 1, 13-14), assim aqui hoje, neste lugar, nos reunimos nós para O escutar e para nos escutarmos. A Irmã Leidy de São José, Maria Isabel e o Padre Juan Felipe deram-nos o seu testemunho... e cada um de nós que aqui está poderia também contar a sua história vocacional. E, em comum, todos temos a experiência de Jesus que veio ao nosso encontro, nos precedeu e assim nos «cativou» o coração. Como diz o Documento de Aparecida, «conhecer a Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-Lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-Lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria» (n. 29), a alegria de evangelizar.

Muitos de vós, jovens, descobristes este Jesus vivo nas vossas comunidades; comunidades com um ardor apostólico contagioso, que entusiasmam e fascinam. Onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas; é a vida fraterna e fervorosa da comunidade que desperta o desejo de se consagrar inteiramente a Deus e à evangelização (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 107). Por natureza, os jovens vivem inquietos, à procura. Ou estou errado? Aqui quero deter-me um momento para vos referir uma recordação triste (é apenas um parêntese). É verdade que os jovens vivem, naturalmente, inquietos; mas esta sua inquietação muitas vezes é desencaminhada, destruída pelos sicários da droga. E Medellín traz-me à mente esta recordação: muitas vidas jovens destroçadas, descartadas, destruídas. Convido-vos a lembrar, a acompanhar este cortejo lutuoso, a pedir perdão para quem destruiu as aspirações de tantos jovens, pedir ao Senhor que converta os seus corações, para que acabe esta derrota da humanidade jovem. Por natureza, os jovens vivem inquietos, à procura, e, apesar de assistirmos a uma crise do compromisso e dos laços comunitários, são muitos os jovens que, à vista dos males do mundo, se mobilizam conjuntamente e se dedicam a diferentes formas de militância e voluntariado. São muitos. E alguns, sim, são católicos praticantes, muitos, porém, são católicos de «água de rosas» – como dizia a minha avó –; outros não sabem se acreditam ou não... Mas esta inquietação leva-os a fazerem algo pelos outros, esta inquietação enche o voluntariado em todo o mundo de rostos jovens. O que é preciso é encaminhar bem a inquietação. Quando o fazem por amor de Jesus, sentindo-se parte da comunidade, tornam-se «caminhantes da fé», felizes por levar Jesus Cristo a cada esquina, a cada praça, a cada canto da terra (cf. ibid., 107). E quantos O levam, mesmo sem saber que O estão a fazer! É esta riqueza de ir pelas estradas servindo, ser caminhantes duma fé que talvez nem eles próprios compreendem completamente; é testemunho, um testemunho que nos abre à ação do Espírito Santo que entra e trabalhará nos nossos corações.

Numa das minhas viagens que me levou à Jornada da Juventude na Polônia [Cracóvia 2016], num almoço que tive com os jovens - com 15 jovens e o Arcebispo – um perguntou-me: «Que posso dizer a um meu companheiro, jovem, que é ateu, que não crê? Que argumentos posso propor-lhe?» E veio-me espontaneamente esta resposta: «Olha! A última coisa que deves fazer é dizer-lhe qualquer coisa!» O jovem ficou surpreendido… Começa a fazer, começa a comportar-te de maneira tal que a inquietação, que ele tem dentro de si, o torne curioso e te interrogue; e, quando te pede o teu testemunho, então podes começar a dizer qualquer coisa. Como é importante este ser caminhantes, caminhantes da fé, caminhantes da vida!

A videira mencionada por Jesus no texto que foi proclamado é a videira que é todo o «povo da aliança». Profetas como Jeremias, Isaías e Ezequiel referem-se a ele comparando-o a uma videira; e o próprio Salmo 80 canta-o dizendo: «Arrancaste uma videira do Egito (...). Preparaste-lhe o terreno; ela foi deitando raízes e acabou por encher toda a terra» (vv. 9.10). Às vezes expressam a alegria de Deus pela sua videira; outras, a sua cólera, desilusão e enfado; jamais, jamais Deus Se desinteressa da sua videira, nunca deixa de sofrer com os seus extravios – se me extravio, Ele sofre no seu coração – nunca deixa de vir ao encontro deste povo que, quando se afasta d’Ele, fica ressequido, arde e se destrói.

Como é a terra, o alimento, o suporte onde cresce esta videira na Colômbia? Em que contextos são gerados os frutos das vocações de especial consagração? Certamente em ambientes cheios de contradições, de luzes e sombras, de situações relacionais complexas. Gostaríamos de contar com um mundo de famílias e vínculos mais serenos, mas somos parte desta mudança epocal, desta crise cultural; e é no meio dela, contando com ela, que Deus continua a chamar. E não comecem a dizer: «É certo que não há muitas vocações de especial consagração, porque, claro, com esta crise que estamos a viver...» Sabeis o que é isto? É um conto de fadas! Claro? Mesmo no meio desta crise, Deus continua a chamar. Seria quase ilusório pensar que todos vós ouvistes a chamada do Senhor no seio de famílias sustentadas por um amor forte e cheio de valores como a generosidade, o compromisso, a fidelidade e a paciência (cf. Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia, 5). Alguns, sim! Mas não todos. Algumas famílias serão assim; quisera Deus que fossem muitas! Mas, ter os pés por terra significa reconhecer que os nossos percursos vocacionais, o despertar da vocação de Deus, estão mais perto daquilo que já aparece narrado na Palavra de Deus e que a Colômbia bem conhece: «um rasto de sofrimento e sangue (…). A violência fratricida de Caim contra Abel e os vários litígios entre os filhos e entre as esposas dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacob, passando pelas tragédias que cobrem de sangue a família de David, até às numerosas dificuldades familiares que registra a história de Tobias ou a confissão amarga de Job abandonado» (Ibid., 20). E, desde o início, foi assim: não penseis na situação ideal; esta é a situação real. Deus manifesta a sua proximidade e a sua eleição, onde quer, na terra que quer, na situação em que está naquele momento, com as contradições concretas, como Ele quer. Ele muda o curso dos acontecimentos, chamando homens e mulheres na fragilidade da história pessoal e comunitária. Não tenhamos medo desta terra complexa! Ontem à noite, uma menina portadora de deficiência, no grupo que me deu as boas-vindas, que me acolheu na Nunciatura, disse que, no núcleo do humano, existe a vulnerabilidade, e explicava porquê. E veio-me à mente perguntar-lhe: «Somos todos vulneráveis?» – «Sim, todos». «Mas existe alguém que não seja vulnerável?» E ela respondeu: «Deus». Mas Deus quis fazer-Se vulnerável, quis sair a caminhar conosco pela estrada, viver a nossa história como era; quis fazer-Se homem no meio duma contradição, no meio de algo incompreensível, com o consentimento duma jovem que não compreendia mas obedece e dum homem justo que seguiu o que lhe fora mandado; mas tudo isto no meio de tantas contradições. Não tenhais medo desta terra complexa! Deus sempre fez o milagre de gerar cachos bons, e também boas torradas para o café da manhã. Que não faltem vocações em nenhuma comunidade, em nenhuma família de Medellín! E, quando no café da manhã encontrardes uma destas belas surpresas, dizei: «Ah, que bom! E Deus será capaz de fazer algo de mim?» Interrogai-vos, antes de a comerdes! Interrogai-vos.

E esta videira – que é a de Jesus – tem a característica de ser a verdadeira. Ele já usara este adjetivo noutras ocasiões, segundo o Evangelho de João: a luz verdadeira, o verdadeiro pão do céu, o testemunho verdadeiro. Ora, a verdade não é algo que recebemos, como o pão ou a luz, mas algo que brota de dentro. Somos povo eleito para a verdade, e a nossa vocação deve acontecer na verdade. Se somos ramos desta videira, se a nossa vocação está enxertada em Jesus, não há lugar para o engano, a hipocrisia, as opções mesquinhas. Todos devemos estar atentos para que cada ramo sirva para o que se pretendia: para dar fruto. Eu… estou pronto a dar fruto? Desde o início, as pessoas a quem cabe a tarefa de acompanhar os percursos vocacionais deverão motivar para a reta intenção, isto é, um desejo autêntico de configurar-se com Jesus, o pastor, o amigo, o esposo. Quando os percursos não são alimentados pela seiva verdadeira que é o Espírito de Jesus, então experimentamos a secura e Deus descobre, com tristeza, aqueles sarmentos já mortos. As vocações de especial consagração morrem quando querem nutrir-se de honrarias, quando são impelidas pela busca de tranquilidade pessoal e promoção social, quando a motivação é «subir de categoria», apegar-se a interesses materiais chegando mesmo ao erro da avidez de lucro. Já disse noutras ocasiões mas quero repeti-lo aqui porque verdadeiro e certo (não o esqueçais!): o diabo entra pela carteira. Sempre. Isto não diz respeito apenas ao início, todos nós devemos estar atentos porque a corrupção nos homens e mulheres que estão na Igreja começa assim, pouco a pouco, e depois – o próprio Jesus no-lo diz – lança raízes no coração e acaba por desalojar Deus da própria vida. «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Mt 6, 24; cf. v. 21). Jesus disse: «Não se pode servir a dois senhores». Dois senhores… é como se houvesse dois senhores no mundo. Não se pode servir a Deus e ao dinheiro. Jesus dá o título de «senhor» ao dinheiro. Que significa isto? Que, se te prende, não te deixa ir embora: será o teu senhor a começar do teu coração. Atenção! Não podemos aproveitar-nos da nossa condição religiosa e da bondade do nosso povo para sermos servidos e obter benefícios materiais.

Há situações, estilos e opções que manifestam os sinais da secura e da morte. E, quando isso acontece, retardam o fluxo da seiva que alimenta e dá vida. O veneno da mentira, da dissimulação, da manipulação e do abuso do povo de Deus, dos mais frágeis e especialmente dos idosos e das crianças não pode ter lugar na nossa comunidade. Quando um consagrado, uma consagrada, uma comunidade ou uma instituição (seja a paróquia ou outra qualquer) escolhe seguir este estilo, é um ramo seco; é suficiente sentar-se e aguardar que Deus venha cortá-lo.

Mas Deus não se limita a cortar; a alegoria continua dizendo que Deus poda a videira das imperfeições. É tão bela a poda! Faz doer, mas é bela. A promessa é que daremos fruto, e fruto em abundância, como o grão de trigo, se formos capazes de nos entregar, de dar livremente a vida. Na Colômbia, temos exemplos de que isto é possível. Pensemos em Santa Laura Montoya, uma religiosa admirável cujas relíquias se encontram aqui. Ela, a partir desta cidade, se prodigalizou numa grande obra missionária a favor dos indígenas de todo o país. Quanto nos ensina esta mulher consagrada de entrega silenciosa, abnegada sem outro interesse senão manifestar o rosto materno de Deus! Da mesma forma, podemos recordar o Beato Mariano de Jesús Euse Hoyos, um dos primeiros alunos do Seminário de Medellín, e outros sacerdotes e religiosas colombianos, cujos processos de canonização já foram introduzidos; bem como muitos outros, milhares de colombianos anônimos, que, na simplicidade da sua vida diária, souberam entregar-se pelo Evangelho e que guardais com certeza na vossa memória servindo como estímulo de entrega. Todos nos mostram que é possível seguir fielmente a chamada do Senhor, que é possível dar muito fruto, mesmo agora, neste tempo e neste lugar.

A boa notícia é que Ele está disposto a limpar-nos; a boa notícia é que não somos ainda uma «obra acabada», estamos ainda no «processo de fabricação» e como bons discípulos estamos a caminho. E como é que Jesus corta os fatores de morte que se aninham na nossa vida e distorcem a vocação? Convidando-nos a permanecer n’Ele; permanecer não significa apenas estar, mas indica manter uma relação vital, existencial, de absoluta necessidade; é viver e crescer em união fecunda com Jesus, fonte de vida eterna. Permanecer em Jesus não pode ser uma atitude meramente passiva ou um simples abandono sem consequências na vida diária. Tem sempre consequências, sempre. E deixai-me propor-vos – já está a ficar um pouco longo? [gritam: «Não!»] Naturalmente nunca me diríeis «sim» e por isso não me fio de vós! – deixai-me propor-vos três modos de tornar efetivo este permanecer, que vos podem ajudar a permanecer em Jesus.

1. Permanecemos em Jesus tocando a sua humanidade:

Com o olhar e os sentimentos de Jesus, que contempla a realidade não como juiz, mas como bom samaritano; que reconhece os valores do povo com quem caminha, bem como as suas feridas e pecados; que descobre o sofrimento silencioso e se comove perante as necessidades das pessoas, sobretudo quando estas se encontram oprimidas pela injustiça, a pobreza indigna, a indiferença ou pela ação perversa da corrupção e da violência.

Com os gestos e palavras de Jesus, que expressam amor aos vizinhos e busca dos afastados; ternura e firmeza na denúncia do pecado e no anúncio do Evangelho; alegria e generosidade na entrega e no serviço, sobretudo aos mais pequeninos, rejeitando vigorosamente a tentação de dar tudo por perdido, de nos acomodarmos ou de nos tornarmos apenas administradores de desgraças. Quantas vezes ouvimos homens e mulheres consagrados, parecendo que, em vez de administrar alegria, crescimento, vida, administram infortúnios e passam o tempo a lamentar-se das desgraças deste mundo. É a esterilidade; a esterilidade de quem é incapaz de tocar a carne sofredora de Jesus.

2. Permanecemos contemplando a sua divindade:

Suscitando e cultivando a estima pelo estudo, que aumenta o conhecimento de Cristo, pois, como lembra Santo Agostinho, não se pode amar a quem não se conhece (cf.A Trindade, Livro X, cap. I, 3).

Privilegiando, para tal conhecimento, o encontro com a Sagrada Escritura, especialmente o Evangelho, onde Cristo nos fala, nos revela o seu amor incondicional ao Pai, nos contagia com a alegria que brota da obediência à sua vontade e do serviço aos irmãos. Quero fazer-vos uma pergunta, mas não me deveis responder; cada qual responde para si mesmo. Quantos minutos ou quantas horas leio o Evangelho ou a Escritura em cada dia? Respondei para vós mesmos. Quem não conhece as Escrituras, não conhece Jesus. Quem não ama as Escrituras, não ama Jesus (cf. São Jerónimo, Prólogo ao Comentário do profeta Isaías: PL 24, 17). Gastemos tempo numa leitura orante da Palavra, ouvindo nela o que Deus quer para nós e para o nosso povo.

Que todo o nosso estudo nos ajude a ser capazes de interpretar a realidade com os olhos de Deus; que não seja um estudo alienado do que vive o nosso povo, nem siga as ondas das modas e das ideologias. Que não viva de saudosismos, nem queira enjaular o mistério; não procure responder a perguntas que já ninguém se põe, deixando no vazio existencial aqueles que nos interpelam a partir das coordenadas do seu mundo e da sua cultura.

Permanecer e contemplar a sua divindade, fazendo da oração a parte fundamental da nossa vida e do nosso serviço apostólico. A oração liberta-nos das escórias do mundanismo, ensina-nos a viver com alegria, a escolher a fuga do superficial, num exercício de liberdade autêntica. Na oração, crescemos em liberdade, na oração aprendemos a ser livres. A oração arranca-nos da tendência a concentrar-nos sobre nós mesmos, fechados numa experiência religiosa vazia e leva a colocar-nos docilmente nas mãos de Deus para cumprir a sua vontade e corresponder ao seu plano de salvação. E, na oração, quero também aconselhar-vos uma coisa: pedi, contemplai, agradecei, intercedei, mas habituai-vos também a adorar. Não está muito na moda, adorar. Habituai-vos a adorar. Aprender a adorar em silêncio. Aprender a rezar assim.

Sejamos homens e mulheres reconciliados, para reconciliar. O facto de termos sido chamados não nos dá um certificado de boa conduta e impecabilidade; não estamos revestidos duma aura de santidade. Ai do religioso, do consagrado, do padre, da irmã que vivem com uma cara de santinho! Todos somos pecadores, todos. E precisamos do perdão e da misericórdia de Deus, para nos erguer cada dia; Ele arranca o que não está bem e o que fizemos de mal, deita-o fora da vinha e queima-o. Limpa-nos para podermos dar fruto. Assim é a fidelidade misericordiosa de Deus para com o seu povo, do qual fazemos parte. Ele nunca nos abandonará na beira da estrada, nunca. Deus faz tudo para evitar que o pecado nos vença e feche as portas da nossa vida a um futuro de esperança e de alegria. Deus faz tudo para o evitar. E, se não o consegue, fica ali ao pé de mim, até que me recorde de olhar para o alto por me ter dado conta que estou caído. Ele é assim.

3. Finalmente, devemos permanecer em Cristo para viver na alegria:

O terceiro: permanecer para viver na alegria. Se permanecermos n’Ele, a sua alegria habitará em nós. Não seremos discípulos tristes e apóstolos amargurados. Lede o final da [Exortação apostólica de Paulo VI] «Evangelium nuntiandi»: vo-lo aconselho. Pelo contrário, espelharemos e levaremos a alegria verdadeira, aquela alegria plena que ninguém poderá tirar-nos, espalharemos a esperança de vida nova que Cristo nos trouxe. A chamada de Deus não é um fardo pesado que nos rouba a alegria. É pesado? Às vezes sim; mas não nos rouba a alegria. Mesmo através deste peso, dá-nos a alegria. Deus não nos quer submersos na tristeza – um dos espíritos maus que se apoderam da alma, como já denunciavam os monges do deserto –; Deus não nos quer submersos no cansaço, que provêm das atividades mal vividas, sem uma espiritualidade que torne feliz a nossa vida e até mesmo as nossas fadigas. A nossa alegria contagiante deve ser o primeiro testemunho da proximidade e do amor de Deus. Somos verdadeiros dispensadores da graça de Deus, quando deixamos transparecer a alegria do encontro com Ele.

No Gênesis, depois do dilúvio, Noé planta uma videira como sinal do novo começo; ao terminar o Êxodo, aqueles que Moisés enviou para inspecionar a Terra Prometida, voltaram com um cacho de uvas grande assim [indica a altura], sinal da terra onde mana leite e mel. Deus debruçou-se sobre nós, as nossas comunidades e as nossas famílias: estão aqui presentes; acho muito bem que estejam os pais e as mães dos consagrados, dos sacerdotes e dos seminaristas. Deus pôs o seu olhar sobre a Colômbia: vós sois sinal deste amor de predileção. Cabe-nos agora oferecer todo o nosso amor e serviço unidos a Jesus Cristo, que é a nossa videira, e ser promessa dum novo início para a Colômbia, que deixa para trás um dilúvio – como o de Noé –, um dilúvio de conflitos e violências, que quer produzir muitos frutos de justiça e paz, de encontro e solidariedade. Que Deus vos abençoe! Deus abençoe a vida consagrada na Colômbia. E não vos esqueçais de rezar por mim, para que me abençoe também a mim. Obrigado!

*

Encontro no lar São José - Saudação do Santo Padre

Medellín

Caríssimos irmãos e irmãs,
Queridos meninos e meninas!

Estou feliz por me encontrar convosco neste «Lar de São José». Obrigado pela recepção que me preparastes. Agradeço as palavras do diretor, Mons. Armando Santamaría.

E obrigado a ti, Cláudia Yesenia, pelo teu corajoso testemunho, verdadeiramente corajoso. Enquanto ouvia todas as dificuldades por que passaste, vinha-me à memória do coração o sofrimento injusto de tantos meninos e meninas em todo o mundo que foram e continuam a ser vítimas inocentes da maldade de alguns.

Também o Menino Jesus foi vítima do ódio e da perseguição; também Ele teve que fugir com a sua família, deixar a sua terra e a sua casa para escapar da morte. Ver as crianças sofrer faz doer a alma, porque as crianças são os prediletos de Jesus. Não podemos aceitar que sejam maltratadas, que sejam privadas do direito de viver a sua infância com serenidade e alegria, que lhes seja negado um futuro de esperança.

Mas Jesus não abandona ninguém que sofre, e muito menos a vós, meninos e meninas, que sois os seus preferidos. Cláudia Yesenia, a par de tanto horror que aconteceu, Deus presenteou-te com uma tia que cuidou de ti, um hospital que te assistiu e, por fim, uma comunidade que te acolheu. Esta casa é uma prova do amor que Jesus vos tem e do seu desejo de estar muito perto de vós. Fá-lo através dos cuidados amorosos de todas as pessoas boas que vos acompanham, que vos amam e educam. Penso nos responsáveis desta casa, nas irmãs, no pessoal de serviço e em tantas outras pessoas que já fazem parte da vossa família, porque vos inter-relacionais e vos conhecem. Porque é isto que faz com que este lugar seja um Lar: o calor duma família, onde nos sentimos amados, protegidos, aceites, cuidados e acompanhados.

E dá-me muito prazer saber que este Lar tem o nome de São José; e os outros, o nome de «Jesus Operário» e de «Belém». Diria que estais em boas mãos. Lembrai-vos do que escreve São Mateus, no seu Evangelho, a propósito de Herodes que, na sua loucura, decidira matar Jesus recém-nascido? Deus falou em sonho a São José, por meio dum anjo, e confiou à sua custódia e proteção os seus tesouros mais preciosos: Jesus e Maria. São Mateus diz-nos que José, recebida a palavra do anjo, obedeceu imediatamente e fez aquilo que Deus lhe ordenara: «Levantou-se de noite, tomou o Menino e sua Mãe e partiu para o Egito» (Mt 2, 14). Tenho a certeza de que, assim como São José protegeu e defendeu dos perigos a Sagrada Família, assim também vos defende, cuida e acompanha. E com ele, também Jesus e Maria, porque São José não pode estar sem Jesus e Maria.

A vós, irmãos e irmãs, religiosos, religiosas e leigos, que neste e nos outros Lares acolheis e cuidais amorosamente destas crianças, que desde pequenas experimentaram o sofrimento e a amargura, gostaria de vos lembrar duas realidades que nunca devem faltar, porque fazem parte da identidade cristã: o amor que sabe ver Jesus presente nos mais pequeninos e nos mais frágeis, e o dever sagrado de levar as crianças a Jesus. Nesta tarefa, com as suas alegrias e penas, confio-vos também à proteção de São José. Aprendei com ele: o seu exemplo vos inspire e ajude no cuidado amoroso destes pequeninos, que são o futuro da sociedade colombiana, do mundo e da Igreja, para que possam, como o próprio Jesus, crescer e robustecer-se em sabedoria e graça diante de Deus e dos outros (cf. Lc 2, 40.52). Que Jesus e Maria, juntamente com São José, vos acompanhem e protejam, vos encham de ternura, alegria e fortaleza.

Comprometo-me a rezar por vós para que, neste ambiente de carinho familiar, cresçais em amor, paz e felicidade, podendo assim ir curando as feridas do corpo e do coração. Deus não vos abandona, mas protege-vos e assiste-vos. E o Papa leva-vos no coração. E não vos esqueçais de rezar por mim. E, com isto, vos agradeço.

*

«A vida cristã como discipulado» - Homilia do Santo Padre

Aeroporto Enrique Olaya Herrera, Medellín

Queridos irmãos e irmãs!

Na Missa de quinta-feira em Bogotá, ouvimos a chamada de Jesus aos seus primeiros discípulos; esta parte do evangelho de Lucas, que começa com aquela narração, culmina com a chamada dos Doze. Entre estes dois acontecimentos, que nos recordam os evangelistas? Recordam que este caminho de seguimento supôs nos primeiros seguidores de Jesus muito esforço de purificação. Alguns preceitos, proibições e mandamentos davam-lhes segurança; cumprir determinados ritos e práticas dispensava-os da preocupação de se interrogar: Que agrada ao nosso Deus? Jesus, o Senhor, indica-lhes que obedecer é caminhar atrás d’Ele, o que os fazia deparar com leprosos, paralíticos, pecadores. Estas realidades requeriam muito mais do que uma receita, uma norma estabelecida. Aprenderam que ir atrás de Jesus implica outras prioridades, outras considerações para servir a Deus. Para o Senhor, como também para a primitiva comunidade, é de suma importância que, se nos dizemos discípulos, não estejamos agarrados a um certo estilo, a certas práticas que nos aproximam mais do modo de ser dalguns fariseus de então que do modo de ser de Jesus. A liberdade de Jesus contrasta com a falta de liberdade dos doutores da lei daquele tempo, que estavam paralisados por uma interpretação e prática rigoristas da lei. Jesus não Se limita a uma atuação aparentemente «correta», mas leva a lei à sua plenitude; e, por isso, quer colocar-nos nessa direção, nesse estilo de seguimento que implica ir ao essencial, renovar-se e envolver-se. São três atitudes que devemos plasmar na nossa vida de discípulos.

A primeira: ir ao essencial. Isto não significa «cortar com tudo», cortar com o que não se nos adapta, pois Jesus também não veio revogar a lei, mas levá-la à sua plenitude (cf. Mt 5, 17). Ir ao essencial é, antes, caminhar em profundidade rumo ao que conta e tem valor para a vida. Jesus ensina que a relação com Deus não pode ser uma fria aderência a normas e leis, nem o cumprimento de certos atos exteriores que não conduzem a uma mudança real de vida. O nosso discipulado não pode ser motivado simplesmente por um costume, porque dispomos dum certificado de batismo, mas deve partir duma experiência viva de Deus e do seu amor. O discipulado não é algo de estático, mas um caminho contínuo para Cristo; não é simplesmente a aderência à explicitação duma doutrina, mas a experiência da presença amorosa, viva e operante do Senhor, uma aprendizagem permanente através da escuta da sua Palavra. E esta Palavra, como ouvimos, impõe-nos cuidar das necessidades concretas dos nossos irmãos: pode ser a fome de quem vive ao nosso lado (assim o vimos no texto proclamado hoje: cf. Lc 6, 1-5), ou a doença como se vê na narração que Lucas apresenta a seguir.

A segunda palavra: renovar-se. Como Jesus «instava» com os doutores da lei para que saíssem da sua rigidez, também agora a Igreja é «instada» pelo Espírito para que deixe as suas comodidades e amarras. A renovação não nos deve meter medo. A Igreja está sempre em renovação (Ecclesia semper renovanda). Não se renova como lhe apetece, mas fá-lo «sólida e firme na fé, sem se deixar afastar da esperança do Evangelho que ouviu» (cf. Col 1, 23). A renovação implica sacrifício e coragem, não para nos considerarmos melhores ou impecáveis, mas para respondermos melhor à chamada do Senhor. O Senhor do sábado, a razão de ser de todos os nossos mandamentos e preceitos, convida-nos a ponderar as normas quando está em jogo segui-Lo a Ele; quando as suas chagas abertas, o seu grito de fome e sede de justiça nos interpelam e impõem respostas novas. E, na Colômbia, há tantas situações que reclamam, dos discípulos, o estilo de vida de Jesus, particularmente o amor traduzido em atos de não-violência, de reconciliação e de paz.

A terceira palavra: envolver-se, ainda que, para alguns, isso equivalha a sujar-se ou manchar-se. Como David e os seus homens que entraram no templo porque tinham fome e os discípulos de Jesus entraram na seara e comeram as espigas, também hoje nos é pedido que cresçamos em ousadia, numa coragem evangélica que brota de saber que são muitos os que têm fome, têm fome de Deus (há tanta gente com fome de Deus!), fome de dignidade, porque dela foram despojados. E pergunto-me a mim mesmo se porventura a fome de Deus em tanta gente não derive das nossas atitudes com que os despojamos. E, como cristãos, devemos ajudá-los a saciar-se de Deus; não lhes dificultar nem proibir o encontro. Irmãos, a Igreja não é uma alfândega; precisa de portas abertas, porque o coração do seu Deus está, não apenas aberto, mas trespassado pelo amor que se fez dor. Não podemos ser cristãos que levantam continuamente a bandeira de «Passagem Proibida», nem considerar que esta parcela é minha, apoderando-me de algo que absolutamente não é meu. A Igreja não é nossa, irmãos, é de Deus; Ele é o dono do templo e da seara; todos têm um lugar, todos são convidados a encontrar, aqui e entre nós, o seu alimento. Todos. Ele, que preparou as núpcias para o seu Filho, manda chamar a todos: sãos e doentes, bons e maus, todos. Somos meros «servidores» (cf. Col 1, 23) e não podemos ser quem dificulta esse encontro. Pelo contrário, Jesus pede-nos como fez aos seus discípulos: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mt14, 16); tal é o nosso serviço. Dar-lhes a comer o pão de Deus, comer o amor de Deus, comer o pão que nos ajuda a sobreviver. Bem compreendeu isto Pedro Claver, que celebramos hoje na Liturgia e, amanhã, venerarei em Cartagena. «Escravo dos negros para sempre»: foi o seu lema de vida, porque compreendeu, como discípulo de Jesus, que não podia ficar indiferente perante o sofrimento dos mais abandonados e ultrajados do seu tempo, mas tinha de fazer algo para o aliviar.

Irmãos e irmãs, a Igreja na Colômbia é chamada a comprometer-se, com mais ousadia, na formação de discípulos missionários, como foi indicado por nós, Bispos reunidos em Aparecida. Discípulos que saibam ver, julgar e agir, como propunha aquele documento latino-americano que nasceu precisamente aqui, nestas terras (cf. Medellín, 1968). Discípulos missionários que sabem ver sem miopias hereditárias; que examinam a realidade com os olhos e o coração de Jesus, e a partir daí julgam. E que arriscam, que atuam, que se comprometem.

Vim aqui precisamente para vos confirmar na fé e na esperança do Evangelho: permanecei firmes e livres em Cristo – firmes e livres em Cristo, porque toda a estabilidade em Cristo nos dá liberdade –, de tal modo que O espelheis em tudo o que fizerdes; abraçai com todas as vossas forças o seguimento de Jesus, conhecei-O, deixai-vos convocar e instruir por Ele, procurai-O na oração e deixai-vos encontrar por Ele na oração, anunciai-O com a maior alegria possível.

Peçamos por intercessão da nossa Mãe, Nossa Senhora da Candelária, que nos acompanhe no nosso caminho de discípulos, para que, colocando a nossa vida em Cristo, sejamos sempre missionários que levem a luz e a alegria do Evangelho a todos os povos.

  • 08 de setembro

Encontro de Oração para a Reconciliação Nacional

Parque Las Malocas, Villavicencio

Queridos irmãos e irmãs!

Desejava, desde o primeiro dia, que chegasse este momento do nosso encontro. Trazeis marcas no vosso coração e na vossa carne, as marcas da história viva e recente do vosso povo, sulcada por acontecimentos trágicos, mas cheia também de gestos heroicos de grande humanidade e de alto valor espiritual de fé e esperança. Acabamos de ouvi-los. Venho aqui com respeito e bem ciente de me encontrar, como Moisés, pousando os pés numa terra sagrada (cf. Ex 3, 5). Uma terra regada com o sangue de milhares de vítimas inocentes e a dor angustiante dos seus familiares e conhecidos. Feridas que custam a cicatrizar e que nos fazem sofrer a todos, porque cada ato de violência cometido contra um ser humano é uma ferida na carne da humanidade; cada morte violenta «diminui-nos» como pessoas.

Estou aqui não tanto para falar, mas para estar perto de vós e fixar-vos nos olhos, para vos escutar e abrir o meu coração ao vosso testemunho de vida e fé. E, se me permitis, desejaria também abraçar-vos e, se Deus me der a graça (porque é uma graça!), quereria chorar convosco, queria que rezássemos juntos e nos perdoássemos – também eu devo pedir perdão – e que assim, todos juntos, pudéssemos olhar em frente e avançar com fé e esperança.

Reunimo-nos aos pés do Crucificado de Bojayá, que, no dia 2 de maio de 2002, presenciou e sofreu o massacre de dezenas de pessoas refugiadas na sua igreja. Esta imagem possui um forte valor simbólico e espiritual. Ao fixá-la, contemplamos não só o que aconteceu naquele dia, mas também tanto sofrimento, tanta morte, tantas vidas destroçadas e tanto sangue derramado na Colômbia nos últimos decênios. Ver Cristo assim, mutilado e ferido, interpela-nos. Não tem braços e o seu corpo já não está inteiro, mas conserva o seu rosto e, com ele, olha-nos e ama-nos. Cristo partido e amputado, para nós, ainda é «mais Cristo», porque mostra-nos uma vez mais que Ele veio para sofrer pelo seu povo e com o seu povo, e também para nos ensinar que o ódio não tem a última palavra, que o amor é mais forte do que a morte e a violência. Ensina-nos a transformar o sofrimento em fonte de vida e ressurreição, para que, unidos a Ele e com Ele, aprendamos a força do perdão, a grandeza do amor.

Obrigado a vós os quatro, nossos irmãos, que quisestes, em nome de muitos e muitos outros, compartilhar o vosso testemunho. Como nos faz bem – pode parecer egoísmo, mas não é – como nos faz bem ouvir os vossos casos, a vossa história! Deixam-me comovido. São histórias de sofrimento e amargura, mas também, e sobretudo, são histórias de amor e perdão, que nos falam de vida e esperança, de não deixar que o ódio, a vingança e a dor se apoderem do nosso coração.

O oráculo final do Salmo 85 – «O amor e a fidelidade vão encontrar-se. Vão beijar-se a justiça e a paz» (v. 11) – aparece depois da ação de graças e da súplica onde se pede a Deus: Renovai-nos! Obrigado, Senhor, pelo testemunho daqueles que infligiram dor e pedem perdão; daqueles que sofreram injustamente e perdoam. Isto só é possível com a vossa ajuda e a vossa presença. Isto já é um sinal enorme de que quereis reconstruir a paz e a concórdia nesta terra colombiana.

Pastora Mira, disseste-lo muito bem: Queres colocar todo o sofrimento, teu e o de milhares de vítimas, aos pés de Jesus Crucificado, para que se una ao d’Ele e, assim, se transforme em bênção e capacidade de perdão para romper o ciclo de violência que imperou na Colômbia. E tens razão: a violência gera mais violência, o ódio gera mais ódio, e a morte mais morte. Temos de quebrar esta corrente que aparece como inelutável, e isto é possível apenas com o perdão e a reconciliação concreta. Tu, querida Pastora, e muitos outros como tu demonstraram que isto é possível. Com a ajuda de Cristo, de Cristo vivo no meio da comunidade, é possível vencer o ódio, é possível vencer a morte, é possível começar de novo e dar vida a uma Colômbia nova. Obrigado, Pastora! Como é grande o bem que hoje nos fazes a todos com o testemunho da tua vida. Foi o Crucificado de Bojayá que te deu a força de perdoar e amar, e te ajudou a ver, na camisa que a tua filha Sandra Paula deu de prenda ao teu filho Jorge Aníbal, não só a recordação das suas mortes, mas também a esperança de que a paz triunfe definitivamente na Colômbia. Obrigado! Obrigado!

Comoveu-nos também o que disse Luz Dary no seu testemunho: as feridas do coração são mais profundas e difíceis de sanar do que as do corpo. É mesmo assim. E – o que é mais importante – deste-te conta que não se pode viver no rancor, que só o amor liberta e constrói. E deste modo começaste a curar também as feridas doutras vítimas, a reconstruir a sua dignidade. O facto de saíres de ti mesma enriqueceu-te, ajudou-te a olhar em frente, a encontrar paz e serenidade e também um motivo para continuar a caminhar. Agradeço-te a muleta que ofereces. Embora permaneçam ainda feridas, permanecem sequelas físicas das tuas feridas, o teu caminhar espiritual é desimpedido e firme. Este caminhar espiritual não tem necessidade de muletas; e é rápido e firme, porque pensas nos outros – obrigado! – e queres ajudá-los. Esta tua muleta é símbolo doutra muleta mais importante, de que todos nós precisamos: o amor e o perdão. Com o teu amor e o teu perdão, estás a ajudar muitas pessoas a caminhar na vida, e a caminhar rapidamente como tu. Obrigado!

Desejo agradecer também o eloquente testemunho de Deisy e Juan Carlos. Fizeram-nos compreender que no fim de contas, duma forma ou doutra, todos somos vítimas, inocentes ou culpados, mas todos vítimas (dum lado e do outro: todos vítimas). Todos irmanados naquela perda de humanidade que a violência e a morte comportam. Disse-o claramente Deisy: compreendeste que tu própria foste uma vítima e precisavas que te fosse concedida uma oportunidade. Quando a pronunciaste, esta palavra retiniu-me no coração. Começaste a estudar, e agora trabalhas para ajudar as vítimas e para que os jovens não caiam nas malhas da violência e da droga, que é outra forma de violência. Há esperança também para quem fez o mal; nem tudo está perdido. Foi para isto que Jesus veio: haver esperança para quem fez o mal. É verdade que, na regeneração moral e espiritual dos verdugos, tem que se cumprir a justiça. Como disse Deisy, deve-se contribuir positivamente para sanar esta sociedade que foi lacerada pela violência.

É difícil aceitar a mudança daqueles que fizeram apelo à violência cruel para promover os seus fins, proteger tráficos ilícitos e enriquecer-se ou por acreditar, ilusoriamente, que estavam a defender a vida dos seus irmãos. É certamente um desafio para cada um de nós confiar que possam dar um passo em frente aqueles que infligiram sofrimento a comunidades inteiras e a todo o país. É claro que, neste campo enorme que é a Colômbia, ainda há espaço para o joio... Não nos enganemos! Estai atentos aos frutos! Cuidai do trigo e não percais a paz por causa do joio. O semeador, quando vê desabrochar o joio no meio do trigo, não tem reações alarmistas. Encontra o modo para fazer com que a Palavra se encarne numa situação concreta e dê frutos de vida nova, embora aparentemente sejam imperfeitos ou defeituosos (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 24). Mesmo se perdurarem conflitos, violência ou sentimentos de vingança, não impeçamos que a justiça e a misericórdia se unam num abraço que assuma a história de sofrimento da Colômbia. Curemos aquele sofrimento e acolhamos todo o ser humano que cometeu delitos, reconhece-os, arrepende-se e compromete-se a reparar, contribuindo para a construção duma ordem nova onde brilhem a justiça e a paz.

Como Juan Carlos deixou vislumbrar no seu testemunho, em todo este processo – longo, difícil mas rico de esperança de reconciliação – é indispensável também assumir a verdade. É um desafio grande, mas necessário. A verdade é uma companheira inseparável da justiça e da misericórdia. Se, por um lado, são essenciais, as três todas juntas, para construir a paz, por outro, cada uma delas impede que as restantes sejam adulteradas e se transformem em instrumentos de vingança contra quem é mais frágil. De facto, a verdade não deve levar à vingança, mas antes à reconciliação e ao perdão. A verdade é contar às famílias dilaceradas pela dor o que aconteceu aos seus parentes desaparecidos. A verdade é confessar o que aconteceu aos menores recrutados pelos agentes de violência. A verdade é reconhecer o sofrimento das mulheres vítimas de violência e de abusos.

Por fim queria, como irmão e como pai, dizer: Colômbia, abre o teu coração de povo de Deus e deixa-te reconciliar. Não tenhas medo da verdade nem da justiça. Queridos colombianos, não tenhais medo de pedir e oferecer o perdão. Não oponhais resistência à reconciliação que vos faz aproximar uns dos outros, reencontrar-vos como irmãos e superar as inimizades. É hora de sanar feridas, lançar pontes, limar diferenças. É hora de apagar os ódios, renunciar às vinganças e abrir-se à convivência baseada na justiça, na verdade e na criação duma autêntica cultura do encontro fraterno. Oxalá possamos habitar em harmonia e fraternidade, como o Senhor quer. Peçamos para ser construtores de paz; que, onde houver ódio e ressentimento, possamos colocar amor e misericórdia (cf. Oração atribuída a São Francisco de Assis)!

E todas estas intenções, os testemunhos ouvidos, as coisas que trazeis no coração e cada um de vós conhece, decênios de história de dor e sofrimento, quero depô-los diante da imagem do Crucificado, o Cristo negro de Bojayá:

* * *

Ó Cristo negro de Bojayá,
que nos lembrais a vossa paixão e morte;
juntamente com os vossos braços e pés
arrancaram-Vos os vossos filhos
que em Vós procuravam refúgio.

Ó Cristo negro de Bojayá,
que nos olhais com ternura
e com rosto sereno;
que o vosso coração palpite também
para nos acolher no vosso amor.

Ó Cristo negro de Bojayá,
fazei que nos comprometamos
a restaurar o vosso corpo. Que sejamos
os vossos pés para ir ao encontro
do irmão necessitado;
os vossos braços para abraçar
quem perdeu a sua dignidade;
as vossas mãos para abençoar e consolar
quem chora na solidão.

Fazei que sejamos testemunhas
do vosso amor e da vossa misericórdia infinita.
Amém.

*

«Em Deus, reconciliar-se com os colombianos e com a criação» - Homilia do Santo Padre

Esplanada Catama, Villavicencio

O vosso nascimento, Virgem Mãe de Deus, é a nova aurora que anunciou a alegria ao mundo inteiro, porque de Vós nasceu o Sol de Justiça, Cristo, nosso Deus (cf. Antífona do Benedictus). A festa da Natividade de Maria projeta a sua luz sobre nós, como se irradia a luz suave do amanhecer sobre a vasta planície colombiana, esta paisagem lindíssima de que Villavicencio é a porta, bem como na rica diversidade dos seus povos indígenas.

Maria é o primeiro esplendor que anuncia o fim da noite e, sobretudo, a proximidade do dia. O seu nascimento faz-nos intuir a iniciativa amorosa, terna e compassiva do amor com que Deus Se inclina sobre nós e nos chama para uma aliança maravilhosa com Ele, que nada e ninguém poderá romper.

Maria soube ser transparência da luz de Deus e refletiu os fulgores desta luz na sua casa, que partilhou com José e Jesus, e também no seu povo, na sua nação e na casa comum de toda a humanidade que é a criação.

No Evangelho, ouvimos a genealogia de Jesus (cf. Mt 1, 1-17), que não é uma mera lista de nomes, mas história viva, história dum povo com o qual Deus caminhou e, ao fazer-Se um de nós, quis anunciar que, no seu sangue, corre a história de justos e pecadores, que a nossa salvação não é uma salvação assética, de laboratório, mas concreta, uma salvação de vida que caminha. Esta longa lista diz-nos que somos uma pequena parte duma longa história e ajuda-nos a não pretender protagonismos excessivos, ajuda-nos a fugir da tentação de espiritualismos evasivos, a não abstrair das coordenadas históricas concretas em que nos cabe viver. E também integra, na nossa história de salvação, aquelas páginas mais obscuras ou tristes, os momentos de desolação e abandono comparáveis ao exílio.

A menção das mulheres – nenhuma das referidas na genealogia pertence à hierarquia das grandes mulheres do Antigo Testamento – permite-nos uma abordagem especial: na genealogia, são elas que anunciam que, pelas veias de Jesus, corre sangue pagão, que recordam histórias de marginalização e sujeição. Em comunidades onde ainda se arrastam estilos patriarcais e machistas, é bom anunciar que o Evangelho começa por salientar mulheres que criaram tendência e fizeram história.

E, no meio de tudo isto, Jesus, Maria e José. Maria, com o seu «sim» generoso, permitiu que Deus cuidasse desta história. José, homem justo, não deixou que o orgulho, as paixões e os ciúmes o lançassem fora desta luz. Pela forma como aparece narrado, nós sabemos antes de José aquilo que aconteceu com Maria, e ele toma decisões em que se manifestam as suas qualidades humanas antes de ser ajudado pelo anjo e chegar a entender tudo o que estava a acontecer ao seu redor. A nobreza do seu coração fá-lo subordinar à caridade aquilo que aprendera com a lei; e hoje, neste mundo onde é patente a violência psicológica, verbal e física contra a mulher, José apresenta-se como figura de homem respeitoso, delicado que, mesmo não dispondo de todas as informações, se decide pela honra, dignidade e vida de Maria. E, na sua dúvida sobre o melhor a fazer, Deus ajudou-o a escolher iluminando o seu discernimento.

Este povo da Colômbia é povo de Deus; também aqui podemos fazer genealogias cheias de histórias: muitas, cheias de amor e de luz; outras, de conflitos, ofensas, inclusive de morte... Quantos de vós poderíeis narrar experiências de exílio e desolação! Quantas mulheres, em silêncio, perseveraram sozinhas, e quantos homens de bem procuraram pôr de lado amarguras e rancores, querendo combinar justiça e bondade! Que havemos de fazer para deixar entrar a luz? Quais são os caminhos de reconciliação? Como Maria, dizer «sim» à história completa, e não apenas a uma parte; como José, pôr de lado paixões e orgulho; como Jesus Cristo, cuidar, assumir, abraçar esta história, porque nela vos encontrais vós, todos os colombianos, nela está aquilo que somos... e o que Deus pode fazer conosco se dissermos «sim» à verdade, à bondade, à reconciliação. E isto só é possível, se enchermos com a luz do Evangelho as nossas histórias de pecado, violência e conflito.

A reconciliação não é uma palavra que devemos considerar abstrata; se assim fosse, traria apenas esterilidade, traria maior distância. Reconciliar-se é abrir uma porta a todas e cada uma das pessoas que viveram a realidade dramática do conflito. Quando as vítimas vencem a tentação compreensível da vingança, quando vencem esta tentação compreensível da vingança, tornam-se nos protagonistas mais credíveis dos processos de construção da paz. É preciso que alguns tenham a coragem de dar o primeiro passo nesta direção, sem esperar que o façam os outros. Basta uma pessoa boa, para que haja esperança. Não esqueçais isto: basta uma pessoa boa, para que haja esperança. E cada um de nós pode ser esta pessoa! Isto não significa ignorar ou dissimular as diferenças e os conflitos. Não é legitimar as injustiças pessoais ou estruturais. O recurso à reconciliação concreta não pode servir para se acomodar em situações de injustiça. Pelo contrário, como ensinou São João Paulo II, «é um encontro entre irmãos dispostos a vencer a tentação do egoísmo e a renunciar aos intentos duma pseudo-justiça; é fruto de sentimentos fortes, nobres e generosos, que levam a estabelecer uma convivência fundada sobre o respeito de cada indivíduo e dos valores próprios de cada sociedade civil» (Carta aos Bispos de El Salvador, 6/VIII/1982). Por isso, a reconciliação concretiza-se e consolida-se com a contribuição de todos, permite construir o futuro e faz crescer a esperança. Qualquer esforço de paz sem um compromisso sincero de reconciliação será sempre um fracasso.

O texto do Evangelho, que ouvimos, culmina chamando a Jesus o Emanuel, que significa Deus conosco. E como começa, assim termina Mateus o seu Evangelho: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (28, 20). Jesus é o Emanuel que nasce e o Emanuel que nos acompanha todos os dias, é o Deus conosco que nasce e o Deus que caminha conosco até ao fim do mundo. Esta promessa realiza-se também na Colômbia: D. Jesús Emilio Jaramillo Monsalve, Bispo de Arauca, e o sacerdote Pedro Maria Ramírez Ramos, mártir de Armero, são sinal disso, expressão dum povo que quer sair do pântano da violência e do rancor.

Neste ambiente maravilhoso, cabe a nós dizer «sim» à reconciliação concreta; e, neste «sim», incluamos também a natureza. Não é por acaso que, inclusive sobre ela, se tenham desencadeado as nossas paixões possessivas, a nossa ânsia de domínio. Um vosso compatriota canta-o com primor: «As árvores estão a chorar, são testemunhas de tantos anos de violência. O mar aparece acastanhado, mistura de sangue com a terra» (Juanes, Minhas Pedras). A violência que existe no coração humano, ferido pelo pecado, manifesta-se também nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos (cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’, 2). Cabe-nos dizer «sim» como Maria e cantar com Ela as «maravilhas do Senhor», porque, como prometeu aos nossos pais, Ele ajuda todos os povos e ajuda cada povo, e ajuda a Colômbia que hoje quer reconciliar-se e à sua descendência para sempre.

***

[No final da Celebração, o Papa recordou as vítimas do terremoto no México e do furacão Irma, convidando os fiéis à oração]

Agradeço as palavras que D. Oscar Urbina Ortega, Arcebispo de Villavicencio, me dirigiu em nome de todos vós.

Neste momento, desejo manifestar a minha solidariedade espiritual a quantos sofrem as consequências do terremoto desta noite que atingiu o México, causando mortes e enormes danos materiais. Asseguro a minha oração por aqueles que perderam a vida e pelas suas famílias.

Além disso, acompanho de perto a evolução do furacão Irma que está fustigando a área do Caribe, deixando atrás dele numerosas vítimas e imensos danos materiais, e causando também milhares de desalojados. Trago-os no meu coração e rezo por eles.

A vós, peço que vos unais comigo nestas intenções; e, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.

  • 07 de setembro

«Construtores da paz, promotores da vida» - Homilia do Santo Padre

Parque Simón Bolívar, Bogotá

O evangelista recorda que a chamada dos primeiros discípulos teve lugar nas margens do lago de Genesaré, onde as pessoas se reuniam para ouvir uma voz capaz de as orientar e iluminar; e é também o lugar onde os pescadores concluem a sua jornada fatigante, durante a qual buscam o sustento para levar uma vida sem penúrias, uma vida digna e feliz. É a única vez, em todo o evangelho de Lucas, que Jesus prega junto do chamado mar da Galileia. No mar aberto, confundem-se a esperada fecundidade do trabalho com a frustração pela inutilidade dos esforços vãos. E, segundo uma antiga interpretação cristã, o mar também representa a vastidão onde convivem todos os povos. Finalmente, pela sua agitação e obscuridade, evoca tudo aquilo que ameaça a existência humana e que tem o poder de a destruir.

Usamos expressões semelhantes para definir multidões: uma maré humana, um mar de gente. Naquele dia, Jesus tem atrás d’Ele o mar e, à sua frente, uma multidão que O seguiu ao ver como Ele Se comove perante o sofrimento humano... e as suas palavras justas, profundas, seguras. Todos vêm ouvi-Lo; a Palavra de Jesus tem algo de especial que não deixa ninguém indiferente. A sua Palavra tem o poder de converter os corações, mudar planos e projetos. É uma Palavra corroborada pela ação, não são conclusões redigidas no escritório, expressões frias e distantes do sofrimento das pessoas; por isso, é uma Palavra que serve tanto para a segurança da margem como para a fragilidade do mar.

Esta querida cidade, Bogotá, e este belo país, a Colômbia, têm muito destes cenários humanos apresentados pelo Evangelho. Aqui vivem multidões que anseiam por uma palavra de vida, que ilumine com a sua luz todos os esforços e mostre o sentido e a beleza da existência humana. Estas multidões de homens e mulheres, crianças e idosos habitam uma terra de fertilidade inimaginável, que poderia dar frutos para todos. Mas também aqui, como noutras partes do mundo, há densas trevas que ameaçam e destroem a vida: as trevas da injustiça e da desigualdade social; as trevas corruptoras dos interesses pessoais ou de grupo, que consomem, egoísta e desaforadamente, o que se destina para o bem-estar de todos; as trevas da falta de respeito pela vida humana que diariamente ceifa a existência de tantos inocentes, cujo sangue brada ao céu; as trevas da sede de vingança e do ódio que mancha com sangue humano as mãos de quem faz justiça por sua conta; as trevas de quem se torna insensível ao sofrimento de tantas vítimas. Todas estas trevas, as dissipa e destrói Jesus com o seu mandato na barca de Pedro: «Faz-te ao largo» (Lc 5, 4).

Nós podemos enredar-nos em discussões intermináveis, somar tentativas fracassadas e fazer um elenco de esforços que acabaram em nada; mas, como Pedro, sabemos o que significa a experiência de trabalhar sem resultado algum. Esta nação também sabe disso, quando nos inícios, durante um período de seis anos, teve dezesseis Presidentes e pagou caro as suas divisões (a «pátria boba», pátria tonta); também a Igreja na Colômbia sabe de trabalhos pastorais vãos e infrutuosos..., mas, como Pedro, também somos capazes de confiar no Mestre, cuja Palavra suscita fecundidade mesmo onde a inospitalidade das trevas humanas torna infrutíferos muitos esforços e fadigas. Pedro é o homem que acolhe, decidido, o convite de Jesus, que deixa tudo e O segue para se transformar num novo pescador, cuja missão é levar os seus irmãos ao Reino de Deus, onde a vida se torna plena e feliz.

Mas o mandato de lançar as redes não é dirigido apenas a Simão Pedro; a ele, coube-lhe fazer-se ao largo, como aqueles que na vossa pátria foram os primeiros a ver o que era mais urgente fazer, aqueles que tomaram iniciativas de paz, de vida. Lançar as redes implica responsabilidade. Em Bogotá e na Colômbia, peregrina uma comunidade imensa, que é chamada a tornar-se uma rede vigorosa que congregue a todos na unidade, trabalhando na defesa e cuidado da vida humana, particularmente quando é mais frágil e vulnerável: no seio materno, na infância, na velhice, nas condições de invalidez, e nas situações de marginalização social. Também as multidões que vivem em Bogotá e na Colômbia podem tornar-se verdadeiras comunidades vivas, justas e fraternas, se escutarem e acolherem a Palavra de Deus. Nestas multidões evangelizadas, hão de surgir muitos homens e mulheres tornados discípulos que, com um coração verdadeiramente livre, sigam a Jesus; homens e mulheres capazes de amar a vida em todas as suas fases, de a respeitar e promover.

E, como fizeram os apóstolos, é necessário chamar uns pelos outros, fazermos sinais como os pescadores, voltar a considerar-nos irmãos, companheiros de estrada, sócios desta empresa comum que é a pátria. Bogotá e a Colômbia são simultaneamente margem, lago, mar aberto, cidade por onde Jesus passou e passa para oferecer a sua presença e a sua palavra fecunda, para nos fazer sair das trevas e conduzir-nos para a luz e a vida. Chamar os outros, chamar a todos para que ninguém seja deixado ao arbítrio das tempestades; fazer entrar na barca todas as famílias – estas são santuários da vida; colocar o bem comum acima dos interesses mesquinhos ou particulares, ocupar-se dos mais frágeis promovendo os seus direitos.

Pedro experimenta a sua pequenez, experimenta a grandeza da Palavra e da ação de Jesus; Pedro sabe das suas fraquezas, das suas hesitações..., como o sabemos nós também, como o sabe a história de violência e divisão do vosso povo que nem sempre nos encontrou disponíveis para compartilhar a barca, as tempestades, os infortúnios. Mas Jesus, como a Simão, convida-nos a fazer-nos ao largo, impele-nos a compartilhar o risco (não tenhais medo de arriscar juntos!), convida-nos a deixar os nossos egoísmos e a segui-Lo; convida-nos a perder medos que não vêm de Deus, os temores que nos paralisam e atrasam a urgência de ser construtores da paz, promotores da vida.

«Fazei-vos ao largo»: disse Jesus. E os discípulos fizeram sinais aos outros para se reunirem todos na barca. Possa acontecer o mesmo a este povo!

*

Encontro com o Comitê Diretivo do CELAM - Discurso do Santo Padre

Nunciatura Apostólica (Bogotá)

Queridos irmãos!

Obrigado por este encontro e pelas calorosas palavras de boas-vindas do Presidente da Conferência do Episcopado Latino-Americano. Se o programa da viagem não fosse tão denso, teria preferido encontrar-vos na sede do CELAM. Agradeço-vos a delicadeza de estardes aqui neste momento.

Agradeço o esforço que fazeis para transformar esta Conferência Episcopal Continental numa casa ao serviço da comunhão e da missão da Igreja na América Latina; num centro propulsor da consciência de discípulos e missionários; num ponto de referência vital para a compreensão e aprofundamento da catolicidade latino-americana, delineada gradualmente por este organismo de comunhão durante decênios de serviço. E considero propícia a ocasião para encorajar os recentes esforços tendentes a expressar esta solicitude colegial por meio do Fundo de Solidariedade da Igreja Latino-Americana.

Há quatro anos, no Rio de Janeiro,tive a oportunidade de vos falar sobre a herança pastoral de Aparecida, último evento sinodal da Igreja da América Latina e do Caribe. Então destacara a necessidade permanente de aprender com o seu método, baseado essencialmente na participação das Igrejas locais e em sintonia com os peregrinos que caminham em busca do rosto humilde de Deus, que quis manifestar-Se na Virgem pescada nas águas; método que se prolonga na missão continental que pretende ser, não a soma de iniciativas programáticas que enchem as agendas e também desperdiçam preciosas energias, mas o esforço por colocar a missão de Jesus no coração da própria Igreja, transformando-a em critério para medir a eficácia das estruturas, os resultados do trabalho, a fecundidade dos seus ministros e a alegria que são capazes de suscitar. Porque, sem alegria, não se atrai ninguém.

Detive-me então nas tentações, ainda presentes, da ideologização da mensagem evangélica, do funcionalismo eclesial e do clericalismo, porque em jogo está sempre a salvação que Cristo nos traz. Esta deve chegar ao coração do homem com a força de interpelar a sua liberdade, convidando-o a um êxodo permanente da sua autorreferencialidade para a comunhão com Deus e com os irmãos.

Deus, quando fala ao homem em Jesus, não o faz com um apelo vago como a um estranho, nem com uma convocação impessoal como faria um notário, nem mesmo com uma declaração de preceitos para cumprir como faz qualquer funcionário do sagrado. Deus fala com a voz inconfundível do Pai que se dirige ao filho, e respeita o seu mistério pois foi Ele que o formou com as suas próprias mãos e destinou à plenitude. O nosso maior desafio como Igreja é falar ao homem como porta-voz desta intimidade de Deus, que o considera um filho, mesmo quando este renega tal paternidade, porque, para Ele, somos sempre filhos reencontrados.

Por isso, não se pode reduzir o Evangelho a um programa ao serviço de um gnosticismo na moda, a um projeto de promoção social nem a uma visão da Igreja como burocracia que se autopromove; e a Igreja também não pode ser reduzida a uma organização dirigida, com modernos critérios empresariais, por uma casta clerical.

A Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus; a Igreja é Mistério e Povo (cf. Lumen gentium, 5; 9), ou melhor dito: nela realiza-se o Mistério através do Povo de Deus.

Por isso, insisti sobre o discipulado missionário como uma chamada divina para este tempo de hoje, complexo e carregado de tensões, um permanente sair com Jesus para conhecer como e onde vive o Mestre. E, ao mesmo tempo que saímos na sua companhia, conhecemos a vontade do Pai, que sempre nos ouve. Só uma Igreja Esposa, Mãe, Serva, que renunciou à pretensão de controlar o que não é obra sua mas de Deus, pode permanecer com Jesus, mesmo quando o seu ninho e refúgio é a cruz.

Proximidade e encontro são os instrumentos de Deus, que, em Cristo, Se aproximou e sempre nos encontrou. O mistério da Igreja é realizar-se como sacramento desta proximidade divina e como lugar permanente deste encontro. Daqui a necessidade da proximidade do Bispo a Deus, porque n’Ele está a fonte da liberdade e da força do coração do Pastor, bem como da proximidade ao Povo santo que lhe foi confiado. Nesta proximidade, a alma do apóstolo aprende a tornar palpável a paixão de Deus pelos seus filhos.

Aparecida é um tesouro, cuja descoberta ainda está incompleta. Tenho certeza de que cada um de vós descobre quanto a sua riqueza se enraizou nas Igrejas que trazeis no coração. Como os primeiros discípulos enviados por Jesus no seu projeto missionário, também nós podemos contar com entusiasmo tudo o que fizemos (cf. Mc 6, 30).

Mas é necessário estar atentos. As realidades indispensáveis da vida humana e da Igreja não são jamais um monumento, mas um patrimônio vivo. É muito mais cômodo transformá-las em recordações, de que se celebram os aniversários: 50 anos de Medellín, 20 de Ecclesia in America, 10 de Aparecida! Trata-se, porém, de algo diverso: salvaguardar e fazer fluir a riqueza desse patrimônio (pater munus) constituem o munus da nossa paternidade episcopal para com a Igreja do nosso Continente.

Bem sabeis que a renovada consciência, de que no início de tudo está sempre o encontro com Cristo vivo, exige que os discípulos cultivem a familiaridade com Ele; caso contrário, ofusca-se o rosto do Senhor, a missão perde força, retrocede a conversão pastoral. Assim, rezar e cultivar o relacionamento com Ele é a atividade mais improrrogável da nossa missão pastoral.

Aos seus discípulos, entusiasmados com a missão cumprida, Jesus dizia: «Vinde, retiremo-nos para um lugar deserto» (Mc 6, 31). Nós precisamos ainda mais deste estar a sós com o Senhor, para reencontrar o coração da missão da Igreja na América Latina, nas circunstâncias atuais. Há tanta dispersão interior e também exterior! Os numerosos eventos, a fragmentação da realidade, a instantaneidade e a velocidade do presente poderiam fazer-nos cair na dispersão e no vazio. Reencontrar a unidade é um imperativo.

Onde se encontra a unidade? Sempre em Jesus. O que torna permanente a missão não é o entusiasmo que inflama o coração generoso do missionário, embora sempre necessário; mas sim a companhia de Jesus por meio do seu Espírito. Se em missão não sairmos com Ele, rapidamente perderemos o caminho, arriscando-nos a confundir as nossas vãs necessidades com a sua causa. Se a razão do nosso caminhar não é Ele, será fácil desanimar no meio da fadiga do caminho, perante a resistência dos destinatários da missão, face aos cenários mutáveis das circunstâncias que marcam a história, ou pelo cansaço dos pés devido ao desgaste insidioso causado pelo inimigo.

Não faz parte da missão ceder ao desânimo, quando porventura, passado o entusiasmo do início, chega o momento em que tocar a carne de Cristo se torna muito duro. Numa situação como esta, Jesus não acalenta os nossos medos. E, como sabemos muito bem que não há mais ninguém para quem possamos ir porque só Ele tem palavras de vida eterna (cf. Jo 6, 68), consequentemente é necessário aprofundar a nossa vocação.

Concretamente, que significa sair com Jesus em missão, hoje, na América Latina? O advérbio «concretamente» não é um detalhe de estilo, mas pertence ao núcleo da pergunta. O Evangelho é sempre concreto, nunca um exercício de estéreis especulações. Conhecemos bem a tentação frequente de perder-se em bizantinismos dos «doutores da lei», de saber até aonde se pode ir sem perder o controle do próprio território demarcado ou do suposto poder que os limites garantem.

Muito se falou sobre a Igreja em estado permanente de missão. Sair, partir com Jesus é a condição desta realidade. Sair, sim; mas com Jesus. O Evangelho fala de Jesus que, tendo saído do Pai, percorre, com os seus, os campos e as povoações da Galileia. Não é inútil este percurso do Senhor. Enquanto caminha, encontra; quando encontra, aproxima-Se; quando Se aproxima, fala; quando fala, toca com o seu poder; quando toca, cura e salva. Levar ao Pai aqueles que encontra é o objetivo do seu permanente sair, sobre o qual devemos refletir continuamente e fazer um exame de consciência. A Igreja deve reapropriar-se dos verbos que o Verbo de Deus conjuga na sua missão divina. Sair para encontrar, sem passar ao largo; reclinar-se sem desleixo; tocar sem medo. Trata-se de ir dia após dia trabalhar no campo, lá onde vive o Povo de Deus que vos foi confiado. Não é lícito deixar-nos paralisar pelo ar condicionado dos escritórios, pelas estatísticas e pelas estratégias abstratas. É necessário dirigir-se à pessoa na sua situação concreta; não podemos afastar o olhar dela. A missão realiza-se sempre num corpo a corpo.

Uma Igreja capaz de ser sacramento de unidade

Vê-se tanta dispersão ao nosso redor! E não me refiro apenas à rica diversidade que sempre caracterizou o Continente, mas às dinâmicas de desagregação. É preciso ter cuidado para não ficar preso nestas armadilhas. A Igreja não está na América Latina como se tivesse as malas na mão, pronta a partir depois de a ter saqueado, como muitos fizeram ao longo do tempo. Aqueles que assim se comportam, olham com um sentido de superioridade e desprezo para o seu rosto mestiço; pretendem colonizar a sua alma com as mesmas fórmulas, falidas e recicladas, sobre a visão do homem e da vida, repetem receitas iguais matando o paciente enquanto enriquecem os médicos que os mandam; ignoram as razões profundas que habitam no coração do seu povo e que o tornam forte precisamente nos seus sonhos, nos seus mitos, apesar dos numerosos desencantos e falimentos; manipulam politicamente e atraiçoam as suas esperanças, deixando atrás de si terra queimada e o terreno pronto para o eterno retorno do mesmo, ainda que se reapresente com novas vestes. Homens e utopias fortes prometeram soluções mágicas, respostas instantâneas, efeitos imediatos. A Igreja, sem pretensões humanas, respeitosa do rosto multiforme do Continente – que considera, não uma desvantagem, mas uma riqueza perene – deve continuar humildemente a prestar o seu serviço ao verdadeiro bem do homem latino-americano. Deve trabalhar incansavelmente por construir pontes, abater muros, integrar a diversidade, promover a cultura do encontro e do diálogo, educar para o perdão e a reconciliação, para o sentido de justiça, a rejeição da violência e a coragem da paz. Nenhuma construção duradoura na América Latina pode prescindir desta base invisível, mas essencial.

A Igreja conhece, como poucos, aquela unidade sapiencial que antecede toda e qualquer realidade na América Latina. Convive diariamente com aquele patrimônio moral sobre o qual se baseia o edifício existencial do Continente. Estou certo de que, ao mesmo tempo que vos digo isto, à vossa mente já veio o nome a dar a esta realidade. Com ela, devemos dialogar continuamente. Não podemos perder o contacto com este substrato moral, com este humus vital que habita no coração do nosso povo; nele se percebe a mistura quase indistinta mas ao mesmo tempo eloquente do seu rosto mestiço: não apenas indígena, nem hispânico, nem lusitano nem afro-americano, mas mestiço, latino-americano!

Guadalupe e Aparecida são manifestações programáticas desta criatividade divina. Bem sabemos que isto faz parte do fundamento sobre o qual se apoia a religiosidade popular do nosso povo; faz parte da sua singularidade antropológica; é um dom com que Deus Se quis dar a conhecer ao nosso povo. As páginas mais luminosas da história da nossa Igreja foram escritas precisamente quando soubemos nutrir-nos desta riqueza, falar a este recôndito coração que palpita salvaguardando, como um pequeno tição aceso sob as cinzas aparentes, o sentido de Deus e da sua transcendência, a sacralidade da vida, o respeito pela criação, os laços de solidariedade, a alegria de viver, a capacidade de ser felizes sem condições.

Para falar a esta alma que é profunda, para falar à América Latina profunda, a única estrada que resta à Igreja é aprender continuamente com Jesus. O Evangelho diz que Ele falava só em parábolas (cf. Mc 4, 34). Imagens que co-envolvem e tornam participantes, que transformam os ouvintes da sua Palavra em personagens das suas narrações divinas. O santo Povo fiel de Deus na América Latina não compreende outra linguagem sobre Ele. Somos convidados a ir em missão não com conceitos frios que se contentam com o possível, mas com imagens que continuamente multiplicam e desenvolvem as suas forças no coração do homem, transformando-o em grão semeado em terreno bom, em fermento que aumenta a capacidade de fazer pão da massa, em semente que esconde a força da árvore fecunda.

Uma Igreja capaz de ser sacramento de esperança

Muitos se lamentam duma certa falta de esperança na América Latina de hoje. A nós, não é permitido ser lamurientos, porque a esperança que temos vem do Alto. Além disso, sabemos bem que o coração latino-americano foi treinado para a esperança. Como dizia um cantor e compositor brasileiro, «a esperança é equilibrista; dança na corda bamba de sombrinha» (cf. João Bosco, O Bêbado e a Equilibrista). Quando se pensava que tinha acabado, eis que ressurge onde menos a esperávamos. O nosso povo aprendeu que nenhuma deceção é capaz de o vencer. Segue Cristo flagelado e manso, sabe aguardar que se faça dia e permanecer na esperança da sua vitória, porque, no fundo, está ciente de não pertencer totalmente a este mundo.

Não há dúvida que a Igreja, nestas terras, é de modo particular um sacramento de esperança, mas é necessário vigiar sobre a concretização desta esperança. Quanto mais transcendente, tanto mais deve transformar o rosto imanente daqueles que a possuem. Peço-vos que vigieis sobre a concretização da esperança e permiti que vos lembre alguns dos seus rostos já visíveis nesta Igreja latino-americana.

A esperança na América Latina tem um rosto jovem

Fala-se frequentemente dos jovens (proclamam-se estatísticas sobre o Continente do futuro); alguns referem notícias sobre a sua alegada decadência e quanto estejam adormecidos, outros aproveitam-se do seu poder de consumir, e não falta quem lhes proponha o papel de peões do tráfico da droga e da violência. Não vos deixeis capturar por tais caricaturas sobre os jovens. Fixai-os nos olhos e procurai neles a coragem da esperança. Não é verdade que estão prontos a repetir o passado. Abri-lhes espaços concretos nas Igrejas particulares que vos estão confiadas, investi tempo e recursos na sua formação. Proponde programas educacionais incisivos e objetivos a realizar, pedindo-lhes – como os pais pedem aos filhos – que ponham em ato as suas potencialidades e educando o seu coração para a alegria da profundidade, não da superficialidade. Não vos contenteis com retóricas ou opções escritas nos planos pastorais mas jamais postas em prática.

Escolhi o Panamá, o istmo deste Continente, para a Jornada Mundial da Juventude de ‘19, que será celebrada seguindo o exemplo da Virgem que proclama: «Eis aqui a serva» e «faça-se em mim» (Lc 1, 38). Tenho a certeza de que, em cada jovem, se esconde um «istmo»; no coração de todos os nossos moços e moças, há um pedaço estreito e comprido de terreno que se pode percorrer para os levar rumo a um futuro que só Deus conhece e a Ele pertence. Cabe a nós apresentar-lhes grandes propostas, para despertar neles a coragem de arriscar juntamente com Deus e se tornar disponíveis como a Virgem Maria.

A esperança na América Latina tem um rosto feminino

Não há necessidade de me alongar sobre o papel da mulher no nosso Continente e na nossa Igreja. Dos seus lábios, aprendemos a fé; quase com o leite do seu seio, adquirimos os traços da nossa alma mestiça e a imunidade contra qualquer desespero. Penso nas mães indígenas ou morenas, penso nas mulheres das cidades com o seu triplo turno de trabalho, penso nas avós catequistas, penso nas consagradas e nas artesãs tão discretas do bem. Sem as mulheres, a Igreja do Continente perderia a força de renascer continuamente. São as mulheres que, com meticulosa paciência, acendem e reacendem a chama da fé. É uma séria obrigação compreender, respeitar, valorizar e promover a força eclesial e social do que as mulheres fazem. Acompanharam Jesus missionário; não se retiraram do pé da cruz; na solidão, esperaram que a noite da morte devolvesse o Senhor da vida; inundaram o mundo com o anúncio da sua presença ressuscitada. Se quisermos uma fase nova e vital da fé neste Continente, não a obteremos sem as mulheres. Por favor, não as reduzamos a servas do nosso clericalismo recalcitrante; mas sejam, ao invés, protagonistas na Igreja latino-americana: no seu sair com Jesus, no seu perseverar, mesmo no meio do sofrimento do seu povo; no seu agarrar-se à esperança que vence a morte; na sua maneira jubilosa de anunciar ao mundo que Cristo está vivo, e ressuscitou.

A esperança na América Latina passa através do coração, da mente e dos braços dos leigos

Gostaria de repetir o que disse recentemente à Pontifícia Comissão para a América Latina. É indispensável superar o clericalismo que torna infantis os christifideles laici e empobrece a identidade dos ministros ordenados.

Embora se tenha feito um notável esforço e tenham sido dados alguns passos, os grandes desafios do Continente permanecem sobre a mesa e continuam à espera da realização serena, responsável, competente, clarividente, articulada e consciente dum laicado cristão, que esteja disposto a contribuir, como crente, nos processos dum desenvolvimento humano autêntico, na consolidação da democracia política e social, na superação estrutural da pobreza endêmica, na construção duma prosperidade inclusiva fundada em reformas duradouras e capazes de tutelar o bem social, na superação das desigualdades e na salvaguarda da estabilidade, no delineamento de modelos de desenvolvimento econômico sustentável que respeitem a natureza e o verdadeiro futuro do homem – que não passa pro um consumismo ilimitado – e também na rejeição da violência e na defesa da paz.

Mais ainda: neste sentido, a esperança deve sempre fixar o mundo com os olhos dos pobres e a partir da situação dos pobres. Ela é pobre como o grão de trigo que morre (cf. Jo 12, 24), mas tem a força de promover os planos de Deus.

Com frequência, a riqueza autossuficiente priva a mente humana da capacidade de ver tanto a realidade do deserto como os oásis lá escondidos. Propõe respostas de manual e repete certezas de «talk-show»; balbucia a projeção de si mesma, vazia, sem aderir minimamente à realidade. Tenho a certeza de que, neste momento difícil e confuso mas provisório que vivemos, as soluções para os problemas complexos que nos desafiam nascem da simplicidade cristã que se esconde aos poderosos e manifesta aos humildes: a pureza da fé no Ressuscitado, o calor da comunhão com Ele, a fraternidade, a generosidade e a solidariedade concreta que brotam também da amizade com Ele.

E gostaria de resumir tudo isto numa frase que vos deixo como síntese, síntese e recordação deste encontro: se queremos servir, como CELAM, a nossa América Latina, temos de o fazer com paixão. Hoje faz falta paixão. Pôr o coração em tudo o que fazemos, paixão do jovem enamorado e do idoso sábio, paixão que transforma as ideias em utopias viáveis, paixão no trabalho das nossas mãos, paixão que nos transforma em incessantes peregrinos pelas nossas Igrejas como – deixai lembrá-lo – São Toríbio de Mogrovejo, que não se instalou na sua sede: de 24 anos de episcopado, 18 passou-os nas pequenas povoações da sua diocese. Por favor, irmãos, peço-vos paixão, paixão evangelizadora.

À proteção da Virgem, invocada com os nomes de Guadalupe e Aparecida, vos confio – vós, irmãos Bispos do CELAM, as Igrejas locais que representais e todo o povo da América Latina e do Caribe – com a serena certeza de que Deus, que falou a este Continente com o rosto mestiço e moreno da sua Mãe, não deixará de fazer resplandecer a sua luz benigna na vida de todos. Obrigado!

*

Encontro com os bispos da Colômbia - Discurso do Santo Padre

Salão do Palácio Cardinalício (Bogotá)

A paz esteja convosco!

Assim o Ressuscitado saudou o seu pequeno rebanho depois de ter vencido a morte; permiti que vos saúde do mesmo modo, no início da minha viagem.

Agradeço as palavras de boas-vindas. Estou feliz porque os primeiros passos que dou neste país me levam a encontrar-vos, Bispos da Colômbia, e, em vós, abraçar toda a Igreja colombiana e estreitar o vosso povo ao meu coração de Sucessor de Pedro. Agradeço-vos imenso pelo vosso ministério episcopal, pedindo-vos para continuardes a exercê-lo com renovada generosidade. Dirijo uma saudação particular aos Bispos eméritos, encorajando-os a continuarem a apoiar, com a oração e a presença discreta, a Esposa de Cristo à qual generosamente se entregaram.

Venho anunciar Cristo e, em seu nome, realizar um caminho de paz e reconciliação. Cristo é a nossa paz! Reconciliou-nos com Deus e entre nós!

Estou convencido de que a Colômbia possui algo de original, algo muito original, que chama fortemente a atenção: nunca foi uma meta completamente realizada, um destino completamente alcançado, nem um tesouro totalmente possuído. A sua riqueza humana, os seus abundantes recursos naturais, a sua cultura, a sua luminosa síntese cristã, o patrimônio da sua fé e a memória dos seus evangelizadores, a alegria espontânea e sem reservas do seu povo, o sorriso impagável da sua juventude, a sua original fidelidade ao Evangelho de Cristo e à sua Igreja e sobretudo a sua coragem indômita de resistir à morte, não só anunciada, mas muitas vezes semeada. E tudo isto se subtrai como a púdica flor da mimosa no jardim – digamos que se esconde – àqueles que se apresentam como forasteiros ávidos de a subjugar, ao passo que se oferece generosamente a quem toca o seu coração com a mansidão do peregrino. A Colômbia é assim.

Por isso, como peregrino, me dirijo à vossa Igreja. Sou vosso irmão, desejoso de partilhar Cristo ressuscitado, para Quem nenhum muro é eterno, nenhum medo é indestrutível, nenhuma chaga – nenhuma chaga – é incurável.

Não sou o primeiro Papa que vos fala aqui na vossa casa. Dois dos meus maiores Predecessores foram hóspedes aqui: o Beato Paulo VI, que veio pouco depois da conclusão do Concílio Vaticano II para encorajar a realização colegial do mistério da Igreja na América Latina; e São João Paulo II, na sua memorável visita apostólica de ‘86. As palavras de ambos constituem um recurso permanente: as indicações que delinearam e a síntese maravilhosa que ofereceram sobre o nosso ministério episcopal constituem um patrimônio a preservar. Não estão antiquadas. Aquilo que eu vos disser, gostaria que fosse recebido em continuidade com o que eles ensinaram.

Guardiões e sacramento do primeiro passo

«Dar o primeiro passo» é o lema da minha visita e constitui também a minha primeira mensagem para vós. Bem sabeis que Deus é o Senhor do primeiro passo. Ele sempre nos antecede. Toda a Sagrada Escritura fala de Deus como exiliado de Si mesmo por amor. Foi assim quando só havia trevas, caos e, saindo de Si mesmo, fez com que tudo viesse à existência (cf. Gn 1, 1 – 2, 4); foi assim quando Ele, ao passear no jardim das origens, Se deu conta da nudez da sua criatura (cf. Gn 3, 8-9); foi assim quando Ele, peregrino, parou na tenda de Abraão, deixando-lhe a promessa duma inesperada fecundidade (cf. Gn 18, 1-10); foi assim quando Se apresentou a Moisés fascinando-o, a ele que não tinha outro horizonte além de pastorear as ovelhas do seu sogro (cf. Ex 3, 1-2); foi assim quando não desviou o olhar da sua amada Jerusalém, mesmo se ela se prostituía no caminho da infidelidade (cf. Ez16, 15); foi assim quando emigrou com a sua glória para o meio do seu povo exilado na escravidão (cf. Ez 10, 18-19).

E, na plenitude do tempo, quis revelar-nos o primeiro passo, o nome do primeiro passo, do seu primeiro passo. Chama-se Jesus e é um passo irreversível. Provém da liberdade de um amor que precede tudo. Porque o Filho, Ele mesmo, é expressão viva desse amor. Aqueles que O reconhecem e acolhem, recebem em herança o dom de ser introduzidos na liberdade de poderem realizar, sempre n’Ele, esse primeiro passo, não têm medo de se perder se saem de si mesmos, porque possuem a garantia do amor que deriva do primeiro passo de Deus, uma bússola que não os deixa perder-se.

Por isso guardai, com santo temor e emoção, aquele primeiro passo de Deus rumo a vós e, pelo vosso ministério, rumo ao povo que vos está confiado, na certeza de vós serdes sacramento vivo daquela liberdade divina que não tem medo de sair de si mesma por amor, que não teme empobrecer quando se dá, que não precisa de outra força além do amor.

Deus precede-nos: somos ramos, não somos a videira. Portanto, não silencieis a voz d’Aquele que vos chamou, nem vos iludais de que sejam a soma das vossas pobres virtudes – as vossas – ou os elogios dos poderosos de turno que asseguram o resultado da missão que Deus vos confiou. Ao contrário, mendigai, mendigai na oração quando não puderdes dar nem dar-vos, para terdes algo a oferecer àqueles que constantemente se aproximam do vosso coração de Pastores. A oração na vida do Bispo é a seiva vital que passa através da videira, sem a qual o ramo murcha tornando-se infrutífero. Por isso, lutai com Deus – e mais ainda na noite da sua ausência – até que Ele vos abençoe (cf. Gn 32, 25-27). As feridas desta batalha diária e prioritária na oração serão fonte de cura para vós; sereis feridos por Deus para vos tornardes capazes de curar.

Tornar visível a vossa identidade de sacramento do primeiro passo de Deus

Na verdade, tornar palpável a identidade de sacramento do primeiro passo de Deus exigirá um êxodo interior contínuo. «De facto não há convite para amar mais eficaz do que ser os primeiros a amar» (Santo Agostinho, De catechizandis rudibus, I, 4.7, 26: PL40), pelo que nenhum campo da missão episcopal pode prescindir desta liberdade de realizar o primeiro passo. A condição que torna possível o exercício do ministério apostólico é a prontidão em nos aproximarmos de Jesus, deixando para trás «o que fomos, para podermos ser o que não éramos» (Idem, Enarratio in Psalmos, 121, 12: PL 36).

Recomendo-vos que vigieis, individual e colegialmente, dóceis ao Espírito Santo, sobre este ponto de partida permanente. Sem este núcleo, definham os traços do Mestre no rosto dos discípulos, a missão bloqueia-se e diminui a conversão pastoral, que mais não é do que dar resposta à urgência do anúncio do Evangelho da alegria hoje, amanhã e no dia seguinte (cf. Lc 13, 33), solicitude que devorou o coração de Jesus, deixando-O sem ninho nem abrigo, entregue unicamente à realização até ao fim da vontade do Pai (Lc 9, 58.62). Que outro futuro podemos perseguir? A que outra dignidade podemos aspirar?

Não vos meçais com o metro daqueles que quereriam que fósseis apenas uma casta de funcionários submetidos à ditadura do presente. Ao contrário, mantende o olhar sempre fixo na eternidade d’Aquele que vos escolheu, prontos a receber o julgamento decisivo dos seus lábios, que é aquele que vale.

Na complexidade do rosto desta Igreja colombiana, é muito importante preservar a singularidade das suas diferentes e legítimas forças, as sensibilidades pastorais, as peculiaridades regionais, as memórias históricas, as riquezas das peculiares experiências eclesiais. O Pentecostes permite que todos escutem na própria língua. Por isso, procurai com perseverança a comunhão entre vós. Nunca vos canseis de a construir através do diálogo franco e fraterno, condenando como uma peste os projetos escondidos, por favor. Sede solícitos a dar o primeiro passo, de um para o outro. Antecipai-vos na disponibilidade a compreender as razões do outro. Deixai-vos enriquecer com aquilo que o outro vos pode oferecer e construí uma Igreja que ofereça a este país um testemunho eloquente de quanto se pode progredir quando se está disposto a não ficar nas mãos de poucos. O papel das Províncias Eclesiásticas relativamente à própria mensagem evangelizadora é fundamental, porque as vozes que a proclamam são diversas e harmonizadas. Por isso não vos contenteis com um medíocre compromisso mínimo, que deixe os resignados na tranquila quietude da sua impotência, enquanto se domesticam aquelas esperanças que precisariam da coragem de ser fundadas mais na força de Deus do que na própria debilidade.

Reservai uma sensibilidade particular às raízes afro-colombianas do vosso povo, que tão generosamente têm contribuído para desenhar o rosto desta terra.

Tocar a carne do corpo de Cristo

Convido-vos a não ter medo de tocar a carne ferida da vossa história e da história do vosso povo. Fazei-o com humildade, sem a vã pretensão de protagonismo mas com o coração indiviso, livre de comprometimentos ou servilismos. Só Deus é o Senhor e, a nenhuma outra causa, se deve submeter a nossa alma de Pastores.

A Colômbia precisa da vossa visão, própria de Bispos, a fim de a apoiar na coragem do primeiro passo para a paz definitiva, a reconciliação, o repúdio da violência como método, a superação das desigualdades que são a raiz de tantos sofrimentos, a renúncia ao caminho fácil mas sem saída da corrupção, a consolidação paciente e perseverante da res publica que requer a superação da miséria e da desigualdade.

Trata-se, supostamente, duma tarefa árdua mas irrenunciável: os caminhos são íngremes e as soluções não são óbvias. Da altura de Deus, que é a cruz do seu Filho, obtereis a força; com a luzinha humilde dos olhos do Ressuscitado, percorrereis o caminho; escutando a voz do Esposo que sussurra ao coração, recebereis os critérios para discernir de novo, em cada incerteza, a justa direção.

Um dos vossos ilustres literatos escreveu, referindo-se a um dos seus personagens míticos: «Não imaginava que fosse mais fácil começar uma guerra do que terminá-la» (Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão, cap. 9). Todos sabemos que a paz exige dos homens uma coragem moral peculiar. A guerra deriva de quanto há de mais baixo no nosso coração; ao contrário, a paz impele-nos a ser maiores do que nós mesmos. Em seguida, o escritor acrescentava: «Não pensava que seriam precisas tantas palavras para explicar o que se sentia na guerra; na realidade, bastava uma só: medo» (Ibid., cap. 15). Não é necessário que vos fale deste medo, raiz envenenada, fruto amargo e herança nefasta de todo o conflito. Desejo encorajar-vos a continuar a acreditar que se pode agir doutra maneira, lembrando que não recebestes um espírito de escravos para recair no temor; o próprio Espírito atesta que sois filhos destinados à liberdade da glória que lhes está reservada (cf. Rm 8, 15-16).

Com os vossos próprios olhos, vedes e conheceis, como poucos, a deformação do rosto deste país; sois guardiões dos elementos fundamentais que o tornam uno, apesar das suas lacerações. Por isso mesmo, a Colômbia precisa de vós para se reconhecer no seu verdadeiro rosto cheio de esperança não obstante as suas imperfeições, para se perdoarem uns aos outros não obstante as feridas ainda não totalmente cicatrizadas, para acreditar que se pode percorrer outro caminho mesmo quando a inércia impele a repetir os mesmos erros, para ter a coragem de superar tudo aquilo que a pode fazer miserável não obstante os seus tesouros.

Confesso-vos que o sinto como um dever; vem-me espontâneo encorajar-vos. Por isso, tenho que dizer-vos: Animai-vos! Sinto este dever: expressar-vos a ânsia que provo de vos dar ânimo. Encorajo-vos, pois, a que não vos canseis de fazer de cada uma das vossas Igrejas um ventre de luz, capaz de gerar, mesmo sofrendo a pobreza, as novas criaturas de que esta terra necessita. Refugiai-vos na humildade do vosso povo para vos dardes conta dos seus secretos recursos humanos e de fé, escutai quanto a sua espoliada humanidade brama pela dignidade que só o Ressuscitado pode conferir. Não tenhais medo de emigrar das vossas aparentes certezas à procura da verdadeira glória de Deus, que é o homem vivo. Coragem! Animo-vos neste caminho.

A palavra da reconciliação

Muitos podem dar a sua contribuição para os desafios desta nação, mas a vossa missão é peculiar. Não sois técnicos nem políticos; sois Pastores. Cristo é a palavra de reconciliação escrita nos vossos corações e tendes a força para a poder pronunciar nos púlpitos, nos documentos eclesiais ou nos artigos dos periódicos, e mais ainda no coração das pessoas, no santuário secreto das suas consciências, na ardente esperança que os atrai quando escutam a voz do céu que proclama: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado» (Lc 2, 14). Deveis pronunciá-la com o recurso frágil, humilde mas invencível da misericórdia de Deus, a única capaz de abater o orgulho cínico dos corações autorreferenciais.

À Igreja, a única coisa que lhe interessa é a liberdade de pronunciar esta Palavra. Ser livre, para pronunciar esta Palavra. Não servem alianças com uma parte ou com a outra, mas a liberdade de falar ao coração de todos. É precisamente aqui que tendes a autonomia e o voo para desinquietar, a possibilidade de sustentar uma inversão de rota.

O coração humano, muitas vezes iludido, concebe o projeto insensato de fazer da vida um aumento contínuo de espaços para depositar o que acumula. É uma ilusão. É precisamente aqui que é necessário que ressoe a pergunta: Que aproveita ganhar o mundo inteiro, se fica o vazio na alma (cf. Mt 16, 26)?

Pelos vossos lábios de legítimos Pastores, que sois, a Colômbia tem o direito de ser interpelada pela verdade de Deus, que repete continuamente: «Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9). É um interrogativo que não pode ser silenciado, mesmo quando o ouvinte nada mais pode fazer que baixar o olhar, confundido, e balbuciar a sua própria vergonha por tê-lo vendido, quem sabe, pelo preço dalguma dose de estupefaciente ou por alguma equívoca concepção de Estado, talvez pela consciência errada de que o fim justifica os meios.

Peço-vos para manterdes o olhar sempre fixo no homem concreto. Não sirvais um conceito de homem, mas a pessoa humana amada por Deus, feita de carne e osso, história, fé, esperança, sentimentos, decepções, frustrações, dores, feridas, e vereis que esta visão concreta do homem desmascara as estatísticas frias, os cálculos manipulados, as estratégias cegas, as informações falseadas, lembrando-vos de que, «na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente» (Gaudium et spes, 22).

Uma Igreja em missão

Tendo em conta o generoso trabalho pastoral que já realizais, deixai que vos apresente alguns anseios que trago no meu coração de Pastor, movido pelo desejo de vos exortar a ser cada vez mais uma Igreja em missão. Os meus Predecessores já insistiram sobre alguns destes desafios: a família, a vida, os jovens, os sacerdotes, as vocações, os fiéis-leigos, a formação. Os decênios transcorridos, apesar do enorme trabalho realizado, talvez tenham tornado ainda mais fadigosas as respostas para tornar a maternidade da Igreja eficaz na geração, nutrição e acompanhamento dos seus filhos.

Penso nas famílias colombianas, na defesa da vida desde o ventre materno até ao seu termo natural, na praga da violência e do alcoolismo difusa tantas vezes nas famílias, na fragilidade do vínculo matrimonial e na ausência do pai de família com as suas trágicas consequências de insegurança e orfandade. Penso em tantos jovens ameaçados pelo vazio da alma e arrastados pela evasão da droga, pelo estilo de vida fácil ou pela tentação subversiva. Penso nos numerosos e generosos sacerdotes e no desafio de os apoiar na opção fiel e diária por Cristo e pela Igreja, enquanto alguns outros continuam a viver a cômoda neutralidade de quem não opta por nada para ficar na solidão de si mesmo. Penso nos fiéis-leigos espalhados por todas as Igrejas particulares, perseverando fadigosamente para se deixar congregar por Deus, que é comunhão, mesmo quando não poucos proclamam o novo dogma do egoísmo e da morte de toda a solidariedade (palavra esta, que querem cancelar do dicionário). Penso no esforço imenso de todos por aprofundar a fé e torná-la luz viva para os corações e lâmpadas para dar o primeiro passo.

Não vos trago receitas nem quero deixar-vos uma lista de tarefas. No fundo, gostaria de vos pedir que, realizando em comunhão a vossa gravosa missão de Pastores na Colômbia, conserveis a serenidade. Não sei se vo-lo deveria dizer (isto vem-me agora à mente), mas, se estiver a exagerar, perdoai-me. Ao falar que uma das virtudes que mais precisam é conservar a serenidade, não quero dizer que não a tenham, mas que o momento presente vo-la exige mais. Bem sabeis que, de noite, o maligno continua a semear o joio, mas tende a paciência do Senhor do campo, confiando na boa qualidade das vossas sementes. Aprendei com a sua longanimidade e magnanimidade. Os seus tempos são longos, porque é incomensurável o seu olhar de amor. Quando o amor é reduzido, o coração torna-se impaciente, turbado pela ânsia de fazer coisas, devorado pelo medo de ter falido. Sobretudo acreditai na humildade da semente de Deus. Confiai na força oculta do seu fermento. Orientai o coração para aquele fascínio estupendo que atrai e leva a vender tudo para se possuir este tesouro divino.

De facto, que podeis oferecer de mais forte à família colombiana do que a força humilde do Evangelho do amor generoso que une o homem e a mulher, constituindo-os imagem da união de Cristo e a sua Igreja, transmissores e guardiões da vida? As famílias precisam de saber que, em Cristo, podem tornar-se árvores frondosas capazes de oferecer sombra, dar fruto em todas as estações do ano, abrigar a vida entre os seus ramos. Hoje há muitos que prestam homenagem a árvores sem sombra, infecundas, ramos desprovidos de ninhos. Quanto a vós, o ponto de partida seja o testemunho alegre de que a felicidade está noutro lugar.

Que podeis oferecer aos vossos jovens? Eles querem sentir-se amados, desconfiam de quem os desvaloriza, pedem coerência clara e esperam que os empenhem. Acolhei-os, pois, com o coração de Cristo e abri-lhes espaço na vida das vossas Igrejas. Não participeis em qualquer conluio que lese as suas esperanças. Não tenhais medo de levantar serenamente a voz, para lembrar a todos que uma sociedade, que se deixe seduzir pela miragem do narcotráfico, arrasta aquela metástase moral que mercantiliza o inferno e semeia a corrupção por toda a parte e, ao mesmo tempo, engorda os paraísos fiscais.

Que podereis dar aos vossos sacerdotes? O primeiro dom é o da paternidade, garantindo-lhes que a mão que os gerou e ungiu não se retirou da sua vida. É verdade que vivemos na era da informática e não vos será difícil alcançar os vossos sacerdotes em tempo real, através de algum programa para envio de mensagens. Mas o coração dum pai, dum Bispo, não se pode limitar a uma comunicação precária, impessoal e externa com o seu presbitério. Não pode desaparecer do coração do Bispo a preocupação, a sã preocupação pela vida que levam os seus sacerdotes. Vivem verdadeiramente segundo Jesus? Ou improvisaram outras seguranças, como a estabilidade econômica, a ambiguidade moral, a vida dupla ou a aspiração míope por uma carreira? Os sacerdotes carecem, com vital e urgente necessidade, da proximidade física e afetiva do seu Bispo. Os sacerdotes precisam de sentir que têm um pai.

Sobre as costas dos sacerdotes, pesa frequentemente a fadiga do trabalho diário da Igreja. Encontram-se na vanguarda, continuamente circundados de pessoas que, abatidas, procuram neles o rosto do Pastor. As pessoas aproximam-se e batem à porta do seu coração. Eles devem dar de comer às multidões, e o alimento de Deus não é jamais uma propriedade da qual se possa dispor incondicionalmente. Pelo contrário, provém apenas da indigência posta em contacto com a bondade divina. Despedir a multidão e alimentar-se com o pouco que cada um possa indevidamente apropriar-se é uma tentação permanente (cf. Lc 9, 12-13).

Por isso, vigiai sobre as raízes espirituais dos vossos sacerdotes. Conduzi-los continuamente até àquela Cesareia de Filipe, onde possam, desde as origens do Jordão de cada um, escutar de novo a pergunta de Jesus: «Para ti, Quem sou Eu?» E a razão do gradual deterioramento, que muitas vezes leva à morte do discípulo, está sempre num coração que já não pode responder: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo» (cf. Mt 16, 13-16). A partir disso, esmorece a coragem da irreversibilidade do dom de si mesmo e deriva também a desorientação interior, o cansaço dum coração que já não sabe acompanhar o Senhor no seu caminho para Jerusalém.

De modo especial cuidai, por favor, do itinerário de formação dos vossos sacerdotes, desde o nascimento da chamada de Deus nos seus corações. A nova Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, recentemente publicada, constitui um recurso valioso, à espera de aplicação, para que a Igreja na Colômbia esteja à altura do dom de Deus que nunca cessou de chamar muitos dos seus filhos ao sacerdócio.

Não transcureis, por favor, a vida dos consagrados e consagradas. Constituem o safanão querigmático a todo o mundanismo, sendo chamados a queimar qualquer refluxo de valores mundanos no fogo das Bem-aventuranças vividas sine glosa e no total abaixamento de si mesmos no serviço. Por favor, não os considereis como «recursos úteis» para as obras apostólicas; antes, sabei reconhecer neles o grito do amor consagrado da Esposa: «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 20).

A mesma preocupação formadora deve ser reservada aos fiéis-leigos, de quem depende não só a solidez das comunidades de fé, mas também grande parte da presença da Igreja nos campos da cultura, da política, da economia. Formar na Igreja significa pôr-se em contacto com a fé ardente da comunidade viva, penetrar num patrimônio de experiências e respostas suscitadas pelo Espírito Santo, porque é Ele que ensina todas as coisas (cf. Jo 14, 26).

E, antes de terminar (já me alonguei um pouco!), gostaria de dedicar um pensamento aos desafios da Igreja na Amazônia, uma região da qual justamente vos sentis orgulhosos, porque é parte essencial da maravilhosa biodiversidade deste país. A Amazônia constitui, para todos nós, um teste decisivo para verificar se a nossa sociedade, quase sempre confinada no materialismo e no pragmatismo, está em condições de salvaguardar o que recebeu gratuitamente, não para o espoliar, mas para o fazer frutificar. Penso sobretudo na arcana sabedoria dos povos indígenas da Amazônia, interrogando-me se ainda somos capazes de aprender deles a sacralidade da vida, o respeito pela natureza, a consciência de que a razão instrumental não é suficiente para colmar a vida do homem e dar resposta aos seus interrogativos mais inquietantes.

Por isso, convido-vos a não abandonar a si mesma a Igreja na Amazônia. A consolidação dum rosto amazônico para a Igreja que peregrina aqui é um desafio para todos vós, que depende do crescente e consciencioso apoio missionário de todas as dioceses colombianas e de todo o seu clero. Ouvi dizer que, nalgumas línguas nativas da Amazônia, para referir a palavra «amigo», usa-se a expressão «o outro meu braço». Sede, pois, o outro braço da Amazônia. A Colômbia não a pode amputar, sem ficar mutilada no seu rosto e na sua alma.

Queridos irmãos!

Convido-vos agora a voltarmo-nos espiritualmente para Nossa Senhora do Rosário de Chiquinquirá, cuja imagem tivestes a delicadeza de trazer do seu Santuário até à magnífica Catedral desta cidade para que também eu a pudesse contemplar.

Como bem sabeis, a Colômbia não pode conseguir por si mesma a verdadeira Renovação por que aspira, mas é-lhe concedida do Alto. Então supliquemo-la ao Senhor, por intermédio da Virgem Nossa Senhora.

Da mesma forma que, em Chiquinquirá, Deus renovou o esplendor do rosto da sua Mãe, assim continue a iluminar, com a sua luz celeste, o rosto deste país inteiro e abençoe a Igreja na Colômbia com a sua benévola companhia e vos abençoe a vós, a quem agradeço tudo o que fazeis. Obrigado!

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Saudação do Santo Padre ao povo colombiano

Sacada do Palácio Cardinalício (Bogotá)

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Com grande alegria, vos saúdo e agradeço a calorosa recepção. «Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: “A paz esteja nesta casa!” E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós» (Lc 10, 5-6).

Hoje entro nesta casa que é a Colômbia, dizendo-vos: «A paz esteja convosco!» [respondem: «E contigo também»] Tal era a forma de saudação de todo o judeu e também de Jesus. Com efeito, quis vir aqui como peregrino de paz e de esperança e desejo viver estes momentos de encontro com alegria, dando graças a Deus por todo o bem que realizou nesta nação, na vida de cada pessoa.

Venho também para aprender; sim, aprender convosco, com a vossa fé, com a vossa fortaleza perante a adversidade. Sabeis que o bispo, o sacerdote devem aprender com o seu povo: por isso eu venho aprender, aprender convosco. Sou bispo, mas venho aprender. Vivestes momentos difíceis e obscuros, mas o Senhor está perto de vós, no coração de cada filho e filha deste país. Ele não tem preferências, não exclui ninguém, o Senhor abraça a todos; e todos – ouvi bem! – todos somos importantes e necessários para Ele. Durante estes dias, queria partilhar convosco a verdade mais importante: Deus ama-nos com amor de Pai e encoraja-vos a continuar a procurar e desejar a paz, aquela paz que é autêntica e duradoura. Deus ama-nos com amor de Pai. Repitamos juntos: «Deus ama-nos com amor de Pai». Obrigado!

Neste ponto, eu tinha escrito: «Vejo aqui muitos jovens». Mas, mesmo com os olhos vendados, saberia que esta bela confusão, só a podem fazer os jovens! Pois bem! Vós, jovens – agora dirijo-me a vós –, viestes de toda a parte do país: originários de Bogotá (cachacos), habitantes da costa (costeños), da região de Antioquia, Caldas, Risaralda e Quindío (paisas), do Vale do Cauca (vallunos) e das planícies (llaneros). Para mim é sempre motivo de alegria encontrar-me com os jovens. Eis o que vos digo neste dia: por favor, mantende viva a alegria, porque é sinal do coração jovem, do coração que encontrou o Senhor. E, se mantendes viva esta alegria com Jesus, ninguém vo-la pode tirar, ninguém (cf. Jo 16, 22). Mas, na dúvida, aconselho-vos: não vo-la deixeis roubar, cuidai dessa alegria que tudo unifica no facto de saber-se amado pelo Senhor. Porque, como dissemos atrás, Deus ama-nos… Como era? [respondem: «Deus ama-nos com amor de Pai»] Outra vez! [respondem: Deus ama-nos com amor de Pai»] E isto é o início da alegria. O fogo do amor de Cristo faz transbordar esta alegria e é suficiente para incendiar o mundo inteiro. Então que poderia impedir-vos de mudar esta sociedade, como tendes vontade de fazer? Não temais o futuro! Ousai sonhar grandes coisas! É a este sonhar em grande que hoje vos quero convidar. Por favor, não vos contenteis com fazer coisas «terra a terra». Não; voai alto e sonhai coisas grandes!

Vós, os jovens, tendes uma sensibilidade especial para reconhecer o sofrimento dos outros. É interessante! Imediatamente vos dais conta. O voluntariado do mundo inteiro nutre-se de milhares de jovens como vós que sois capazes de disponibilizar o vosso tempo, renunciar às vossas comodidades, a projetos centrados em vós mesmos, para vos deixardes comover pelas necessidades dos mais frágeis e dedicar-vos a eles. Mas também pode acontecer que tenhais nascido em ambientes onde a morte, o sofrimento, a divisão penetraram tão profundamente, que vos tenham deixado quase nauseados e como que anestesiados quanto ao sofrimento. Por isso quero dizer-vos: deixai que os sofrimentos dos vossos irmãos colombianos vos mobilizem! E a nós, os mais velhos, ajudai-nos a não nos habituarmos ao sofrimento e ao abandono. Precisamos de vós, ajudai-nos a não nos habituarmos ao sofrimento e ao abandono.

Também vós, moços e moças que viveis em ambientes complexos, com diferentes realidades e situações familiares tão variadas, vos habituastes a ver que no mundo nem tudo é branco ou preto, mas que a vida diária se apresenta numa ampla gama de diferentes tonalidades de cinzento. É verdade! Mas isto pode expor-vos ao risco: ao risco de cair numa atmosfera de relativismo, deixando de lado esta potencialidade que têm os jovens de compreender a dor daqueles que sofreram. Vós não tendes apenas a capacidade de julgar, assinalar erros, porque imediatamente vos dais conta deles, mas também a capacidade bela e construtiva de compreender. Compreender que, mesmo por detrás de um erro (porque – digamo-lo claramente – o erro é erro, e não se deve mascará-lo), vós sois capazes de compreender que, por detrás de um erro, há uma infinidade de razões, de atenuantes. Quanto precisa de vós a Colômbia, para se colocar na pele daqueles que, há muitas gerações, não puderam ou não souberam fazê-lo, ou não atinaram com o modo justo para chegar a compreender!

Para vós, jovens, é tão fácil encontrar-vos. É fácil encontrar-vos. E aqui tenho uma pergunta: Aqui encontrastes-vos todos, mas desde que hora estais aqui? [respondem…] Vedes como sois corajosos? Para vós, é tão fácil encontrar-vos: é suficiente, para vos encontrardes, um acontecimento simples como este: um bom café, uma bebida ou qualquer outra coisa serve de pretexto para suscitar o encontro. Sim; qualquer coisa é pretexto para um encontro. Os jovens encontram-se na música, na arte... Até uma final, uma partida entre o Atlético Nacional e o América de Cali se torna ocasião para estar juntos! Tendes esta facilidade de vos encontrar e, por conseguinte, podeis ensinar-nos, a nós adultos, que a cultura do encontro não significa pensar, viver ou reagir todos do mesmo modo. Não! Não é isto. A cultura do encontro significa saber que, independentemente das nossas diferenças, todos somos parte de algo de grande que nos une e transcende, somos parte deste país maravilhoso. Ajudai-nos, a nós adultos, a entrar plenamente nesta cultura do encontro que praticais tão bem!

Além disso, a vossa juventude também vos torna capazes duma coisa muito difícil na vida: perdoar. Perdoar a quem nos feriu; é digno de nota ver como vós não vos deixais enredar por velhas histórias, como olhais de modo estranho quando nós, adultos, repetimos histórias de divisão simplesmente porque estamos presos a rancores. Vós ajudais-nos neste intento de deixar para trás aquilo que nos ofendeu, ajudais-nos a olhar para a frente sem o obstáculo do ódio, porque vós nos fazeis ver toda a realidade que temos à nossa frente, toda a Colômbia que deseja crescer e continuar a desenvolver-se; esta Colômbia que precisa de todos e que nós, os mais velhos, devemos entregar a vós.

E, precisamente por esta capacidade de perdoar, vós, jovens, enfrentais o enorme desafio de nos ajudar a sanar o nosso coração. Ouvi o que vos peço: Ajudai-nos a curar o nosso coração. Podemos dizê-lo, todos juntos? [repetem-no] É uma ajuda que vos peço: a de nos contagiar com a esperança juvenil, a esperança que está sempre disposta a conceder aos outros uma segunda oportunidade. Os ambientes de desespero e incredulidade fazem adoecer a alma: são ambientes que não encontram saída para os problemas; pior ainda, são ambientes onde se boicotam aqueles que procuram encontrá-la, danificam a esperança de que toda a comunidade necessita para avançar. Que as vossas aspirações e projetos oxigenem a Colômbia e a encham de salutares utopias! Jovens, sonhai, mobilizai-vos, sabei arriscar, olhai a vida com um sorriso novo, avançai! Não tenhais medo!

Só assim encontrareis a coragem de descobrir o país que se esconde por detrás das montanhas: aquele país que transcende os títulos dos jornais e não aparece nas preocupações diárias por estar tão longe; aquele país que não se vê mas que faz parte deste corpo social que precisa de nós. Vós, jovens sois capazes de descobrir a Colômbia profunda! Os corações dos jovens sentem-se estimulados perante os grandes desafios. Quanta beleza natural para ser contemplada, sem necessidade de a espoliar! Quantos jovens como vós precisam da vossa mão estendida, do vosso ombro para vislumbrar um futuro melhor!

Hoje quis viver estes momentos convosco. Tenho a certeza de que, em vós, existe o potencial necessário para construir – sim, construir – a nação que sempre sonhamos. Os jovens são a esperança da Colômbia e da Igreja; no seu caminhar e nos seus passos, vislumbramos os de Jesus, Mensageiro da Paz, d’Aquele que sempre nos traz boas notícias.

Dirijo-me agora a todos vós, queridos irmãos e irmãs deste amado país: crianças, jovens, adultos e idosos, vós que desejais ser portadores de esperança. Que as dificuldades não vos oprimam, que a violência não vos abata, que o mal não vos vença! Acreditamos que Jesus, com o seu amor e a sua misericórdia que permanecem para sempre, venceu o mal, venceu o pecado e a morte. Repetimo-lo? [repetem]. Basta apenas ir ao encontro d’Ele. Ide ao encontro de Jesus! Convido-vos ao compromisso – não ao resultado alcançado –, ao compromisso. A que é que vos convido? [respondem: «ao compromisso») E de que é que não deveis estar à espera? [respondem: «do resultado alcançado»] Acertastes; congratulações! Então, assumi este compromisso em prol da renovação da sociedade, para que seja justa, estável, fecunda. Daqui vos encorajo a confiar no Senhor, que é o único que nos sustenta, o único que nos encoraja para podermos contribuir para a reconciliação e a paz.

Abraço-vos a todos e cada um, a quantos estais aqui, aos doentes, aos mais pobres, aos marginalizados, aos necessitados, aos idosos, aos que estão em casa... a todos; todos estais no meu coração. E peço a Deus que vos abençoe. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Muito obrigado!

Antes de partir, se quiserdes, dou-vos a Bênção. Rezemos todos juntos à Virgem: «Ave Maria…».

[Bênção]

Até à próxima!