O mundo self-service e a vocação de numerária auxiliar

Lenise Garcia é Doutora em Microbiologia e Professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília. Nesse artigo apresenta, de maneira amável e profunda, o significado e o alcance dessa forma de ser Opus Dei.

Eu não sou uma numerária auxiliar. Mas conheço e moro com várias. Gostaria de testemunhar o quanto aprendi e continuo aprendendo com elas.

Há numerárias auxiliares que mal terminaram o antigo curso primário de quem ouvi raciocínios teológicos magníficos, que não são fruto de sabedoria humana, mas do convívio com o Espírito Santo. Lembram-me Francisca Javiera del Valle, a costureira simples, semi-analfabeta, autora do "Decenário do Espírito Santo", livro muito apreciado por São Josemaria e por muitos santos. Recordam-me as palavras de Cristo: Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos (Mt 11, 25).

Lembro-me de uma temporada difícil na minha vida profissional, na qual com frequência chegava em casa aborrecida por algum incidente na universidade. Quantas vezes uma numerária auxiliar que então morava conosco me elevou o ânimo, com um simples: "Que cara cansada. Garanto que não lanchou". E fazia-me entrar na cozinha para o lanche atrasado, sempre com algum detalhe de carinho. Não hesito em dizer que o convívio com essa pessoa fez um enorme bem à minha vida espiritual.

Ninharias? O fundador da Obra preferia chamá-las coisas pequenas, e a elas dedica todo um capítulo do livro Caminho. Nelas se manifestam o amor humano e o divino. Somente quem ama e quem se doa ao outro é capaz de perceber detalhes de serviço.

O serviço ao outro repugna à cultura do self-service, que estimula uma falsa autonomia. Não querer ser servido caminha ao lado de não querer servir. Mas quem quer bastar-se a si mesmo está condenado ao isolamento. E a verdade é que dependemos muito uns dos outros: dependemos do médico, do dentista, do professor e do coletor de lixo. Na universidade sempre temos inveja das greves de lixeiros, pois a cidade passa três meses sem o nosso trabalho, mas não passa uma semana sem o deles.

Os contemporâneos de Cristo, ao ouvi-lo pregar, surpreendem-se da sua sabedoria. O Mestre que questiona os soberbos doutores da lei é um homem que se dedicou, durante longos anos, a trabalhos manuais.

São Josemaria Escrivá meditou longamente, e tirou muitos ensinamentos, dessa vida oculta de Cristo, durante os anos em Nazaré. Dentre eles, este que está no cerne do espírito do Opus Dei: qualquer trabalho humano, por mais humilde que seja, é nobre aos olhos de Deus e meio de santidade. O que dá valor ao trabalho não é o brilho humano ou o status que se possa alcançar, mas o amor de Deus com que é feito.

Como nos tempos de Cristo, não surpreende que o espírito cristão choque uma sociedade afetada pelo egoísmo, o materialismo e o hedonismo. Neste sentido, penso que a vocação de numerária auxiliar é uma vocação que traz uma resposta à mentalidade self-service de um mundo descristianizado.

Há aqui um ponto paradoxal em relação ao preconceito. Alguns vêem a dedicação de mulheres ao serviço doméstico como um preconceito contra a mulher. Mas esse raciocínio é que nasce de um preconceito contra o serviço doméstico, como se este não fosse um trabalho nobre e digno, como se as pessoas que o exercem ficassem por isso diminuídas.

Na última ceia, Cristo se ajoelha e lava os pés dos discípulos. São Pedro não quer aceitar esse serviço e é corrigido pelo Mestre. Talvez se tenha lembrado da lição: Sabeis que os chefes das nações as subjugam, e que os grandes as governam com autoridade. Não seja assim entre vós. Todo aquele entre vós que quiser tornar-se grande, faça-se vosso servo. E o que quiser tornar-se entre vós o primeiro, faça-se vosso escravo. Assim como o Filho do Homem veio, não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por uma multidão (Mt 20, 25-28).

O texto latino diz: non venit ministrari, sed ministrare. Daí derivam as palavras ministro e ministério. Também na concepção civil, "ministro" é o que está para servir o povo, e não para ser servido. Todas as profissões humanas podem e devem ser exercidas como um serviço aos outros, e este é um aspecto fundamental para a santificação do trabalho.

Outro aspecto importante é a competência profissional com que as numerárias auxiliares buscam exercer a sua tarefa. Conscientes de que a sua não é uma profissão de segunda categoria, capacitam-se continuamente para exercê-la bem. Muitas tornam-se também monitoras e professoras em escolas hoteleiras ou cursos ligados à sua área de atuação.

Qualquer pesquisa na rede hoteleira mostra que um dos aspectos mais valorizados pelos clientes é o serviço. Um hotel pode ter instalações cinco estrelas, mas se o hóspede for mal servido sairá descontente. Do mesmo modo, um ambiente doméstico acolhedor faz grande diferença na qualidade de vida. Se proporcionar esse ambiente é algo importante, não menos importante é a profissão de quem o propicia.

Além do fato de que todo trabalho honesto é digno, está também o de que o serviço doméstico tem grande importância no ambiente familiar. O seu descuido é responsável por parcela não pequena da atual crise da família, pois muitos encontram em sua casa apenas um teto e não um lar.

São Josemaria sempre colocava como exemplo, também neste aspecto, o lar de Nazaré. Como é fácil imaginar Nossa Senhora tirando água do poço, fazendo pão e limpando a casa. Que bonita a inserção, no filme “A paixão de Cristo”, da cena em que Jesus está trabalhando e Maria O chama para o almoço. Esse foi o cotidiano de Nossa Senhora, o serviço doméstico. Ela não era menos santa ao realizá-lo do que aos pés da Cruz.

Lenise Garcia