Comunicar a identidade cristã hoje

Comunicar a fé na sociedade atual é um desafio para os cristãos. Uma conferência de Jutta Burgraff: "Vamos falar sobre a transmissão da fé. Refiro-me aos filhos, a outros familiares, aos amigos, vizinhos e colegas. Queremos dialogar com todos".

Vamos falar sobre a transmissão da fé. Refiro-me aos filhos, a outros familiares, aos amigos, vizinhos e colegas: a todos os que entram numa casa alegre e aberta; numa casa aberta a pessoas de todo o tipo e condição, de todas as cores e de todas as crenças. Queremos dialogar com todos, como nos ensinou São Josemaria Escrivá, o Fundador do Opus Dei.

“Deus”, palavra ignorada?

Quero começar a nossa reflexão com uma cena que nos apresentou Nietzsche há mais de cem anos. No seu livro “A Gaia Ciência”, este filósofo tão perspicaz fez gritar a um homem louco: “’Procuro Deus! Procuro Deus! Para onde foi Deus? Já lhes direi. Deus morreu! E nós o matamos! O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuíra, sangrou inteiro sob os nossos punhais’. Nesse momento silenciou o homem louco e novamente olhou para seus ouvintes: também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele. ‘Eu venho cedo demais’, disse então, ‘não é ainda o meu tempo. Este acontecimento enorme ainda está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens’”[1].

Hoje, um século depois, podemos constatar que este “enorme acontecimento” chegou realmente aos ouvidos de grande parte dos nossos contemporâneos, para quem “Deus” não é mais do que uma palavra vazia. Fala-se de um “analfabetismo religioso” atual, de uma ignorância até dos conceitos mais básicos da fé[2].

Alguns perguntaram-se se uma criança, que não conhece a palavra “obrigado”, pode estar agradecido: porque a linguagem não só expressa o que se pensa, mas também o contém. Em todo o caso, determina-o muito profundamente. Podemos comprová-lo nos diferentes idiomas. Falar chinês ou francês, não quer dizer simplesmente, trocar uma palavra por outra, mas ter outros esquemas mentais e perceber o mundo de acordo com as circunstâncias de cada lugar. Algumas tribos da Sibéria, por exemplo, têm muitas palavras diferentes para a “neve” (dependendo se é branca ou cinzenta, dura ou mole, nova ou antiga), enquanto os povos árabes dispõem de um sem número de palavras para “cavalo”. Se se tem isto em conta, pode compreender-se que Carlos V tenha afirmado: “Quantos idiomas falo, igual número de vezes sou homem”.

Em relação ao tema religioso, podemos concluir: se vivo num mundo secularizado e ignoro a linguagem da fé, é humanamente impossível chegar a ser cristão.

Compreender o coração do homem de hoje

Se queremos falar sobre a fé, é preciso ter em conta o ambiente em que nos movemos. Temos que conhecer o coração do homem de hoje – que é o nosso próprio coração – com as suas dúvidas e perplexidades.

Temos, geralmente, muitos ídolos, por exemplo, a saúde, o “culto do corpo”, a beleza, o sucesso, o dinheiro ou o esporte; todos eles adquirem, em determinadas circunstâncias, traços de uma nova religião. Chesterton diz: “Chesterton dizia: não há problema em não acreditar em Deus; o problema é que quem deixa de acreditar em Deus começa a acreditar em qualquer outra coisa”.

E, realmente, às vezes parece que é mais fácil acreditar em qualquer coisa do que em uma verdade cristã. Os meus alunos das faculdades civis, por exemplo – estudantes de direito ou de química – falam, com muito boa vontade, da “reencarnação” de Cristo (que teve lugar há 2000 anos): ao que parece, a palavra “reencarnação” é-lhes muito mais familiar do que a palavra “encarnação”. Observamos a influência do budismo e do hinduísmo no Ocidente. Porque exercem uma atração tão forte? Parece que se deseja o exótico, o “liberal”, algo assim como uma “religião a la carte”. Não se procura o verdadeiro, mas o agradável, o que agrada e é simpático: um pouco de Buda, um pouco de Shiva, um pouco de Jesus de Nazaré.

Em épocas anteriores, a vida era considerada como progresso. Hoje, pelo contrário, a vida é considerada como turismo: não há continuidade, mas descontinuidade; caminhamos sem uma direção determinada. O lema de um motorista expressa-o muito bem: “Não sei para onde vou, mas quero chegar lá rapidamente”. Na literatura fala-se de “obscuridade moderna”, de “caos atual”.

“O homem moderno é um cigano”, foi dito com razão. Não tem lar: talvez tenha uma casa para o corpo, mas não para a alma. Há falta de orientação, insegurança e também muita solidão. Assim, não é de estranhar que queira alcançar a felicidade no prazer imediato ou, talvez, nos aplausos. Se alguém não é amado, quer ao menos ser louvado.

Sede de interioridade

Talvez, todos tenhamos nos acostumado a não pensar: pelo menos, a não pensar até ao fim. É o chamado pensamento débil. Vivemos numa época em que temos meios cada vez mais perfeitos, mas os fins estão bastante perturbados. Simultaneamente, podemos descobrir uma verdadeira “sede de interioridade”, tanto na literatura como na arte, na música e também no cinema. Cada vez mais pessoas procuram uma experiência de silêncio e de contemplação; ao mesmo tempo, estão decepcionadas com o cristianismo que, em muitos ambientes, tem fama de não ser senão uma rígida “instituição burocrática”, com preceitos e castigos.

Outras pessoas fogem da Igreja por motivos opostos: a pregação cristã parece-lhes demasiado “superficial”, muito “light”, sem fundamento e sem exigências rigorosas. Não procuram o “liberal”, pelo contrário: procuram o “seguro”. Querem que alguém lhes diga com absoluta certeza qual é o caminho para a salvação e que outro pense e decida por eles: temos aí o grande mercado das seitas[3].

As novidades exigem um novo modo de falar e de atuar.

Vivemos em sociedades multiculturais, nas quais se pode observar simultaneamente os fenômenos mais contraditórios. Alguns tentam resumir tudo o que acontece numa única palavra: pós-modernismo. O termo indica que se trata de uma situação de mudança: é uma época que vem “depois” do modernismo e “antes” de uma nova era que ainda não conhecemos. (Os adeptos da New Age apropriaram-se do termo: segundo eles, já estaríamos nesta nova época, mas – no meu modo de ver – trata-se de um erro: eles são simplesmente “pós-modernos”).

O pós-modernismo é uma era limitada que indica o fracasso do modernismo. Pode comparar-se com a do “pós-guerra” – o tempo difícil depois de uma guerra – que é a preparação para algo novo. E pode relacionar-se também com o período “pós-operatório”, em que uma pessoa convalesce de uma cirurgia, antes de retomar as suas atividades normais.

Parece, realmente, que vivemos uma mudança de época: estamos entrando numa nova etapa da humanidade. E as novidades exigem um novo modo de falar e de atuar.

Como se deve falar sobre a fé neste desconcerto?

Antes de mais nada, podem ajudar-nos umas reflexões de Romano Guardini que não perderam a sua atualidade. Nas suas Cartas do lago de Como, este grande escritor cristão fala sobre a sua inquietação a respeito do mundo moderno. Refere-se, por exemplo, ao artificialismo da nossa vida, escreve acerca da manipulação a que diariamente estamos expostos, trata da perda dos valores tradicionais e da luz estridente que vem da psicanálise... Depois de mostrar, em oito longas cartas, uma panorâmica verdadeiramente desesperante, no final do livro muda repentinamente de atitude. Na nona e última carta expressa um “sim rotundo” a este mundo em que lhe coube viver e explica ao surpreendido leitor, que isto é exatamente o que Deus nos pede a cada um. A mudança cultural, a que assistimos, não pode levar os cristãos a uma perplexidade generalizada[4]. Não pode acontecer que em todas os quadrantes se vejam pessoas preocupadas e angustiadas com saudades dos tempos passados. Pois é o próprio Deus que atua nas mudanças. Temos que estar dispostos a escutá-Lo e a deixar-nos formar por Ele[5].

Você está disposto a mudar de linguagem?

Quem quiser influenciar o presente, tem que amar o mundo em que vive. Não deve olhar para o passado, com nostalgia e resignação, mas antes adotar uma atitude positiva face ao momento histórico concreto: deveria estar à altura dos novos acontecimentos, que marcam as suas alegrias e preocupações, e todo o seu estilo de vida. “Em toda a história do mundo há uma única hora importante, que é a presente”, diz Bonhoeffer. “Quem foge do presente, foge da hora de Deus”[6].

Hoje em dia, uma pessoa entende os acontecimentos do mundo de uma forma diferente das gerações anteriores e a sua reação afetiva também é diversa. Por esta razão é tão importante saber escutar[7]. Um bom teólogo lê tanto a Escritura como o jornal, uma revista ou a internet; mostra proximidade e simpatia para com o nosso mundo[8]. E sabe que é nas mentes e nos corações dos homens e mulheres que o rodeiam, onde pode encontrar Deus, de um modo muito mais vivo do que em teorias e reflexões.

Se eu falar com uma linguagem morta ou de um ponto de vista superado, estarei enterrando as minhas ideias

As mudanças de mentalidade convidam a expor as próprias crenças de uma forma diferente da de antes[9]. A este respeito comenta um escritor: “Não estou disposto a modificar as minhas ideias (básicas) por muito que os tempos mudem. Mas estou disposto a pôr todas as formulações externas à altura dos meus tempos, por simples amor às minhas ideias e aos meus irmãos, já que se falar com uma linguagem morta ou de um ponto de vista superado, estarei enterrando as minhas ideias sem me comunicar com ninguém”[10].

A personalidade de quem fala

Para tratar o tema Deus, não é só necessário ter em conta o ambiente que nos rodeia; é ainda mais decisiva a personalidade de quem fala: porque, ao falar, não só comunicamos algo, expressamo-nos, em primeiro lugar, a nós próprios. A linguagem é um “espelho do nosso espírito”[11].

Existe também uma linguagem não verbal, que substitui ou acompanha as nossas palavras. É o clima que criamos ao nosso redor, geralmente através de coisas muito pequenas, como são, por exemplo, um sorriso cordial ou um olhar de apreço. Quando faltam os oligoelementos no corpo humano, ainda que mínimos, pode adoecer-se gravemente e morrer. De um modo análogo podemos falar de “oligoelementos” num determinado ambiente: são aqueles detalhes, dificilmente demonstráveis e menos ainda exigíveis, que fazem com que o outro se sinta bem, querido e valorizado.

Ser e parecer

É conveniente levar a sério algumas das modernas teorias da comunicação. Estas teorias recordam-nos que uma pessoa transmite mais pelo que é do que pelo que diz. Há mesmo quem afirme que 80% ou 90% da nossa comunicação ocorre de forma não verbal.

Além disso, transmitimos apenas uma pequena parte da informação de modo consciente e o resto de modo inconsciente: através do olhar e da expressão do rosto, através das mãos e dos gestos, da voz e de toda a linguagem corporal. O corpo dá a conhecer o nosso mundo interior, “traduz” as emoções e aspirações, o entusiasmo e a decepção, a generosidade e a angústia, o ódio e o desespero, o amor, a súplica, a resignação e o triunfo e dificilmente engana. Santo Agostinho fala de uma “linguagem natural de todos os povos”[12].

Os outros entendem a mensagem, também, só em parte de modo consciente e percebem muitas coisas inconscientemente. Ficou gravada em mim uma situação, em que comprovei esta verdade de um modo muito claro. Quando trabalhava numa instituição para pessoas doentes e solitárias, um dia, um dos diretores entrou no quarto de um doente e falou-lhe de modo amável, fazendo-lhe todo o tipo de carícias. Mas quando saiu do quarto, o doente confessou que sentia muita antipatia por este diretor. Porquê? Por motivo do meu trabalho eu tinha percebido que o visitante, na realidade, desprezava o doente. Queria disfarçar, mas expressou-o inconscientemente. E, como era de temer, o doente percebeu isso perfeitamente.

Se queremos tocar o coração dos outros, temos que mudar primeiro o nosso próprio coração.

Isto quer dizer que não basta sorrir e ter uma aparência agradável. Se queremos tocar o coração dos outros, temos que mudar primeiro o nosso próprio coração. O ensinamento mais importante transmite-se através da simples presença de uma pessoa madura e que ama. Na antiga China e na Índia, o homem mais valorizado era o que possuía excelentes qualidades espirituais. Não transmitia apenas conhecimentos, mas também profundas atitudes humanas. Quem entrava em contato com ele, ansiava por mudar e crescer – e perdia o medo de ser diferente.

Nos dias de hoje é muito importante fazer a experiência de que a fé é muito humana e muito humanizante; a fé cria um clima em que todos se sentem bem, amavelmente interpelados a dar o melhor de si. Esta verdade expressa-se na vida de muitos personagens importantes, desde o apóstolo São João até à Madre Teresa de Calcutá e São Josemaria Escrivá.

Identidade cristã e autenticidade

Para falar com eficácia sobre Deus, é preciso uma clara identidade cristã. Talvez a nossa linguagem pareça, por vezes, tão insípida, porque ainda não estamos suficientemente convencidos da beleza da fé e do grande tesouro que temos e facilmente nos deixamos esmagar pelo ambiente.

Mas a luz é anterior às trevas e o nosso Deus é o eternamente Novo. Não é a “velhice” do cristianismo original o que pesa nos homens, mas o chamado cristianismo burguês. “Mas este cristianismo burguês não é o cristianismo – adverte Congar. É tão só a encarnação do cristianismo na civilização burguesa”[13]. Este fato permite-nos ter uma certa dose de otimismo e de esperança à hora de falar de Deus.

Um cristão não tem que ser perfeito, mas autêntico

Um cristão não tem que ser perfeito, mas autêntico. Os outros notam se uma pessoa está convencida do conteúdo do seu discurso, ou não. As mesmas palavras – por exemplo, Deus é Amor – podem ser triviais ou extraordinárias, de acordo com a forma como se digam. “Essa forma depende da profundidade da região no ser de um homem, da qual procedem, sem que a vontade possa fazer nada. E, por um maravilhoso acordo, atingem a mesma região de quem as escuta”[14]. Se alguém fala da alegria de ter encontrado Deus no fundo do seu coração, pode comover os outros com a força da sua palavra. Não é preciso ser um brilhante orador. Fala simplesmente com a autoridade de quem vive – ou procura viver – o que diz; comunica algo a partir do próprio centro da sua existência, sem frases feitas nem receitas chatas.

Uma pessoa assimila, como por osmose, atitudes e comportamentos dos que o rodeiam. Assim, toda a atividade cristã pode convidar a abrir-se a Deus, esteja ou não em relação explícita com a fé. Mas também pode escandalizar os outros, de modo que as palavras percam valor. Edith Stein conta que perdeu a sua fé judaica quando, de pequena, percebeu que os seus irmãos mais velhos, nas cerimônias da Páscoa, só “faziam teatro” e não acreditavam no que diziam.

Serenidade

Um cristão não é, em primeiro lugar, uma pessoa “piedosa”, mas uma pessoa feliz, já que encontrou o sentido da sua existência. Precisamente por isso é capaz de transmitir aos outros o amor à vida, que é tão contagioso como a angústia.

Um cristão não é uma pessoa “piedosa”, mas uma pessoa "feliz"

Não se trata, habitualmente, de uma felicidade clamorosa, mas de uma tranquila serenidade, fruto de ter assimilado a dor e os chamados “golpes do destino”. É preciso convencer os outros – sem ocultar as próprias dificuldades – que nenhuma experiência da vida é em vão; podemos sempre aprender e amadurecer – também quando nos desviamos do caminho, quando nos perdemos no deserto ou quando nos surpreende uma tempestade. Gertrud von Le Fort afirma que não só o dia com sol, mas também a noite escura, tem os seus milagres. “Há certas flores que só florescem no deserto; estrelas que somente se podem ver em sítios ermos. Existem algumas experiências do amor de Deus que só se vivem quando nos encontramos no mais completo abandono, quase à beira do desespero”[15].

Como pode compreender e consolar quem nunca foi destroçado pela tristeza? Há pessoas que, depois de sofrerem muito, se tornaram compreensivas, cordiais, acolhedoras e sensíveis à dor alheia. Numa palavra, aprenderam a amar.

Amor e confiança

O amor estimula o melhor que há no homem. Num clima de aceitação e carinho, despertam-se os grandes ideais. Para uma criança, por exemplo, é mais importante crescer num ambiente de amor autêntico, sem referências explícitas à religião, do que num clima de “piedade” meramente formal, sem carinho. Se falta o amor, falta a condição básica para um desenvolvimento sadio. Não se pode modelar o ferro frio; mas quando se aquece é possível trabalhá-lo com delicadeza.

Através dos pais, os filhos deveriam descobrir o amor de Deus[16]. É preciso a “linguagem das obras”; é preciso viver a própria mensagem. O decisivo não são as lições e as aulas de catecismo, que virão mais tarde. Antes, muito antes, convém preparar a terra para que acolha a semente.

Nos primeiros anos de vida, cada criança realiza uma descoberta básica, que será de vital importância para o seu carácter: o “sou importante, compreendem-me e amam-me”, ou “estou no meio, atrapalho”. Cada um tem que fazer, de algum modo, esta experiência de amor que nos transmite Isaías: “És muito precioso para mim, eu te aprecio e te amo... Vê que escrevi teu nome na palma de minha mão”[17].

Se falta esta experiência, pode acontecer que uma pessoa nunca seja capaz de estabelecer relações duradouras, nem de trabalhar com seriedade. E, sobretudo, será difícil para ela acreditar verdadeiramente no amor de Deus: crer que Deus é um Pai que compreende e perdoa e que exige com justiça para o bem do filho[18]. “A história da decadência de cada homem e de cada mulher fala de que uma criança maravilhosa, valiosa, singularíssima e com muitas qualidades perdeu o sentido do próprio valor”[19]. É difícil corrigir isto mais tarde dando aulas sobre o amor de Deus. Uma pessoa disse com acerto: “O que você faz é tão ruidoso que não ouço o que diz”.

Muitas pessoas não puderam desenvolver a “confiança original” e como não a conhecem, movem-se num ambiente de “angústia original”. Não querem saber nada de Deus; chegam a sentir medo e até terror diante do cristianismo. Porque, para eles, Deus não é senão um Juiz severo, que castiga e condena, inclusive com arbitrariedade. Não descobriram que Deus é Amor, um Amor que se entrega e que está mais interessado na nossa felicidade do que nós próprios.

Por isso, é tão importante acreditar nas capacidades dos outros e mostrar que acreditamos. Às vezes, impressiona ver quanto uma pessoa se pode transformar, quando se confia nela; como muda, se é tratada de acordo com a ideia aperfeiçoada que se tem dela. Há muitos homens e mulheres que sabem animar os outros a ser melhores, através de uma admiração discreta e silenciosa. Transmitem-lhes a segurança de que há muito de bom e de belo dentro deles que, com paciência e constância, animam e ajudam a desenvolver.

Quando alguém nota que é amado, adquire uma alegre confiança no outro: começa a abrir a sua intimidade. A transmissão da fé começa – em todos os níveis – com uma linguagem não verbal. É a linguagem do carinho, da compreensão e da autêntica amizade.

Falar sobre a Fé

Quando conheço bem outra pessoa, conheço também as suas experiências, as suas feridas e os seus anseios. E – se esse conhecimento é recíproco – a outra pessoa sabe o que eu vivi, o que me faz sofrer e o que me dá esperança. A amizade nunca é uma via unilateral. Num clima de mútuo conhecimento é mais fácil falar de tudo, também da fé.

Uma procura comum

Há pessoas que têm uma forte identidade cristã e, apesar disso, não conseguem convencer ninguém. Quando alguém se mostra seguro demais, em princípio, hoje em dia não é aceito. Há uma aversão aos “grandes relatos” e também aos “portadores da suma verdade”, porque temos mais claro do que nunca que ninguém pode saber tudo. Fala-se de uma pastoral “de baixo para cima”, não “de cima para baixo”, não a partir da cátedra, que quer instruir os “pobres ignorantes”. Este modo de atuar já não é eficaz e, talvez, nunca tenha sido.

Vem-me à memória o que se conta do Papa João Paulo II. Sucedeu durante o Concílio Vaticano II. Numa das sessões plenárias do Concílio, o então jovem Bispo Wojtyla pediu a palavra e, inesperadamente, fez uma aguda crítica ao projeto de um dos documentos mais importantes que tinha sido proposto. Deu a entender que o projeto não servia senão para o cesto dos papéis. As razões eram as seguintes: “No texto apresentado, a Igreja ensina ao mundo. Coloca-se, por assim dizer, acima do mundo, convencida de possuir a verdade e exige do mundo que lhe obedeça”. Mas esta atitude pode expressar uma arrogância sublime. “A Igreja não há de instruir o mundo a partir da posição de autoridade, mas há de procurar a verdade e as soluções autênticas para os problemas difíceis da vida humana junto do mundo”[20]. O modo de expor a fé não deve converter-se nunca num obstáculo para os outros.

Aprender de todos

O que mais atrai nos nossos dias, não é a segurança, mas a sinceridade

O que mais atrai nos nossos dias, não é a segurança, mas a sinceridade: convém contar aos outros as próprias razões que nos convencem a acreditar, falar também das dúvidas e das interrogações[21]. Ou seja, trata-se de pôr-se ao lado dos outros e de procurar a verdade juntamente com eles. Certamente, eu posso dar-lhe muito, se tenho fé; mas os outros também me podem ensinar muito.

São Tomás afirma que qualquer pessoa, por errôneas que sejam as suas convicções, participa, de alguma maneira, da verdade: o bom pode existir sem mistura de mau; mas não existe o mau sem mistura de bom[22]. Portanto, não só devemos transmitir a verdade que – com a graça divina – atingimos, mas somos também chamados a aprofundar continuamente nela e a procurá-la ali onde pode ser encontrada, isto é, em todos os lugares. É muito enriquecedor, por exemplo, conversar com judeus ou com muçulmanos; sempre se abrem novos horizontes para nós. E a verdade, diga-a quem a disser, só pode proceder de Deus[23].

Como nós, cristãos, não temos consciência plena de todas as riquezas da nossa própria fé, podemos (e devemos) avançar com a ajuda dos outros. A verdade nunca se possui por inteiro. Em última instância, não é algo, mas Alguém, é Cristo. Não é uma doutrina que possuímos, mas uma Pessoa pela qual nos deixamos possuir. É um processo sem fim, uma “conquista” sucessiva.

Levar a sério as necessidades e desejos humanos

Podemos perguntar-nos: porque é que esta ou aquela ideologia atrai tanta gente? Habitualmente porque mostram os desejos e as necessidades mais profundas dos nossos contemporâneos (que são os nossos próprios desejos e necessidades). A teoria da reencarnação, por exemplo, manifesta a esperança noutra vida; a meditação transcendental ensina como alguém se pode afastar dos ruídos exteriores e interiores; e os grupos skinhead ou cabeças rapadas, da mesma forma que os punks dos anos 80 (e 90), os góticos dos 90 (e do 2000) e os atuais adeptos do “rap” oferecem uma solidariedade – um sentido de pertença – que muitos jovens não encontram nas suas famílias.

No entanto, a fé oferece respostas muito mais profundas e alentadoras. Diz-nos que todos os homens – e em particular os cristãos – são irmãos, chamados a andar juntos pelo caminho da vida. Nunca se encontram sós. Quando falamos com Deus na oração – o que podemos fazer em qualquer momento do dia – não nos distanciamos dos outros; pelo contrário unimo-nos com Quem mais nos ama neste mundo e Quem preparou para todos nós uma vida eterna de felicidade.

Se conseguirmos expor o mistério divino a partir da chave do amor, será más fácil despertar os interesses do homem moderno. Há tentativas consideráveis neste sentido[24]. O Deus dos cristãos é o Deus do Amor, porque não só é Uno; simultaneamente é Trino. Como amar consiste em relacionar-se com um tu – em dar e receber – um Deus “sozinho” (uma única pessoa) não pode ser Amor. A quem poderia amar, por toda a eternidade? Um Deus solitário, que se conhece e se ama a si mesmo, pode ser considerado, no fundo, como um ser muito inquietante.

“Estar no mundo quer dizer: ser amado por Deus” – Gabriel Marcel.

O Deus Trino é, realmente, o Deus do Amor. No Seu interior, descobrimos uma vida de doação e de entrega mútua. O Pai dá todo o Seu amor ao Filho; foi chamado o “Grande Amante”. O Filho recebe este amor e devolve-o ao Pai; é Ele que nunca diz “não” ao Amor. O Espírito é o próprio Amor entre ambos; é “co-dilecto”, segundo Hugo de São Víctor: mostra que se trata de um amor aberto, onde cabe outro, onde cabemos também nós.

“Estar no mundo quer dizer: ser amado por Deus”, afirma Gabriel Marcel. Por isso, uma pessoa que tem fé pode sentir-se protegido e seguro. Pode experimentar que os seus desejos mais profundos são satisfeitos.

Ir ao essencial

Quando falamos da fé, é importante ir ao essencial: o grande amor de Deus para conosco, a vida apaixonante de Cristo, a atuação misteriosa do Espírito na nossa mente e no nosso coração... Temos que fugir do que fazem os que querem tirar força ao cristianismo: reduzem a fé à moral, e a moral ao sexto mandamento. Em todo caso, convém deixar muito claro que a Igreja diz um sim ao amor. E para salvaguardar o amor, diz um não às deformações da sexualidade.

Bento XVI optou por este modo de atuar. Depois do “Encontro Mundial das Famílias”, em Valência, concedeu uma entrevista à Rádio Vaticano, em que lhe perguntaram: “Santo Padre, em Valência, Vossa Santidade não falou nem do aborto, nem da eutanásia, nem do casamento gay. Isso foi intencional?”. E o Papa respondeu: “Claro que sim... Tendo tão pouco tempo não se pode começar imediatamente com o negativo. O mais importante é saber o que queremos dizer, não é assim? E o cristianismo... não é um cúmulo de proibições, mas uma opção positiva. É muito importante que isto se veja novamente, dado que atualmente esta consciência desapareceu quase por completo. Falou-se muito do que não está permitido e agora temos de dizer: Mas nós temos uma ideia positiva que propor... É sobretudo importante pôr em evidência o que queremos”[25].

Uma linguagem clara e simples

Quando estudava em Colônia, numa ocasião tive que preparar, um trabalho longo e difícil para um seminário da Universidade. Antes de o entregar ao professor, mostrei-o a um colega mais velho, que o leu com interesse e que depois me deu um conselho amistoso que nunca esqueci: “Está muito bem – comentou. Mas se queres ter uma boa nota, tens que dizer a mesma coisa mas de um modo muito mais complicado”.

Somos assim. Às vezes, confundimos o complicado com o inteligente e esquecemos que Deus – a suma verdade – é, simultaneamente, a suma simplicidade. A linguagem da fé fala com simplicidade sobre realidades inefáveis. “Prefiro dizer cinco palavras com minha mente, para assim instruir também os outros, a dizer dez mil palavras em línguas”, adverte São Paulo[26].

Pode-se usar imagens para aproximar o mistério trinitário ao nosso espírito. (Na simplicidade das imagens encontramos mais verdade do que nos grandes conceitos). Uma das mais correntes é a do sol, a sua luz e o seu calor; ou também a fonte, o rio e o mar, comparação muito apreciada pelos Padres gregos[27]. (Como os Padres da Igreja se expressam muitas vezes em imagens, a sua teologia é sempre moderna).

Podem procurar-se também episódios, citações da literatura ou cenas de filmes. Nos tempos do Vaticano II, os peritos foram convidados a falar numa linguagem acessível: “Que se abandone todo o idioma exangue e árido, a dissecação carregada de afirmações conceitualistas, para utilizar uma linguagem mais viva e concreta, à semelhança da Bíblia e dos antigos Padres. Que se abandone a sobrecarga de discussões secundárias e de “questões” de mera curiosidade... Dirigir a alguém um discurso complexo, dificilmente inteligível... tem algo de ultrajante e de falta de respeito, quer para a verdade, quer para a pessoa que tem direito a compreender”[28].

Quem não entende o que a outra pessoa está dizendo, não pode expressar as suas dúvidas, não pode investigar livremente por conta própria. Depende do outro e pode ser manipulado facilmente por ele.

Uma linguagem existencial

Do mesmo modo, o outro tem direito a conhecer toda a verdade. Se reprimimos uma parte da fé, criamos um ambiente de confusão e não prestamos uma autêntica ajuda ao outro. Daniélou di-lo claramente: “A condição básica de um diálogo sincero com um não cristão é dizer-lhe: tenho a obrigação de te dizer que um dia te encontrarás com a Trindade”[29].

É preciso explicar aos outros a própria fé da forma mais clara e íntegra que for possível[30]. Com isso, por outro lado, ganhamos em sinceridade em qualquer relação humana: queremos dar a conhecer a nossa própria identidade, o que é, no nosso caso, a identidade cristã. O outro quer saber quem eu sou. Se não falamos cuidadosamente sobre todos os aspectos da fé, os outros não poderiam aceitar-nos tal como somos na realidade e a nossa relação seria cada vez mais superficial, mais decepcionante, até que, antes ou depois, se quebraria.

Temos o desejo de animar os outros a deixarem-se encantar e conquistar pela figura luminosa de Cristo.

Mas não só queremos dar a conhecer o nosso projeto vital, temos o desejo de animar os outros a deixarem-se encantar e conquistar pela figura luminosa de Cristo.

Aqui manifesta-se o carácter existencial e dinâmico da linguagem sobre a fé, que convida os outros a entrar, pouco a pouco, na vida cristã, que é diálogo e intimidade, correspondência ao amor e, simultaneamente, uma grande aventura, “a aventura da fé”.

Nota final

Crer em Deus significa caminhar com Cristo – no meio de todas as lutas que tivermos – para a casa do Pai[31]. Mas, para isso, de pouco servem os esforços e menos ainda os sermões. A nossa linguagem é muito limitada. A fé é um dom de Deus e também o é o seu desenvolvimento. Podemos convidar os outros a pedi-la, humildemente ao Alto, juntamente conosco. A meta do nosso falar de Deus consiste em levar todos a falar com Deus. Inclusive Nietzsche, que combateu o cristianismo durante longas décadas, fez no final da vida um impressionante poema ”Ao Deus desconhecido”, que se pode considerar uma verdadeira oração:

“Volta para mim, com todos os teus mártires!

Volta para mim, ao último solitário!

As minhas lágrimas, em torrentes,

correm num leito para Ti,

e acendem em mim o fogo

do meu coração por Ti.

Oh! Volta, meu Deus desconhecido!

Minha dor, minha última sorte, minha felicidade!”[32].

* Conferência da teóloga Jutta Burgraff pronunciada no congresso “Igreja e comunicação, identidade e diálogo”, que se realizou na Universidade Pontifícia da Santa Cruz, em Roma, no dia 27 de abril de 2010, sete meses antes do seu falecimento.


[1] F. NIETZSCHE, La gaya ciencia (1887), Palma de Mallorca 1984, n.255.

[2] Cfr. As estatísticas publicadas por J. FL YNN, Analfabetismo religioso, em “Zenit” (Agência Internacional de Informação de Roma), 3-V-2007.

[3] Cfr. M. GUERRA, Historia de las religiones, Pamplona 1980, vol. 3.

[4] Cfr. CONCÍLIO VATICANO II, Constituição pastoral Gaudium et Spes (=GS), n. 4.

[5] R. GUARDINI, Cartas del lago de Como, São Sebastião 1957.

[6] D. BONHOEFFER, Predigten, Auslegungen, Meditationen I,1984, pp. 196-202.

[7] Cfr. Y. CONGAR, Situación y tareas de la teología de hoy, Salamanca 1970: “Se a Igreja se pretende aproximar dos verdadeiros problemas do mundo atual, deve abrir um novo capítulo de epistemologia teológico-pastoral. Em vez de partir somente dos dados da revelação e da tradição, como fez geralmente a teologia clássica, terá de partir de factos e problemas recebidos do mundo e da história. Isto é muito menos cómodo; mas não podemos continuar a repetir o antigo, partindo de ideias e problemas do século XIII ou do século XIV. Temos que partir das ideias e dos problemas de hoje, como de um dado novo, que é preciso certamente esclarecer mediante o dado evangélico de sempre, mas sem poder aproveitar elaborações já adquiridas na tranquilidade de uma tradição segura”. pp. 89 e ss.

[8] O Concílio altera o modo habitual da reflexão teológica e começa a contemplar o mundo de hoje, com os seus desequilíbrios, temores e esperanças; abre-se aos sinais dos tempos. “O povo de Deus, movido pela fé, que o impulsiona a acreditar que quem o conduz é o Espírito do Senhor, que enche o universo, procura discernir nos acontecimentos, exigências e desejos, de que participa juntamente com os seus contemporâneos, os verdadeiros sinais da presença ou dos planos de Deus”. GS, 11 e 44; cfr. 4-10. Cfr. JOÃO XXIII, Bula Humanae salutis (25-XII-196l), pela qual o Papa convocava o Concílio Vaticano II. IDEM, Encíclica Pacem in terris (1l-IV-1963), 39.

[9] Cfr. CONCÍLIO VATICANO II, Decreto Unitatis redintegratio, 6.

[10] J.L. MARTÍN DESCALZO, Razones para la alegría, 8ª ed., Madrid 1988, p. 42.

[11] Cfr. E. SCHOCKENHOFF, Zur Lüge verdammt, Freiburg 2000, p. 73.

[12] SANTO AGOSTINHO, Confissões 1,8. Ao mesmo tempo, a expressão dos sentimentos está modulada pela cultura. Compreender o valor expressivo de um gesto, de um olhar ou de um sorriso, indica que se está no interior de uma determinada cultura.

[13] J. DANIÉLOU, El misterio de la historia. Un ensayo teológico, San Sebastián 1963, pp.39s.

[14] S. WEIL, Gravity and Grace, New York 1952, p. 117.

[15] Gertrud von Le Fort, Unser Weg durch die Nacht, en Die Krone der Frau, Zürich 1950, pp. 90 e ss.

[16] Cfr. JOÃO PAULO II, Exortação apostólica Familiaris consortio, 14 e 36.

[17] Is 43,1-4; 49,15-16.

[18] Nesta linha explica-se, em parte, o fenômeno da teologia feminista radical. Por que razão há tantas pessoas que já não querem falar de “Deus Pai”? Não são poucas aquelas a quem é impossível dirigir-se a Deus como “Pai”, porque tiveram experiências desagradáveis com os seus próprios pais.

[19] Cfr. J. BRADSHAW, Das Kind in uns, München 1992, p. 66.

[20] M. MALINSKI; A. BUJAK, Juan Pablo II: historia de un hombre, Barcelona 1982, p. 106. Em certas situações, no entanto, a Igreja deve ensinar com autoridade, mas sem “autoritarismo”, ou seja, com autoridade e humildade.

[21] Fala-se também de uma “teologia narrativa” que procura descobrir a ação do Espírito no mundo, através de acontecimentos e factos concretos. Alguns autores contam a sua própria vida (Cfr. J. SUDBRACK, Gottes Geist ist konkret. Spiritualitat im christlichen Kontext, Würzburg 1999, pp.3-31), outros retiram exemplos da literatura ou da história para ilustrar como Deus atua em todos os acontecimentos (Cfr. V. CODINA, Creo en el Espíritu Santo. Pneumatología narrativa, cit., pp.11-27 e pp.179-185). A pneumatologia narrativa converte-se por vezes em hagiografia. O facto de alguns grandes santos se terem convertido com a leitura de vidas de outros santos é significativo. Assim, por exemplo, Edith Stein descobriu a fé lendo a “Autobiografia” de Teresa de Jesus. Hans Urs von Balthasar e René Laurentin, entre outros, começaram a fazer uma teologia a partir dos santos que têm uma mensagem muito concreta para os seus contemporâneos e para as gerações posteriores (Cfr. R.U. VON BALTHASAR, Thérese de Lisieux. Geschichte einer Sendung, Koln 1950. R. LAURENTIN, Vie de Bernadette, París 1978. IDEM, Vie de Catherine Labouré, Paris 1980).

[22] “Bonum potest inveniri sine malo; sed malum non potest inveniri sine bono”. SÃO TOMÁS DE AQUINO, Summa theologiae I-IIae q. l09, a.1, ad 1.

[23] “Omne verum, a quocumque dicatur, a Spiritu Sancto est”. Ibid cfr. IDEM, De veritate, q. 1, a.8.

[24] Cfr. BENTO XVI, Encíclica Deus caritas est (25-XII-2005).

[25] Cfr. BENTO XVI, Entrevista concedida à Rádio Vaticano e a quatro cadeias de televisão alemãs por motivo da sua próxima viagem à Alemanha, Castelgandolfo 5-VIII-2006.

[26] 1 Cor 14,19.

[27] Trata-se evidentemente de imagens muito imperfeitas que exigem cada vez mais explicações.

[28] G. PHILIPS, Deux tendances dans la théologie contemporaine, em Nouv. Rev. Théol (1963/3), p. 236.

[29] J. DANIÉLOU, Mitos paganos, misterio cristiano, Andorra 1967, p.123.

[30] Chegará o momento em que se possa introduzir — cuidadosamente— alguns termos “técnicos” — como pessoa, relação ou natureza — que se utilizaram na altura de formular os grandes dogmas. A teologia — como qualquer ciência — tem uma terminologia muito precisa da qual não podemos prescindir. Muitas palavras das fórmulas dogmáticas procedem do âmbito filosófico; após uma longa história de disputa entre fé e filosofia, chegaram a ser expressão específica do que a fé pode dizer sobre si própria. Portanto, essas palavras não são somente a linguagem do platonismo, do aristotelismo ou de qualquer outra filosofia, mas pertencem à linguagem própria da fé. Certamente, a revelação é superior a todas as culturas. Mas ao transmitir a Boa Nova de Cristo, transmite-se também algo de cultura.

[31] Cfr. Fil 3,20.

[32] Cfr. F. NIETZSCHE, em F. WÜRZBACH (ed.), Das Vermiichtnis Friedrich Nietzsches,Salzburg-Leipzig 1940.