Bento XVI faz um balanço da sua viagem ao Brasil

O Papa Bento XVI fez um breve resumo da sua visita apostólica ao Brasil, na audiência geral desta quarta-feira, 23 de maio, perante um público de mais de 50.000 pessoas reunidas na Praça de São Pedro.

Queridos irmãos e irmãs:

Nesta audiência geral, quero recordar minha viagem apostólica ao Brasil, de 9 a 14 deste mês. Depois de dois anos de pontificado, finalmente tive a alegria de visitar a América Latina, que tanto amo, e onde vive, de fato, uma grande parte dos católicos do mundo.

A meta foi o Brasil, mas quis abraçar todo o grande subcontinente latino-americano, pois o acontecimento eclesial que me chamou para ir até lá foi a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe.

Desejo renovar minha profunda gratidão aos irmãos bispos, em particular aos de São Paulo e de Aparecida, pela acolhida que recebi. Agradeço ao presidente do Brasil e às demais autoridades civis por sua cordial e generosa colaboração. Com grande afeto, agradeço o povo brasileiro pelo calor com que me acolheu -- era verdadeiramente comovedor -- e pela atenção que dedicou às minhas palavras.

Minha viagem teve antes de tudo o valor de um ato de louvor a Deus pelas «maravilhas» operadas nos povos da América Latina, pela fé que animou a sua vida e a sua cultura durante mais de quinhentos anos.

Neste sentido, foi uma peregrinação que teve seu momento culminante no santuário de Nossa Senhora Aparecida, principal padroeira do Brasil. O tema da relação entre fé e cultura foi sempre muito importante para meus venerados predecessores, Paulo VI e João Paulo II. Quis retomá-lo, confirmando a Igreja que está na América Latina e no Caribe no caminho de uma fé que se fez e se faz história vivida, piedade popular, arte, em diálogo com as ricas tradições pré-colombinas, também com as múltiplas influências européias e de outros continentes.

Certamente, a lembrança de um passado glorioso não pode ignorar as sombras que acompanharam a obra de evangelização do continente latino-americano: não é possível esquecer os sofrimentos e as injustiças que os colonizadores causaram à população indígena, pisoteada com frequência em seus direitos fundamentais. Mas o dever de mencionar esses crimes injustificáveis, condenados já então por missionários como Bartolomeu das Casas e teólogos como Francisco de Vitória, da Universidade de Salamanca, não deve impedir de reconhecer com gratidão a maravilhosa obra que a graça divina levou a cabo entre essas populações ao longo destes séculos.

O Evangelho no continente se transformou, deste modo, no elemento-chave de uma síntese dinâmica que, com diversos matizes segundo as nações, expressa a identidade dos povos latino-americanos. Hoje, na época da globalização, esta identidade católica continua apresentando-se como a resposta mais adequada, sob a condição de que esteja animada por uma séria formação espiritual e pelos princípios da doutrina social da Igreja.

O Brasil é um grande país que custodia valores cristãos profundamente arraigados, mas vive também enormes problemas sociais e econômicos. Para oferecer uma solução, a Igreja deve mobilizar todas as forças espirituais e morais de sua comunidade, buscando convergências oportunas com as energias sãs do país.

Entre os elementos positivos, deve-se indicar certamente a criatividade e a fecundidade dessa Igreja, na qual nascem continuamente novos movimentos e novos institutos de vida consagrada. Também merece elogio a entrega generosa de tantos fiéis leigos, que são sumamente ativos nas diferentes atividades promovidas pela Igreja.

O Brasil é também uma nação que pode propor ao mundo um novo modelo de desenvolvimento: a cultura cristã pode inspirar uma «reconciliação» entre os seres humanos e a criação, a partir da recuperação da dignidade pessoal na relação com Deus Pai.

Neste sentido, um exemplo eloquente é a «Fazenda da Esperança», uma rede de comunidades de recuperação para jovens que querem sair do túnel tenebroso das drogas. Na que visitei, que me impressionou profundamente e que me deixou uma viva recordação no coração, é significativa a presença de um Mosteiro de Irmãs Clarissas. Isso me pareceu emblemático para o mundo de hoje, que precisa de uma «recuperação» certamente psicológica e social, mas sobretudo profundamente espiritual.

E emblemática foi também a canonização, celebrada com alegria, do primeiro santo nativo do país: Frei Antônio de Sant’Ana Galvão. Este sacerdote franciscano do século XVIII, devotíssimo da Virgem Maria, apóstolo da Eucaristia e da Confissão, foi chamado enquanto vivia de «homem de paz e de caridade». Seu testemunho é mais uma confirmação de que a santidade é a verdadeira revolução, que pode promover a autêntica reforma da Igreja e da sociedade.

O Brasil é também uma nação que pode propor ao mundo um novo modelo de desenvolvimento: a cultura cristã pode inspirar uma «reconciliação» entre os seres humanos e a criação, a partir da recuperação da dignidade pessoal na relação com Deus Pai.

Na Catedral de São Paulo, encontrei os Bispos do Brasil, a conferência episcopal mais numerosa do mundo. Testemunhar-lhes o apoio do sucessor de Pedro era um dos objetivos principais de minha missão, pois conheço os grandes desafios que o anúncio do Evangelho tem de enfrentar nesse país. Alentei meus irmãos a prosseguir e reforçar o compromisso da nova evangelização, exortando-os a difundir, de forma capilar e metódica, a Palavra de Deus para que a religiosidade inata difundida entre a população se torne mais profunda e se transforme em fé madura e em adesão pessoal e comunitária ao Deus de Jesus Cristo.

Alentei-os a recuperar por toda parte o estilo da primitiva comunidade cristã, descrita no livro dos Atos dos Apóstolos: assídua na catequese, na vida sacramental e na caridade operante.

Conheço a dedicação desses fiéis servidores do Evangelho, que o querem apresentar sem limites nem confusão, custodiando o depósito da fé com discernimento; e conosco também sua preocupação constante por promover o desenvolvimento social, principalmente mediante a formação de leigos, chamados a assumir responsabilidades no campo da política e da economia. Agradeço a Deus por me ter permitido aprofundar na comunhão com os bispos brasileiros, que continuam estando sempre presentes em minha oração.

Outro momento característico da viagem foi, sem dúvida, o encontro com os jovens, esperança não só para o futuro, mas força vital também para o presente da Igreja e da sociedade. Por este motivo, a vigília que animaram em São Paulo foi uma festa da esperança, iluminada pelas palavras de Cristo dirigidas ao «jovem rico», que lhe havia perguntado: «Mestre, o que hei de fazer de bom para conseguir a vida eterna?» (Mateus 19, 16). Jesus lhe indicou, antes de tudo, «os mandamentos», como o caminho da vida, e depois o convidou a deixar tudo para segui-lo.

Hoje a Igreja continua fazendo o mesmo: antes de tudo, volta a apresentar os mandamentos, autêntico caminho de educação na liberdade e no bem pessoal e social; e sobretudo propõe o «primeiro mandamento», o do amor, pois sem amor os mandamentos não darão pleno sentido à vida nem procurarão a verdadeira felicidade. Só quem encontra em Jesus o amor de Deus empreende este caminho para percorrê-lo entre os homens, converte-se em seu discípulo e seu missionário. Convidei os jovens a serem apóstolos de seus conterrâneos; e por isso, a cuidar sempre de sua formação humana e espiritual; a ter grande estima pelo matrimônio e pelo caminho que conduz a ele, na castidade e na responsabilidade; a estar abertos também ao chamado à vida consagrada pelo Reino de Deus. Em definitivo, eu os alentei a tornar fecunda a grande «riqueza» de sua juventude, para ser o rosto jovem da Igreja.

Cume da viagem foi a inauguração da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, no santuário de Nossa Senhora Aparecida. O tema desta grande e importante assembléia, que se concluirá no final do mês, é «Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nossos povos n’Ele tenham vida. ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’». O binômio «discípulos e missionários» corresponde ao que o Evangelho de Marcos diz sobre o chamado dos apóstolos: «[Jesus] instituiu doze, para que estivessem com ele, e para enviá-los a pregar» (Marcos 3, 14-15). A palavra «discípulo» faz referência, portanto, à dimensão formativa e ao seguimento, à comunhão da experiência vivida, da verdade e do amor conhecidos e assimilados. Ser discípulos e missionários implica um vínculo íntimo com a Palavra de Deus, com a Eucaristia e com os demais sacramentos, viver na Igreja em escuta obediente de seus ensinamentos. Renovar com alegria a vontade de ser discípulos de Jesus, de «estar com Ele», é a condição fundamental para ser missionários «recomeçando desde Cristo», segundo o lema do Papa João Paulo II a toda a Igreja após o Jubileu de 2000.

Meu venerado predecessor sempre insistiu em uma evangelização «nova em seu ardor, em seus métodos, em sua expressão», como afirmou falando precisamente à assembléia do CELAM, em 9 de março de 1983, no Haiti (cf. «Insegnamenti» VI/1 [1983], 698). Com minha viagem apostólica, quis exortar a prosseguir por este caminho, oferecendo como perspectiva de unificação a da encíclica «Deus caritas est», uma perspectiva inseparavelmente teológica e social, que se resume nesta expressão: «é o amor que dá a vida». «A presença de Deus, a amizade com o Filho de Deus encarnado, a luz de sua Palavra, são sempre condições fundamentais para a presença e eficiência da justiça e do amor em nossas sociedades» (Discurso inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 4).

À materna intercessão da Virgem Maria, venerada com o título de Nossa Senhora de Guadalupe, como padroeira de toda a América Latina, e ao novo santo brasileiro, Frei Antônio de Sant’Ana Galvão, encomendo os frutos dessa inesquecível viagem apostólica.

[Tradução realizada por ZENIT]

Agência Zenit